As bandeiras europeias estão içadas nas fachadas dos edifícios governamentais em Tirana mas, à medida que se aproxima o Dia da Bandeira, comemorado no aniversário da independência do império otomano em 1912, e em véspera de se assinalar o Dia da Libertação dos nazis em 1944, é o vermelho vivo e a águia preta de duas cabeças da bandeira albanesa que dominam as ruas da capital. Os dois feriados, na próxima quinta e sexta-feira, mostram um pouco da história atribulada do país que até aos anos 1990 e durante mais de quatro décadas da ditadura comunista era “a Coreia do Norte da Europa”. Agora a transformação está no ar com um objetivo muito concreto: a adesão à União Europeia. Um processo que começou há mais de uma década, mas que ganhou novo fôlego após a invasão da Ucrânia. .“Queremos desesperadamente fazer parte da União Europeia porque, se conhecem um pouco da nossa história, verão que a adesão não será a adesão a uma caixa multibanco, mas a adesão a um espaço onde finalmente podemos ver a nossa liberdade individual, a nossa sede de viver num Estado baseado em instituições e a nossa crença numa democracia garantidas”, disse o primeiro-ministro albanês, Edi Rama, aos jornalistas portugueses convidados pela Representação da Comissão Europeia em Portugal a visitar Tirana e ver de perto o processo do alargamento europeu. “Estamos cegamente apaixonados pela Europa e queremos casar sem mais rodeios”, acrescentou..Mas para aderir à UE, a Albânia ainda tem um longo trabalho pela frente e Edi Rama é o primeiro a reconhecê-lo.”Se me pergunta se a Albânia está hoje pronta eu digo não, não estamos. Ponto final. Se me pergunta quando estaremos prontos? Eu acredito que em 2028. Quando é que vamos aderir? Isso só Deus poderá responder”, referiu o primeiro-ministro, dizendo ser imprevisível prever o que querem os 27 Estados-membros (que também terão que dar a luz verde à adesão da Albânia). “Prever como 27 crianças se vão comportar é mais fácil do que prever como 27 países europeus se vão comportar num determinado momento do tempo. Porque depende. Antes de [o presidente da Rússia] Vladimir Putin os acordar eles estavam a dormir felizes”, explicou, dizendo que apesar de todo o “amor”, não estavam disponíveis para dialogar e oficializar a relação. .O primeiro-ministro albanês, Edi Rama, com a representante da Comissão Europeia em Portugal, Sofia Moreira de Sousa. FOTO: Governo da Albânia, Conselho de Ministros.A invasão da Ucrânia, em fevereiro de 2022, “deu uma nova energia” ao processo. Em outubro deste ao começaram finalmente as negociações sobre o capítulo 1, referente às questões “fundamentais” (é sempre o primeiro a abrir e o último a fechar), que incluem temas como a justiça, o funcionamento das instituições democráticas ou a reforma da administração pública..Uma meta autoimposta.O embaixador da União Europeia na Albânia, Silvio Gonzato, considera que a “meta autoimposta” por Rama de 2028 mostra a sua “seriedade e determinação” em conseguir avançar na adesão e que muitos estados-membros são “alérgicos” a essa data porque a veem como algo que também os vincula. “A Albânia é a Europa e não sei porque é que tem que ficar excluída deste projeto”, insistiu. A sua preocupação é que este ímpeto e desejo de avançar não seja feito “em detrimento da transparência e da inclusão”, que não seja só tecnocrático..O diplomata europeu lembrou que o processo de adesão não é só garantir que os passos são dados, é também garantir a implementação e, claro, mudar a mentalidade das pessoas. E deu o exemplo da reforma da Justiça, de 2016, que apesar dos problemas já levou a acusar vários ex-dirigentes (da oposição e da maioria no poder) por corrupção o que, por sua vez, leva ao aumento da confiança dos cidadãos no sistema judicial. “Tem havido um apelo da parte do líder da oposição de rasgar a reforma e começar de novo. E não acho que haja algo que justifique isto e podemos sempre questionar se este apelo tem como base o interesse nacional ou o interesse pessoal”, referiu Silvio Gonzato..Líder da oposição preso.O líder da oposição na Albânia é Sali Berisha, do Partido Democrático da Albânia, que está em prisão domiciliária há quase um ano por suspeitas de corrupção no tempo em que esteve à frente do governo (entre 2005 e 2013, quando o socialista Edi Rama chegou ao poder)..Todos os dias por volta das 19.00, numa rua de bares e restaurantes próxima de um dos ex-líbris da cidade - a pirâmide de Tirana, criada inicialmente nos anos 1980 para ser um museu do legado do ditador Enver Hoxha, que foi antiga base da NATO na guerra no Kosovo e agora centro de juventude e tecnologia - os apoiantes de Berisha juntam-se para o ouvir. No último andar do prédio vive o líder da oposição, que fala desde a varanda iluminada através de uma ligação vídeo para a rua. A chuva não travou cerca de meia centena de pessoas de estarem presentes na passada quarta-feira, gritando pelo nome de Berisha e acusando Rama de ser um “narcoditador” e liderar um “narcoestado”..O líder da oposição, Sali Berisha, discursa a partir da varanda da sua casa, onde está em prisão domiciliária por suspeita de corrupção quando esteve no governo..Num país com um sistema praticamente bipartidário (só existem outros dois partidos com