Antigo embaixador na Alemanha, na Suécia e na União Europeia (2012-16), Marek Prawda falou sobre a guerra na Ucrânia, a ameaça russa e sobre relação do seu país com os EUA de Donald Trump.Tal como muitos políticos polacos, o secretário de Estado pertence a uma geração marcada por 1989 e o fim do comunismo — a Polónia aprendeu as lições que devia com essa experiência?Bem, é a nossa experiência geracional, foi algo que nos moldou, esse avanço político de 1989. Curiosamente, tinha um colega em Bruxelas, Luuk van Middelaar, que foi conselheiro de Herman Van Rompuy e cofundador do Instituto de Geopolítica de Bruxelas, que tinha uma teoria sobre repensar o significado de 89. A sua tese era que a falha na interpretação do real significado de 89 tinha impacto no facto de não estarmos tão preparados como devíamos para a Rússia, para a reação à guerra na Ucrânia. Devíamos ter compreendido, na altura, que nós, na Europa, tínhamos de tomar o nosso destino nas nossas mãos. E esta foi a mensagem de 89. Mas a lição não foi aprendida. Assumimos que o Leste estava livre e que um dia seria como o Ocidente. Em 2022, Ursula von der Leyen fez uma declaração no seu discurso sobre o Estado da União em que dedicou quase uma página à jornalista Anna Politkovska e lembrou que devíamos ter ouvido pessoas como ela. Devíamos ter ouvido os nossos vizinhos do Leste. E agora, depois desta experiência ucraniana, acho que a União Europeia está a orientalizar-se, por razões óbvias. A componente oriental faz parte da identidade coletiva europeia mais do que no passado. Há a convicção de que precisamos desta perícia do Leste se quisermos enfrentar esta ameaça da Rússia.Nesse cenário, a Polónia pode usar a experiência de 1989, e toda a sua história, para estar mais consciente da ameaça russa?Fui embaixador polaco na Alemanha até 2012 e, nessa altura, os meus colegas alemães costumavam dizer-me: “Conhecemos a Ucrânia, conhecemos a Geórgia. Não precisamos da sua perícia”. Mas conheciam a narrativa russa sobre a Ucrânia, sobre a Geórgia e outros países. Isso está a mudar agora. Começa a haver a consciência de que no Leste existem sujeitos com diferentes identidades, com diferentes objetivos políticos e com sonhos próprios. E isso é importante. Do ponto de vista polaco, a guerra na Ucrânia é a principal preocupação neste momento, em termos de política externa?Aprendemos muitas lições com a Ucrânia. E têm valor universal. Desse ponto de vista, sim, é o país com que lidamos e que nos obrigou a aprender novas lições. Por exemplo, que a paz e a democracia devem ser defendidas com todas as nossas forças. Caso contrário, seremos confrontados com a força e a crueldade de outros. A democracia é, por natureza, pacífica, mas precisa de ser capaz de vencer guerras. E a União Europeia está a aprender a linguagem da liderança. Começa a comportar-se como uma potência entre potências, ou superpotências, se quisermos. É uma nova abordagem. O mundo está a mudar. Todos na Polónia, na Alemanha e noutros lugares sonhavam em viver num mundo onde não importasse quantos tanques se tem.Até a Alemanha está a mudar esse ponto de vista…Exatamente. Até a Alemanha sofreu uma mudança tremenda, uma mudança mental. Isso é algo que aprendemos com a guerra na Ucrânia. Neste sentido, o destino da Ucrânia está ligado às mudanças na União Europeia. Mudou a forma como a UE pensa sobre si própria. Estamos a transformar-nos de uma fábrica de regras, numa comunidade de destino. Penso que a Ucrânia nos obrigou a pensar de forma diferente sobre nós próprios. Isso tem consequências enormes para a Segurança, a Defesa e a identidade da União Europeia. E também moldou a abordagem da Polónia à sua presidência da UE.No início da guerra vimos uma UE realmente unida. Se quer de facto ser uma superpotência, a Europa tem de manter-se unida nesta frente? Acho que muita coisa mudou. Quando estive em Bruxelas, na primeira guerra na Ucrânia, era absolutamente impossível produzir uma unidade, impossível falar a uma só voz. Lembro-me de como era difícil um discurso comum sobre a