Afinal, se Deus é brasileiro por que o papa nunca foi?
“Deus”, segundo a crença popular, o livro de João Ubaldo Ribeiro, o filme de Cacá Diegues e até a frase de 2013 de um tal Jorge Mario Bergoglio, ou Francisco, “é brasileiro”. Então, por que o papa nunca foi? Será desta que o país do mundo com mais católicos, entre 130 e 140 milhões, de acordo com o CIA World Factbook e o Pew Research Center, à frente de México, Filipinas e EUA, elege um sumo pontífice?
Na imprensa local, dos sete cardeais brasileiros presentes no Conclave (há um oitavo cardeal, com mais de 80 anos, e por isso não eleitor), dois são falados como candidatos. Dom Sérgio da Rocha, arcebispo de Salvador, e dom Leonardo Steiner, arcebispo de Manaus.
O primeiro, 65 anos, nascido em Dobrada, no interior de São Paulo, foi ordenado padre em 1984 e proclamado cardeal por Francisco em novembro de 2016. Tem mestrado em Teologia Moral pela Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção e doutorado pela Academia Alfonsiana, em Roma, segundo a biografia publicada na revista Fórum.
Ao longo da carreira, foi professor de Teologia Moral e atuou em missões e projetos pastorais em diferentes regiões do Brasil. Antes de ser nomeado arcebispo de Salvador, liderou as arquidioceses de Teresina e de Brasília. Em 2021, foi designado pelo Papa Francisco para integrar a Congregação para os Bispos, órgão responsável por decisões estratégicas como a criação de dioceses e a nomeação de bispos em todo o mundo. Dois anos depois, passou a integrar também o Conselho de Cardeais, grupo restrito que assessora diretamente o pontífice.
O segundo, de 74 anos, é natural de Forquilhinha, estado de Santa Catarina, e foi o primeiro religioso da Amazónia a ser nomeado cardeal, em maio de 2022, por decisão de Francisco. Membro da Ordem dos Frades Menores desde os 25 anos, foi ordenado sacerdote em 1978 e tornou-se bispo em 2005, nomeado por João Paulo II. Em 2020, assumiu o comando da Arquidiocese de Manaus.
Com formação em Filosofia e Pedagogia pela Faculdade Salesiana de Lorena, o cardeal também possui doutorado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Antonianum, em Roma. À época da sua nomeação ao cardinalato, Steiner afirmou ver o gesto do Papa como uma demonstração de afeto e atenção especial à região amazónica.
O DN perguntou a especialistas se os dois cardeais – ou os outros cinco brasileiros – teriam, de facto, hipóteses. Mas ouviu, sobretudo, ceticismo. “Apesar dos nomes de Leonardo Steiner e Sérgio da Rocha serem citados em alguns veículos, dificilmente será escolhido um papa da América do Sul depois de um papa argentino”, disse Lídice Meyer, doutora em Antropologia, professora na Universidade Lusófona, em Lisboa.
“A tendência é sempre a de diversificar os locais de origem papal, por isso, é muito mais provável uma escolha de um cardeal europeu, africano ou das Filipinas”, continua, sublinhado que “não é o número de católicos de um país que pesa na escolha e sim a experiência e o conhecimento teológico”.
Para Flávio Sofiati, doutor em sociologia da religião na Universidade de Goiás, “à partida, nenhum cardeal brasileiro tem chances”. “Mas não tanto pelo facto de Francisco ser argentino e mais por conta das articulações do norte global na sucessão”, acrescenta. “Entendo que os italianos estão mobilizados para reassumirem o papado depois de três ‘estrangeiros’ no trono de Pedro. Os EUA também têm muito interesse, poder e a predisposição de Donald Trump em influenciar o resultado do Conclave”.
“O Brasil”, conclui Sofiati, “é o maior país católico em números absolutos, mas cai há décadas em percentagem de fiéis, o processo de 'descatolização' do Brasil e da França dificultam as hipóteses dos seus cardeais, apesar de haver nomes bem colocados em ambos os países”.
Mais ou menos a opinião de Gerson Leite de Moraes, filósofo e doutor em Ciência da Religião pela Pontifícia Universidade Católica e professor de História da Cultura na Universidade Presbiteriana Mackenzie. “Embora seja muito difícil prever um Conclave, acho pouco provável que um brasileiro seja eleito até porque a experiência latino-americana que a igreja católica queria ter, ela já a teve...”
“O Brasil é o maior país católico mas a conjuntura, com a perda de membros para os evangélicos, é um desafio – poderia até a igreja católica querer travar essa tendência, sim, mas uma continuidade latino-americana não soaria bem ao resto do mundo, uma vez que o Vaticano busca uma penetração universal”.
“A geopolítica internacional exige outros caminhos, nomeadamente um europeu, seja italiano, espanhol, francês ou austríaco, porque na Europa, além da crescente secularização das últimas décadas, vive-se um fogo cruzado entre os interesses megalomaníacos de Donald Trump, os interesses económicos da poderosa China e os interesses autocráticos de Putin, e um papa com capital político, além de religioso, seria uma voz para o fortalecimento europeu”, continua Moraes. “E se não for europeu, é mais provável um asiático ou até um africano do que um sul-americano...”, prognostica.
“Entretanto, diz-se que a igreja católica é como um mar, com ondas que avançam e recuam, se tivemos um papa mais reformista, talvez agora chegue alguém mais conservador... Nos reformistas os nomes mais prováveis são do italiano Matteo Zuppi e do filipino Luis Antonio Tagle, nos conservadores há cardeais italianos com essas características mas é difícil apontar nomes”.