Há uma ideia sua muito interessante que é chamar a União Europeia de “íman relutante”, porque a UE é realmente um íman, mas a última adesão foi a da Croácia, há já 11 anos. Será falta de entusiasmo dos países candidatos ou será mais falta de entusiasmo da própria UE? Acho que são as duas, na realidade. Penso claramente que quando ocorreu o alargamento à Europa Central, em 2004 e depois em 2007, houve um envolvimento maciço da UE. A Comissão contou com os seus melhores colaboradores a trabalhar nesse dossiê. Foi o projeto emblemático da UE naquela altura. E foi incrivelmente importante, porque se não tivesse dado certo esse alargamento a dez países, e depois mais dois, a UE ter-se-ia debatido com uma crise muito profunda. Quando tudo se concluiu, e era um projeto muito desafiador, havia uma certa fadiga de alargamento. Nem tudo correu bem. Houve problemas de corrupção na Roménia e na Bulgária, que entraram em 2007. Houve muitos problemas jurídicos, a começar pela Hungria, que fez parte da dezena de 2004. Por conseguinte, o entusiasmo pela próxima fase de alargamento não foi muito forte. Mas também penso que é preciso dizer que os Balcãs Ocidentais, e tratou-se basicamente da adesão dos Balcãs Ocidentais durante muito tempo, têm questões que são mais difíceis de resolver do que a Europa Central e Oriental..Ainda é a herança das guerras jugoslavas dos anos 1990? Absolutamente. A reconciliação entre os parceiros, como aconteceu entre a Alemanha e a França no final da Segunda Guerra Mundial, nunca aconteceu ali , na verdade..Está a falar principalmente das divisões étnicas na Bósnia e também da tensão entre Sérvia e Kosovo? Penso que entre a Croácia e a Sérvia, entre as várias fações na Bósnia, na própria Guerra do Kosovo, nenhuma destas guerras terminou como a Segunda Guerra Mundial, ou seja de uma forma muito clara. Existe uma espécie de narrativas concorrentes. E os ressentimentos sobrevivem até hoje. Conseguiram um alto grau de normalização, mas não está completo. Uma segunda questão é que estes países fizeram durante séculos parte do Império Otomano, e esse era um império totalmente descentralizado, sem instituições estatais muito fortes. Assim, a tradição de instituições estatais fortes não existia em vários destes países, o que tornou mais difícil, claro, o desenvolvimento da capacidade institucional para avançar em direção à União Europeia. Fizeram bastante progressos, mas têm défices e são muito pobres, e têm, além disso, o problema da fuga de cérebros. Muitas pessoas não quiseram esperar até que o seu país se tornasse parte da União Europeia e agarraram na família e mudaram-se para a Alemanha, para a Áustria e outros países. E isso também é, claro, uma desvantagem para esses países balcânicos. Por diversas razões, a integração dos Balcãs Ocidentais foi sendo vista como bastante difícil e desafiadora e, ao mesmo tempo, a UE atravessou uma série de crises, crise financeira, crise migratória, Brexit, a pandemia, etc., e os decisores estavam meio distraídos. Ninguém tinha muito tempo para esse assunto, basicamente. Portanto, o envolvimento não estava no nível que teria feito a diferença..Com a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022 de repente algo mudou, não especificamente sobre os Balcãs Ocidentais, mas até numa abordagem mais ampla de alargamento, pois começou a falar-se da adesão até da Ucrânia, da Moldova e mesmo da Geórgia. É um objetivo realista falar de alargamento ainda mais para Leste no momento em que há uma guerra na Ucrânia? Penso que o entendimento na UE é que não queremos zonas cinzentas na Europa, uma zona cinzenta entre a Rússia e a UE, que é do nosso interesse integrar estes países para que façam parte da corrente principal europeia. Esta é uma nova visão, acho. Há cinco anos, muitos países europeus teriam dito, bem, estes países precisam de ter excelentes relações com a Rússia, têm de ter boas relações connosco, temos de os integrar parcialmente, mas deveriam ficar algures no meio. Depois da agressão de Putin, as pessoas passaram a dizer que não pode haver nada no meio, e as pessoas também disseram que, para apoiar a Ucrânia e dar-lhe garantias de um envolvimento a longo prazo, ao longo de décadas, basicamente, e mobilizar tudo nesse sentido, a perspectiva de uma adesão é vital. E, claro, isto é o que os ucranianos queriam já em 2004, e relembro que em 2014 tinham bandeiras azuis na praça Maidan, em Kiev. Este era um objetivo muito, muito importante para a sociedade. Portanto, se a UE