Se tivessem tentado fazer isto há alguns anos, o grupo de mulheres iraquianas que desfrutavam de uma noitada em Mossul teria provavelmente arriscado uma punição severa. A cidade do norte do Iraque esteve sob o domínio apertado do grupo Estado Islâmico até os jihadistas serem expulsos do seu último grande bastião iraquiano em 2017..Sete anos depois, as ruas de Mossul ganham vida ao anoitecer e os moradores redescobrem a arte de se divertirem. Amira Taha e os seus amigos foram a um restaurante com os filhos para desfrutar da comida e da música ao vivo - com cantores - numa noite que teria sido impensável sob o domínio do EI. “Houve uma mudança enorme em Mossul”, disse Taha à AFP. “Agora temos liberdade e saídas à noite como esta tornaram-se comuns” devido à “situação de segurança muito estável”..A cidade tem novos restaurantes, cruzeiros no rio Tigre e parques de diversões que atraem famílias interessadas em aproveitar a nova estabilidade. Vestida com um fato azul elétrico, a mãe de 35 anos explica que “as pessoas queriam abrir-se (para o mundo) e divertir-se”. Reinado de terror.No palco, três cantores iraquianos de fato e cabelos penteados para trás revezam-se para entreter os clientes com músicas pop iraquianas e árabes. A orquestra inclui um tocador de órgão elétrico, um violinista e um músico que toca darbouka, um tambor em forma de taça..Quando os jihadistas tomaram Mossul em 2014, impuseram um reinado de puro terror. A música foi proibida, assim como os cigarros. Igrejas e museus foram saqueados e o EI organizou apedrejamentos públicos e decapitou supostos malfeitores..Mesmo depois de Mossul ter sido retomada em 2017, numa luta destrutiva e prolongada, pelas forças da coligação iraquiana e internacional, foram necessários vários anos para que os seus cidadãos emergissem de anos de trauma..Bairros inteiros foram devastados e a reconstrução tornou-se um processo demorado. As minas tiveram de ser removidas antes que as casas, as infra-estruturas e as estradas pudessem ser reconstruídas para permitir que centenas de milhares de pessoas regressassem ao que é hoje uma metrópole com 1,5 milhões de pessoas..No passado, diz Taha, “as pessoas iam para casa, fechavam as portas e depois iam para a cama” por medo da insegurança. Mas agora, ao seu redor, nos relvados do restaurante, há famílias sentadas na maioria das mesas. Às vezes, homens e mulheres fumam narguilé enquanto os filhos batem palmas e dançam..Com vista para o restaurante há uma ponte totalmente nova que atravessa o Tigre, um símbolo orgulhoso do renascimento de Mossul..Fazer uma aposta.Em pequenos cafés, os clientes jogam dominó ou cartas enquanto fumam, muitas vezes narguilé. Crédito: Zaid AL-OBEIDI / AFP.Outras cidades do Iraque estão numa situação semelhante, desfrutando de um regresso à normalidade depois de décadas marcadas pela guerra, pela violência sectária, pelos raptos, pelos conflitos políticos e pelo extremismo jihadista..Ahmed - que prefere ser identificado apenas pelo primeiro nome - abriu um restaurante chamado Chef Ahmed, o Sueco, em junho, depois de passar “metade da minha vida” na Suécia e de fazer uma aposta. Agora atende entre 300 e 400 clientes todos os dias, disse Ahmed à AFP. “Sempre sonhei em voltar e abrir o meu próprio negócio”, diz o proprietário, que está na casa dos 40. “As pessoas querem sair, querem ver algo diferente”, garante..No Ahmed’s, os clientes podem escolher entre pratos inspirados nas cozinhas escandinava e europeia, além de velhos favoritos, como massas, pizzas e carnes grelhadas..Khalil Ibrahim administra um parque de diversões nas margens do rio Tigre. “A cidade passou por mudanças radicais nos últimos anos”, explica. “Passámos da destruição à reconstrução.”.Sexta-feira é o primeiro dia do fim de semana, e a noite é pontuada pelos gritos e risadas felizes das crianças nos carros, na roda gigante e noutras atrações. “As pessoas costumavam voltar para casa mais cedo”, diz Ibrahim à AFP. “Mas agora ainda estão a chegar mesmo à meia-noite.”.“Podemos respirar”.O parque de diversões foi inaugurado em 2011, mas foi “completamente destruído” na guerra. “Começámos de novo do zero” com a ajuda de financiamento privado, explica Khalil Ibrahim..Mas enquanto Mossul ainda emergia do pesadelo jihadista, outra tragédia se abateu sobre a cidade. Em 2019, uma centena de pessoas, a maioria mulheres e crianças, morreram quando um ferry que transportava famílias ao longo do rio em direção a uma ilha turística naufragou..Mas hoje, os barcos de recreio navegam no Tigre à noite, com os seus passageiros a ter oportunidade para admirar as luzes dos restaurantes nas margens do rio e o seu reflexo nas águas escuras..Em pequenos cafés, os clientes jogam dominó ou cartas enquanto fumam. “Estamos confortáveis aqui. Podemos respirar. Temos o rio e isso é suficiente para nós”, diz o tarefeiro Jamal Abdel Sattar. “Algumas lojas ficam abertas até às três da manhã e outras nunca fecham”, acrescenta. “Quando as pessoas sentiram pela primeira vez o gostinho da segurança, começaram a sair de novo.”