Rússia e a Ucrânia. Portanto, a situação atual, mesmo que insatisfatória, é para mim como um milagre - o facto de termos avançado tanto. Está em aberto se conseguimos manter o rumo. Mas em relação às sanções, com as devidas exceções bem conhecidas, há unidade na Europa.Para a Polónia, a Rússia é hoje a principal ameaça?Temos um ditado na Polónia que diz: se queres fazer algo pelo teu país, tens de lutar contra a geografia. Porque a geografia não foi meiga connosco. Sem falar na história, mas também a geografia. Temos dois vizinhos gananciosos. Esta é a perspetiva polaca, a perspetiva histórica. Mas depois de termos entrado na União Europeia e na NATO, começámos a cooperar com a geografia. E depois de 1989, havia a esperança de que até as relações com a Rússia pudessem melhorar, pudessem normalizar, e houve períodos melhores e piores. Mas a guerra na Ucrânia foi uma experiência dramática, que trouxe de volta esta imagem da Rússia como uma ameaça. Isto não se aplica apenas à Polónia, é um problema para a ordem internacional. E sim, nesse sentido, a Rússia simboliza a ameaça à nossa ordem baseada em regras.Habituámo-nos a ver os EUA como os garantes dessa ordem mundial. Mas agora, com Donald Trump, tudo parece mais incerto. Acha que esta Administração americana tem mais capacidade para pressionar Putin ou está a desestabilizar ainda mais a ordem mundial como a conhecíamos?Tentamos não perder a esperança de poder cooperar com os EUA, porque a União Europeia é um produto euro-americano, considerando os valores, a História e os princípios. Mas, agora, para nós é um pouco como se o Sol tivesse deixado o sistema solar. Como se continuássemos a girar em torno do Sol que já não está no seu lugar. E esperamos ainda poder combinar esta autoconfiança europeia com a crescente consciência da nossa responsabilidade pelo nosso destino. Não foi só Donald Trump que nos disse para fazermos mais pela nossa Defesa, pela nossa segurança, isso é bastante claro. Mas nós fazemos parte deste sistema solar. Não conseguimos imaginar a nossa vida sem este fundamento. É um problema sobretudo para a Alemanha e para a Polónia. Porque os britânicos sabem de onde vieram. E os franceses redescobriram o seu papel histórico. E esta tradição francesa e britânica permitiu-lhes tomar ações antecipadas. Nós, na Polónia, e eles, na Alemanha, temos problemas com isso, porque fomos excluídos da nossa História. Os alemães devido ao período nazi e, na Polónia, com o período comunista. Por isso, sob a égide da Europa, temos de nos unir. Esta é a nossa determinação de tomar o nosso destino nas nossas mãos, o que já deveríamos ter compreendido antes.A Europa só agora parece perceber a urgência de se conseguir defender. Mas a Polónia está a fazer o seu trabalho, gasta quase 5% do PIB em defesa, perto do exigido por Donald Trump. É uma vantagem para a Polónia ter começado mais cedo dos outros países. E como vê esta dificuldade de alguns países em gastar 2%?Bem, somos um Estado na linha da frente. É por isso que foi fácil convencer a sociedade. Não faz parte do nosso debate político interno, é uma necessidade. Neste sentido, entendemos que os diferentes países europeus, que estão mais distantes da Rússia, não têm este sentido de urgência. Mas decidimos concentrar-nos nisso durante a nossa presidência da UE, que está agora a terminar. Para colocar a segurança no topo da agenda. Para pressionar por opções de financiamento. E resultou. Penso que motivámos colegas de outros países a organizarem-se em fileiras fechadas, comprando armas. Queria referir esta iniciativa SAFE e algumas regras novas que facilitam o gasto de dinheiro. Como o flexibilizar das regras orçamentais. Também cooperámos com a Alemanha e a mudança de governo em Berlim trouxe esta revolução. Agora têm possibilidades ilimitadas de empréstimos. Significa muito para a UE, porque o travão da dívida alemã foi um problema. Agora podemos fazer muito mais. Podemos unir forças na compra de armas. Como financiar grandes investimentos em defesa? Se o fizermos num grupo de países, é