tivesse dito, não, nós apoiamos-vos na guerra, é terrível que tenham sido atacados, mas não os queremos na União Europeia, isso teria sido extremamente negativo..Disse que este alargamento, com a adesão da Ucrânia, é do interesse da UE. Mas não será difícil para a opinião pública europeia aceitar, porque pensa-se no alargamento em termos de dinheiro, de fundos, de repartição do orçamento, e olha-se para a Ucrânia, um país enorme e pobre mesmo antes da guerra? Por exemplo, em países como Portugal, Espanha, Itália, Grécia, embora haja muita solidariedade com a Ucrânia, falamos de custos do alargamento e há o receio de que haja um impacto negativo em termos de orçamento, em termos dos chamados fundos de coesão. Isso é verdade e temos que aceitá-lo? Acho que há muitos mitos por aí. Há quem diga que todos os fundos da coesão irão para a Ucrânia e que não sobrará nada e que todos os países beneficiários líquidos se transformarão em contribuintes líquidos. Isso é tudo uma tolice. Porque penso que os poucos estudos sérios que vi do Bruegel, que é um think tank muito importante em Bruxelas, e do Ceps, outro think tank também muito importante, indicam que a integração da Ucrânia será um processo de longo prazo e haverá longos períodos de transição e haverá limites para o financiamento. Por exemplo, creio que existe um limite máximo para o financiamento da coesão, a maior parte do financiamento da coesão é de 2,5% do PIB, por que também não conseguem absorver mais. Isto significa que, em termos reais, o financiamento para a Ucrânia não será muito importante e, de acordo com o estudo do Bruegel, todos os beneficiários líquidos continuarão a ser beneficiários líquidos. Já o estudo do Ceps afirma que todos os beneficiários líquidos continuarão a ser beneficiários líquidos, com excepção de Espanha, que já está muito perto de avançar para uma posição de pagador líquido. Portanto o impacto não é enorme. As contribuições vão aumentar um pouco, mas isso não muda o jogo. Não será fundamentalmente prejudicial aos interesses dos países que são agora beneficiários líquidos..Estamos a pouco mais de um mês de eleições europeias. Sei que estamos a falar de 27 países diferentes e normalmente trata-se muito mais de questões nacionais na campanha do que de questões europeias. Esta eleição não deverá ser diferente. O alargamento da UE não estará, portanto, no centro do debate? Penso que é improvável que o alargamento seja uma questão muito dominante, mas penso que o debate que está já a acontecer é sobre este tipo de ameaça de que os partidos de direita radical aumentarão a sua percentagem de membros no Parlamento Europeu e como isso pode afetar o processo de decisão em projetos importantes. Há pessoas que acreditam que se os dois grupos mais de direita ganharem assentos, então, em questões como as migrações, as alterações climáticas, possivelmente o Estado de direito, o Parlamento Europeu adotará uma linha muito mais restritiva e conservadora. Não tenho certeza porque não acho que, em última análise, o sucesso desses grupos vá ser assim tão importante. Penso que, fundamentalmente, continuaremos a ter um centro que mantém a unidade europeia, um centro composto pelo PPE, pelos socialistas, pelos liberais e, em algumas questões, pelos verdes. Juntos, serão a maioria e determinarão a tomada de decisões do Parlamento Europeu..Mencionou que durante as diferentes crises, desde a crise financeira até à pandemia, o resultado foi sempre que a integração europeia se tornou mais forte. Mesmo com o Brexit? Ou a saída do Reino Unido foi um tipo diferente de trauma? Não penso que as crises tornem sempre a UE mais forte. Há crises que a enfraquecem. Penso que a crise migratória de 2015 e 2016 causou muita divisão. Alimentou a ascensão da direita radical, gerou grandes divisões entre países, e a UE não se fortaleceu. O Brexit é misto, porque penso que a saída do Reino Unido foi uma perda terrível. Tem uma política externa muito capaz, tem uma economia muito importante e, para o prestígio da UE, perder um dos seus maiores Estados-membros foi horrível em todo o mundo. Então o Brexit foi algo muito negativo. Por outro lado, o Reino Unido nunca esteve realmente no centro da UE. Não faziam parte de Schengen, não faziam parte da união monetária, e em muitas questões, em particular a política de segurança, também em termos de financiamento, os britânicos eram extremamente conservadores e bastante negativos. Assim, quando partiram, tornaram-se possíveis certas coisas que