assento parlamentar que são residuais), a crise na oposição ao longo de três anos (com boicotes e cismas internos) não tem ajudado a quebrar a hegemonia do primeiro-ministro. Ainda para mais quando Edi Rama é “um muito bom relações púbicas”, que “gosta de roubar o show” e “encantar” com a sua discussão, como disse a deputada opositora Jorida Tabaku, líder da comissão de Assuntos Europeus no parlamento e do Conselho da Integração Europeia..Independentemente das guerras internas e partidárias, a adesão à UE é um projeto consensual. Praticamente todos os interlocutores na viagem lembram que 95% ou 98% da população é a favor. Mas há queixas relativas à lentidão do processo: “Neste longo processo de espera, os albaneses decidiram ir para a Europa em vez de a Europa vir ter connosco”, referiu a deputada, referindo-se à saída dos mais jovens e ao brain drain por causa da falta de educação e saúde de qualidade e de um sistema meritocrático. E isso representa um desafio económico..Jorida Tabaku é deputada da oposição..Tabaku queixa-se de que o processo é demasiado centralizado no governo - sendo que o governo é Edi Rama. “Não há o envolvimento da sociedade civil, todo o processo tem sido político, elitista”, referiu. Algo de que essa mesma sociedade civil se queixa. “Neste momento, sentimos que somos responsáveis perante Bruxelas, mas não perante as pessoas”, disse Juliana Hoxha, diretora da ONG Partners Albania, defendendo que melhorar o diálogo e o processo de participação, ajuda a tornar o governo responsável também perante as pessoas. Queixam-se de que, apesar de terem um lugar à mesa, o problema é o que acontece à volta da mesa. Ou seja, muitas vezes até estão presentes em fóruns de discussão, mas depois a sua visão não é tida em conta. .Tabaku também lembra que o primeiro-ministro vai raramente ao Parlamento para prestar contas. “Este processo de adesão tem que ser levado a sério, não apenas no papel. E para a verdadeira mudança acontecer, precisamos mais do que três ou cinco anos, independentemente da data que o primeiro-ministro escolher”, acrescentou, lamentando a falta de uma reforma eleitoral a tempo das eleições do próximo ano. “Temos a vontade política para realizar eleições como os europeus ou ainda queremos fazer eleições como autocratas dos Balcãs Ocidentais e dizer que queremos entrar na UE?”, questionou..A pirâmide de Tirana..Quando se fala nas eleições do próximo ano, ninguém parece disposto a apostar contra a ideia de que Edi Rama estará a caminho de um histórico quarto mandato consecutivo. Um grupo de jornalistas albaneses traçou o cenário negro que se vive no setor no país, explicando, por exemplo, porque é que os jornalistas não fazem a cobertura da campanha eleitoral..“O primeiro-ministro não publica a agenda. Não sabemos onde está. Ele produz a sua própria notícia e depois todas as 38 televisões transmitem essa notícia, produzida pelo gabinete do primeiro-ministro”, lamentou o jornalista e comentador Lufti Dervilishi, falando em propaganda pura. E o mesmo se passa do lado da oposição - chegando-se ao ridículo de que, por terem que cumprir iguais tempos de cobertura noticiosa na campanha e a oposição ser mais fraca a produzir conteúdos do que todos os ministros juntos, se têm que repetir os vídeos da oposição. .“Eles estão a gerir as suas próprias produtoras”, disse Klodiana Kapo, do Faktoje (fact checking), explicando que Edi Rama tem a sua própria televisão (algo que não é ilegal porque não existe uma lei do setor). “A mensagem e o mensageiro estão a tornar-se num só. E há muito pouco espaço para o verdadeiro jornalismo”, lamentam. “Edi Rama quer controlar a narrativa”, referiram, dando o exemplo de dois media internacionais que foram contactados diretamente para “matar” histórias sobre o primeiro-ministro (não aconteceu). “Quando matas a notícia, não precisas de matar o jornalista”, disse Roden Hoxha, do Centro Albanês para a Qualidade do Jornalismo..Colégio da Europa.Ljubica Jurlina tem 24 anos e faz parte da primeira turma do Colégio da Europa, que abriu um campus em Tirana. Croata, sabe bem o impacto que aderir à União Europeia em 2013 teve. “Eu era muito nova, mas tive muita sorte de conhecer a Croácia antes e depois do alargamento. Por isso sei os desafios que os países que querem aderir enfrentam, desde o estado de Direito à falta de infraestruturas, falta da capacidade da Administração Pública. E tenho a sorte de beneficiar do alargamento e de viver numa Croácia europeizada, com o Erasmus, o Schengen, sem taxas de roaming, cartões de saúde da União Europeia”, referiu..Mas a questão não é só se a Albânia está preparada, é se os 27 estão preparados, seja para a adesão só da Albânia ou dos seis países dos Balcãs Ocidentais que querem o mesmo. “No caso de um alargamento tipo Big Bang, penso que a UE terá de se adaptar e preparar-se para isso, como fez mesmo em 2004. Penso que neste momento têm sido concentrados mais esforços nos países candidatos, mas obviamente penso que isso terá de ser retribuído em Bruxelas na mesma medida ou até mais, o que é bastante difícil tendo em conta o que temos vindo a estudar aqui, mas estou bastante otimista quanto a isso.”.A jornalista viajou a convite da Representação da Comissão Europeia em Portugal