que é muito mais fácil. E podemos utilizar a classificação AAA quando países como a Alemanha se juntam a estes esforços. Portanto, esta é provavelmente a necessidade urgente de o fazer. Mas, claro, há outras prioridades da nossa presidência, como o alargamento.Esse será o próximo desafio para a União Europeia?Sim, mas temos uma perspetiva específica para isso. Quando estávamos a caminho da UE, existiam zonas cinzentas de segurança na Europa. Porque as relações entre a Rússia e a UE não eram assim tão más. Hoje, tais espaços intermédios são impossíveis, pois seriam um convite ao imperialismo. Agora, existe uma linha de separação rígida que atravessa o continente. Isso mudou a abordagem ao alargamento. Lembro-me de quando estive em Bruxelas, Jean-Claude Juncker tinha a abordagem de que precisávamos de uma pausa no alargamento, para consolidar a união que tínhamos. Mas agora não nos podemos dar ao luxo de o fazer. Se formos passivos, haverá zonas cinzentas de segurança que poderão acabar como a Ucrânia, a Moldova e os Balcãs Ocidentais. Para a nossa presidência, os Balcãs Ocidentais representam um desafio, mas também uma oportunidade para sermos mais ativos. Por outro lado, a Hungria é agora um problema no processo de alargamento. Mas, devido a esta viragem geopolítica, encaramos o alargamento neste novo sentido como uma oportunidade.O alargamento é importante para a segurança da Europa, do seu ponto de vista?É por isso que é geopolítico: é uma questão de segurança. Estamos felizes por ter sido possível avançar no processo da Albânia. A Moldova está pronta, mas estamos a tratar a questão da Ucrânia e da Moldova em conjunto. E a Hungria está a bloquear o processo. Mas estamos a fazer tudo para continuar o trabalho técnico. Mesmo que não possamos abrir capítulos, podemos preparar as coisas para que os nossos homólogos da Dinamarca possam simplesmente assumir isso quando assumirem a presidência da UE, no início de julho. A Hungria esteve na presidência da UE antes da Polónia. A transição entre os dois países foi fácil?Em relação ao alargamento, não existiam expectativas reais da Hungria. É por isso que os colegas em Bruxelas nos pediram para continuarmos a trabalhar mais com eles. Porque estamos interessados em promover este processo. Mas, tecnicamente, funcionou. Por isso não podemos reclamar. Mas o problema principal é dramático. Porque foi obviamente por razões políticas que decidiram bloquear o processo.A Polónia aderiu à UE em 2004. Nestes 21 anos, como é que isso mudou o país?Acho que mudou o país tremendamente. Talvez a economia seja o fator que mais contribuiu para a nova visibilidade da Polónia e para a nova identidade deste país. Tudo o resto veio depois e cometemos muitos erros, mas mantivemo-nos focados na economia. Pode ver isso em todo o país. A Polónia agrícola é como a França, um país com camponeses muito vocais nas ruas. Neste país, a agricultura é um caso de sucesso. O campo mudou neste país. Não se trata apenas das grandes cidades. O acesso aos mercados também foi fundamental. Só para lhe dar um exemplo, há uma fábrica na parte ocidental da Polónia que produz porcelana. Era muito difícil sobreviver ali, mas a União Europeia fechou um acordo com a Coreia do Sul. Os trabalhadores nem sabiam onde ficava a Coreia do Sul, mas enviavam os produtos para lá. Isso mudou a fábrica, mudou a região, mudou o interior. Isto é a UE. Este é o acesso ao mercado mundial. A UE é uma máquina de convergência. Os nossos países são exemplos disso. Têm feito bom uso disso.O desenvolvimento que a adesão trouxe ao vosso país explica por que os polacos estão entre os mais pró-europeus da Europa.Os polacos e os portugueses. Isso une-nos. Há um mau humor no mundo e no continente. Portanto, temos, em quase todos os países, essa divisão, esse sentimento antieuropeu. Muitas pessoas dizem: “Sou nacionalista”. Mas, ao mesmo tempo, não têm nada contra a UE. Mas a União devia mudar, devia ser mais aberta. Talvez precisemos de uma vacina contra o antieuropeísmo.O DN viajou a convite da Embaixada da Polónia