antes não o eram, em termos de política de defesa, em termos de fundos de reconstrução, e, por exemplo, a resposta à pandemia não teria funcionado com o Reino Unido, todo o planeamento orçamental teria parecido muito mais difícil. Assim, em alguns aspetos, a saída do Reino Unido facilitou o avanço de projetos de integração importantes, mas, pessoalmente, devo dizer que, no geral, ainda foi uma perda. Então acho que perdemos mais do que ganhámos, mas não é totalmente um lado negativo e nem tudo é preto, há também um lado positivo nisso..Em Portugal estamos a celebrar 50 anos da revolução que pôs fim à ditadura, e a adesão na década de 80 à então CEE foi muito importante para a consolidação da democracia portuguesa. Isto é algo que ainda acontece quando um novo país adere à UE? Torna-se mais democrático após a adesão? Os critérios de Copenhaga, que são os critérios para os países aderirem à União Europeia, não mudaram e é muito importante que esses países sejam democracias funcionais, que respeitem os direitos humanos, que o Estado de direito funcione. Caso contrário, se isso não acontecer....Antes sim, até pela exigência. Mas depois da adesão, verifica-se um aumento do nível de democracia? Nem sempre. Infelizmente já há algum tempo que temos a experiência na Polónia e na Hungria de que a situação também pode ir na outra direção. Que, uma vez que o país tenha aderido, a disciplina que se tem durante o processo de alargamento já não existe e os instrumentos de que a UE dispõe para garantir que o Estado de direito sobrevive e floresce ainda não estão totalmente desenvolvidos. Existe o famoso artigo 7.º do Tratado, que é muito difícil de implementar porque o limiar para a tomada de decisões é demasiado elevado. Temos agora a nova condicionalidade económica. É possível bloquear o acesso ao financiamento se o Estado de Direito não for realmente respeitado, o que tem consequências negativas também para o orçamento da UE. E isso dá alguma vantagem e levou a algumas alterações legislativas na Hungria, por exemplo. Mas é verdade que não há garantia. Se o país se tornar novamente mais autoritário e a UE não tiver o tipo de instrumentos para garantir que a evolução corre no caminho certo. E, por isso, muitas pessoas acreditam que, se olharmos para o próximo alargamento, para os Balcãs Ocidentais e para a Europa Oriental, temos de garantir que estes instrumentos para garantir o Estado de Direito também serão reforçados. Podemos fazê-lo nos tratados de adesão, podemos fazê-lo através da legislação secundária, mas muitos Estados-membros consideram que este é um elemento-chave para tornar o próximo alargamento um sucesso, ter bons instrumentos para garantir que o Estado de Direito seja mantido..Há muito debate sobre a necessidade de mudar o processo de decisão na União Europeia. Um possível alargamento aumenta a dificuldade de consenso e logo aumenta a necessidade de realizar a reforma? Bem, em princípio, obviamente. Agora estamos a falar de uma UE que poderá ter 35 Estados-membros, certo? Se assumirmos que todos os países dos Balcãs Ocidentais e os países da Europa Oriental aderirão. É claro que a unanimidade entre 35 países é mais difícil de alcançar do que em 27. Portanto, penso que há algum interesse em avançar para a votação por maioria em mais questões. Mas não estou muito otimista. Penso que ainda há um grande número, um número considerável de Estados-membros que pensam que o veto é essencial para preservar o seu interesse nacional. Portanto, não tenho certeza se veremos grandes mudanças nesse sentido. Mas também é preciso ter em mente que o processo de tomada de decisão é apenas um elemento da eficácia. Outra coisa é liderança. Se houver excelentes líderes na Comissão, se houver líderes franceses e alemães que trabalhem bem em conjunto, isso poderá ser mais importante, na verdade, do que se as decisões são tomadas por unanimidade ou por maioria qualificada. E, no geral, tem havido estudos que comparam a eficácia da UE antes do grande alargamento de 2004 e de 2007 e depois, e a diferença não é enorme. Portanto, se olharmos para o processo legislativo sobre o número de casos perante o Tribunal de Justiça Europeu, no geral, o alargamento não alterou significativamente a eficácia da UE. Então isso indica algo importante: a votação por maioria é uma coisa boa, mas, em última análise, não é a única coisa..Sobre a Turquia, o eterno candidato. É possível imaginar a Turquia como um Estado-membro? Ou é algo que ninguém quer realmente