Internacional
24 julho 2021 às 05h00

EUA dão a mão ao líder iraquiano com retirada de tropas

O primeiro-ministro Kadhimi arrisca o futuro político num jogo de cintura que inclui a saída de militares dos EUA e em simultâneo o reforço das relações com Washington.

Depois do Afeganistão, a retirada militar do Iraque? Países diferentes e contextos diversos, mas é esse o interesse de Joe Biden. E neste caso, ao contrário do que sucedeu com Cabul, Washington e Bagdad aparentam estar em sintonia. Na semana passada, o primeiro-ministro iraquiano Mustafa al-Kadhimi expressou ao Washington Post a vontade de que as "tropas de combate" norte-americanas saiam do país. E na quinta-feira fontes iraquianas e norte-americanas confirmavam ao Wall Street Journal que no final da reunião de Kadhimi com Biden, a acontecer na Casa Branca na segunda-feira, um comunicado irá confirmar que os Estados Unidos se comprometem em retirar as tropas de combate até ao final do ano, ao mesmo tempo que reafirma a relação militar entre ambos os países.

"Estamos à procura de uma parceria estratégica a longo prazo. Os iraquianos estão agora prontos para se defenderem e se protegerem. Já não precisamos das tropas de combate dos EUA. Ao mesmo tempo, continuaremos a precisar de apoio dos serviços secretos, de formação, capacitação e aconselhamento", disse Kadhimi ao diário de Washington.

DestaquedestaqueA retirada das tropas norte-americanas é uma exigência do parlamento e também das milícias pró-iranianas, as quais têm ameaçado Kadhimi e alvejado a presença dos EUA.

De forma semelhante falou o ministro dos Negócios Estrangeiros Fuad Hussein. "Não precisamos de mais combatentes porque temo-los. De que precisamos nós? Precisamos de cooperação no domínio dos serviços secretos. Precisamos de ajuda no domínio da formação. Precisamos de tropas para nos ajudar no ar", disse ao diário nova-iorquino.

A viagem de Kadhimi a Washington acontece num momento crucial para o seu futuro político, pelo que um acordo sobre a saída de militares norte-americanos, ainda que parcial, pode ser essencial. Em primeiro lugar para dar cumprimento à resolução do Parlamento iraquiano que exige a retirada das tropas; e, ao fazê-lo, retira argumentos às milícias pró-iranianas, que gozam de um poder desproporcionado, têm ameaçado Kadhimi e alvejado com frequência a presença norte-americana: desde que o presidente dos EUA assumiu o cargo, houve 17 ataques de foguetes e oito de drones contra bases ou contra a embaixada.

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Além disso, o acordo é um trunfo para ajudá-lo a permanecer como primeiro-ministro, ainda que não seja candidato às eleições de outubro. Confuso? Vários iraquianos disseram ao Post estarem convencidos de que, apesar de não se apresentar às eleições, Kadhimi, um ex-jornalista e antigo chefe dos serviços secretos, sem partido nem fações, está interessado em manter-se na chefia do governo.

Isso dependerá do resultado das eleições: sem uma maioria parlamentar de um bloco, as hipóteses de ser o denominador comum aumentam. Para juntar sombra ao nevoeiro, o influente clérigo Moqtada al-Sadr anunciou na segunda-feira que desiste de concorrer às eleições e que retira o apoio ao governo. No entanto, o seu partido não se retirou das listas.

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À incerteza política junta-se a insegurança, com o regresso dos atentados: também na segunda-feira, um bombista fez-se explodir num mercado de Bagdade matando 36 pessoas, a maioria mulheres e crianças.

Em antecipação à reunião de segunda-feira de Biden com Kadhimi, na semana passada o líder iraquiano reuniu-se com o enviado norte-americano Brett McGurk em Bagdade para discutir a retirada das tropas. Já em Washington, na quinta e na sexta a secretária adjunta da Defesa Mara Karlin recebeu o conselheiro de segurança iraquiano Qassem al-Araji e uma delegação militar. Ambas as partes sublinharam a importância da "parceria de cooperação de segurança a longo prazo", tendo o secretário da Defesa Lloyd Austin - ex-comandante das forças dos EUA no Iraque - reafirmado o apoio à parceria estratégica EUA-Iraque".

Cerca de 3500 soldados estrangeiros estão em território iraquiano, incluindo 2500 norte-americanos. Os EUA, que chegaram a ter 150 mil soldados no país, retiraram as tropas em 2011. Foi Joe Biden, então vice de Barack Obama, quem supervisionou o processo, cumprindo o acordo de 2008 que a administração de George W. Bush havia assinado.

No entanto, o surgimento do Estado Islâmico, que tomou largas partes do território iraquiano e sírio levou os EUA, em 2014, a enviarem uma força de 5 mil militares para ajudar a combater o grupo terrorista. No ano passado, contudo, a coligação internacional já tinha saído de oito bases militares e a presença norte-americana fora reduzida a metade. Isso não impediu as forças dos EUA de terem respondido por duas vezes a milícias iraquianas que operam na Síria, incluindo uma perto da fronteira com o Iraque.

As relações entre Bagdad e Washington ficaram muito tensas depois da execução ordenada por Donald Trump ao comandante iraniano Qassim Soleimani e ao comandante iraquiano das milícias pró-iranianas Abu Mahdi al-Muhandis. No entanto, a hipótese de os EUA regressarem ao acordo nuclear com o Irão tem travado ataques em larga escala das milícias contra os norte-americanos.

cesar.avo@dn.pt