O Afeganistão entrou em colapso há um ano, quando o ocidente abandonou o país e, 20 anos depois de terem sido derrubados, os talibãs retomaram o poder e os velhos costumes: violações dos direitos humanos, pobreza e isolamento..O país vive hoje uma crise económica, financeira e humanitária sem precedentes, com seis em cada 10 pessoas a necessitarem de ajuda humanitária, 160 execuções extrajudiciais confirmadas e outros tantos casos de tortura e, sobretudo, a erosão galopante dos direitos das mulheres..Os Estados Unidos começaram a retirar as suas tropas do Afeganistão em maio de 2021, duas décadas depois de, em conjunto com os seus aliados, terem invadido o país após os talibãs se terem recusado a entregar o então líder da Al-Qaeda, Osama bin Laden, considerado o principal responsável pelos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001..Milhares de diplomatas e funcionários afegãos e estrangeiros das embaixadas e outros serviços ocidentais tentaram sair de Cabul, provocando um caos no aeroporto e até agarrando-se a aviões, mas só cerca de 100.000 pessoas conseguiram sair..Os talibãs, que tinham saído do poder em 2001, entraram em Cabul em 15 de agosto, depois de terem prometido "um governo inclusivo" e moderado..Apesar da promessa do mulá Abdul Ghani Baradar, cofundador e número dois dos talibãs, de que os fundamentalistas não iriam vingar-se de quem colaborou com o Ocidente e de que estavam "empenhados em deixar as mulheres trabalharem", começaram, de imediato, as denúncias dos crimes e execuções adotados pelo regime..Em 19 de agosto, os talibãs celebraram o dia da independência do Afeganistão relativamente ao império britânico com uma declaração de vitória contra os Estados Unidos, que consideram como "outro arrogante poder no mundo" e, na mesma semana, o Fundo Monetário Internacional anunciou a suspensão da ajuda ao país.."Desde então, as condições no país pioraram, com uma crise financeira e uma crise alimentar, agravadas por desastres naturais, e com relatos de muitas execuções, tortura, detenções arbitrárias e violações das liberdades fundamentais", referiu a Missão das Nações Unidas no Afeganistão (UNAMA), num relatório publicado em 20 de julho..De acordo com o documento da ONU, atualmente seis em cada 10 afegãos precisam de ajuda humanitária, o que significa um aumento de seis milhões de pessoas relativamente aos números registados no início de 2021..O relatório confirma a erosão dos direitos humanos básicos em todo o país desde a retoma do poder pelos talibãs, apontando o dedo ao movimento xiita pela repressão de protestos e restrições à liberdade de imprensa.."Os direitos à liberdade de reunião pacífica, liberdade de expressão e liberdade de opinião não são apenas liberdades fundamentais, são necessários para o desenvolvimento e progressão de uma nação", referiu a chefe da equipa de direitos humanos da UNAMA, Fiona Frazer.."Já passou da hora de todos os afegãos poderem viver em paz e reconstruir as suas vidas, após 20 anos de conflito armado", acrescentou..De acordo com a UNAMA, foi registada uma melhoria da situação de segurança desde a tomada do poder pelos talibãs, mas muitas pessoas, sobretudo "as mulheres e meninas, estão privadas do pleno gozo dos seus direitos humanos"..A missão da ONU admite estar preocupada com a impunidade que os membros das autoridades 'de facto' gozam e diz que os mais afetados foram aqueles que estiveram ligados ao antigo Governo e às forças de segurança.."Os talibãs deram claramente prioridade à sua agenda religiosa e ideológica sobre a economia e as necessidades humanitárias do povo afegão", sublinhou a diretora de investigação da organização Afghan Peace Watch (Vigilância da Paz Afegã), Justine Fleischner, numa entrevista ao The Diplomat.."Há três grandes áreas de preocupação que estamos a vigiar de perto: a economia e a falta de governança inclusiva, os abusos dos direitos humanos, como punições coletivas e execuções extrajudiciais, e o ressurgimento de ameaças terroristas transnacionais", disse..Os talibãs ignoraram a pressão interna e internacional para formar um governo inclusivo, tendo os tecnocratas sido substituídos por membros do movimento fundamentalista, inclusive em cargos ministeriais ligados à economia, finanças, água e energia, aviação civil e reabilitação e desenvolvimento rural, descreveu a investigadora, acrescentando que a etnia 'pashtum' (que fundou os talibãs) ocupa hoje mais de 90 por cento dessas posições de topo, deixando pouco ou nenhum espaço para outras minorias étnicas e religiosas..Além disso, "não há mulheres presentes no Governo dos talibãs" e, "decreto após decreto, foi negado às mulheres o acesso a educação, emprego e liberdade de movimento", lembrou Justine Fleischner, referindo que isso, "para as viúvas de guerra e famílias chefiadas por mulheres, equivale a uma sentença de morte"..Por outro lado, a situação dos direitos humanos no Afeganistão tem-se tornado cada vez mais problemática à medida que ex-forças de segurança afegãs, minorias étnicas e religiosas, ativistas dos direitos das mulheres e jornalistas são sujeitos a desaparecimentos forçados, tortura e execuções extrajudiciais, situações amplamente documentadas por grupos de direitos humanos..Finalmente, o terrorismo voltou a ser uma característica do Afeganistão, onde a ONU regista, sobretudo desde fevereiro, um aumento da atividade da Al-Qaeda e do Estado Islâmico Khorasan (ISIS-K ou ISK)..No dia 03 de agosto, os Estados Unidos mataram o líder da Al-Qaeda, Ayman al-Zawahiri, que estava na sua residência no Afeganistão, mas os talibãs garantiram que não sabiam que o líder do grupo terrorista estava no país..Os talibãs mantêm laços de longa data com uma série de grupos terroristas regionais, incluindo o Talibãs Paquistaneses (TTP), o Movimento Islâmico do Uzbequistão (IMU) e grupos de Caxemira..Essas redes terroristas podem ser difíceis de vigiar e destruir porque os próprios talibãs afegãos têm laços pessoais e ideológicos com esses grupos.