resolver, assumindo que a UE não quer esse país enorme, com cultura diferente, uma geografia diferente? Acho que não é provável neste momento a adesão da Turquia. Porque penso que o estado de espírito na União Europeia e na opinião pública não mudou. Há grandes sectores da sociedade em vários Estados-membros que são muito hostis a esta ideia, e um tratado de adesão tem de ser acordado por todos e ratificado por todos os Estados-membros. Em França, por exemplo, existe uma disposição que exige um referendo sobre adesões que só pode ser anulado com uma enorme maioria no Senado. Portanto, penso, realisticamente, que a Turquia não será membro num futuro próximo. E não creio que a liderança em Ancara ainda acredite nisso e sequer queira isso. Porque a Turquia é um país de muito sucesso. Tem grandes questões económicas por resolver, mas é muito influente. Tem uma projeção regional de poder em direção à Ásia Central. É muito importante em África. É hoje um grande interveniente economicamente, mesmo nos Balcãs. Portanto, não creio que seja realmente do interesse da liderança da Turquia fazer parte da União Europeia. Os governantes turcos achariam isso restritivo. E o seu jogo geopolítico é diferente do jogo europeu, é entre a Rússia e os Estados Unidos. É um jogo muito complicado, que estão a fazer muito bem. Mas não estão absolutamente alinhados com a tomada de decisões da UE e com a política externa europeia. Geralmente até estão numa posição totalmente diferente. Então não acho que seja uma perspetiva realista a adesão..Fala-se muito sobre a necessidade de um projeto de defesa comum por parte da União Europeia. Mas, ao mesmo tempo, um dos maiores trunfos da União Europeia é o soft power, são as ideias, a democracia, o Estado Social, o combate às alterações climáticas, etc. Mas no mesmo momento em que se debate tanto sobre investir mais na defesa, não depender tanto do aliado Estados Unidos, também se nota perda de influência em termos de ideais. Como vê essa contradição? Bem, acho que a ameaça está de volta. Ninguém pode duvidar disso. A agressão da Rússia contra a Ucrânia provou isso. Penso que se a Rússia vencer na Ucrânia, haverá uma ameaça para os Estados Bálticos. Existirá uma ameaça para a Moldova e outros. E a UE, os países da Europa Ocidental, têm usufruído do dividendo da paz há várias décadas e gastaram muito pouco em defesa. E há absolutamente necessidade de investir novamente na segurança militar. E depois haverá grandes divisões sobre quanto isto pode ser feito no âmbito da UE e quanto deveria ser feito no âmbito da NATO. Por que há alguns países que dizem que já não podemos confiar nos Estados Unidos. Que Donald Trump poderá regressar à Casa Branca. Que os Estados Unidos se estão a voltar para o Indo-Pacífico. Que a rivalidade com a China é muito mais importante para os americanos. E, portanto, já não estarão tão empenhados na segurança europeia. Mas há outros que dizem que tudo o que fazemos para tornar a Europa mais autónoma está a afastar-nos da proteção dos Estados Unidos. E nós não queremos isso. Portanto, ainda existem divisões muito grandes sobre esta questão. Mas quanto ao facto de necessitarmos de investir mais na nossa segurança, penso que existe um amplo acordo. Mas penso que é verdade que a UE nunca será uma superpotência militar. Não há nenhuma dúvida sobre isso. É extremamente improvável. A influência da UE será por ser um grande ator económico, exportando regras e regulamentos. É o chamado efeito Bruxelas: a maior força da UE é exportar as nossas normas e as nossas regras para todo o mundo. Agora estamos a fazer isso também na área digital. Somos a maior potência comercial do mundo e somos também a potência mais aberta às importações. Estes são os nossos pontos fortes e continuaremos a confiar neles. Mas, claro, também estamos a recorrer à alta tecnologia, ao ciberespaço, e entre as 20 maiores empresas existem apenas duas europeias. Tudo o resto é americano ou chinês. Temos de ter muito cuidado para não estarmos dissociados das partes mais dinâmicas do desenvolvimento económico e para protegermos os nossos interesses nesta área. Mas penso que ninguém acredita que o poder da Europa no futuro será principalmente um poder de segurança militar. Penso que será um poder brando, tanto em termos da nossa atratividade e sucesso económico, mas também em termos de cultura, em termos de fazer parte da diplomacia multilateral e de tentar preservar algo da ordem mundial liberal, na medida em que esta ainda é possível.