A 1 de janeiro de 2025, a Roménia fará integralmente parte do Espaço Schengen. É muito importante na sua afirmação como membro da União Europeia?É um grande feito da Roménia, diria histórico. Começámos o processo com o levantamento das fronteiras aéreas e marítimas e agora que o concluímos, somos membros de pleno direito de Schengen. Esta é, de facto, uma notícia muito boa e foi recebida com grande entusiasmo pelo nosso povo, porque tem consequências muito positivas. A primeira e mais importante é que os romenos já não se sentirão tratados como cidadãos de segunda. Podem viajar livremente pela Europa e isso terá impacto em muitos setores da economia. Terá, por exemplo, um impacto muito positivo nos transportes, uma vez que as longas filas na fronteira serão eliminadas. Depois terá impacto na agricultura, por causa da livre circulação de mercadorias, e, claro, no turismo. E, mais importante, diria que haverá uma perspetiva muito boa para as regiões transfronteiriças, que têm agora potencial para se desenvolverem de forma sustentável. Há cálculos de que, com esta medida, o PIB romeno crescerá 2% em 2025..Esta decisão era esperada, mas acontece num momento especial, pois recentemente assistimos a uma crise política no país, com um candidato anti-Europa a receber a maioria dos votos na primeira volta das Presidenciais, denúncias de interferência estrangeira e, por fim, a decisão do Tribunal Constitucional de anular as eleições. Schengen pode ser visto como um incentivo ao europeísmo da Roménia?Bem, eu diria que sempre sentimos que fazemos parte da União Europeia. Desde a nossa adesão em 2007, sempre atuámos como um país muito ligado às normas e aos valores europeus. Sim, penso que a adesão a Schengen é também um sinal de que esta narrativa vinda dos partidos populistas, extremistas e antieuropeus, que dizem que a UE não está a tratar os cidadãos romenos tão justamente como deveriam merecer, entrará agora em colapso. Relembro que em 2022, quando a Áustria decidiu vetar a nossa entrada no Espaço Schengen, foi uma grande desilusão para o povo romeno. Decidimos então, apesar da insatisfação e, claro, de alguns mal-entendidos políticos, trabalhar em conjunto com as instituições da UE, e também com os países vizinhos, a fim de fornecer todas as garantias necessárias de que protegeremos a fronteira tanto quanto sabemos, e com os equipamentos mais modernos, e para convencer as pessoas de que não somos uma vulnerabilidade para o Espaço Schengen. Pelo contrário, iremos acrescentar alguns benefícios ao Espaço Schengen. E penso que os projetos-piloto que desenvolvemos com a Sérvia - porque uma das preocupações da Áustria era que a rota dos Balcãs colocasse realmente uma pressão extra sobre o fenómeno da migração na Áustria - provaram os seus benefícios, embora deva dizer que não foi algo que inventámos do dia para a noite. As medidas já tinham sido implementadas, estavam a funcionar e a dar resultados, mas queríamos mostrar aos nossos parceiros como somos fiáveis. E estou certa, porque vi o empenho das autoridades romenas, de que este controlo de Schengen na fronteira externa da UE, que a Roménia é agora, não é para ser diminuído, pelo contrário, deve ser preservado e reforçado..No que diz respeito a esta crise, foi uma surpresa para si o resultado eleitoral, e especialmente esta capacidade das potências estrangeiras de interferir?Absolutamente. O que estamos a viver agora na Roménia, todos nós sabemos e temos de admitir, não tem precedentes, tanto em termos da interferência estrangeira no processo político romeno, mas também em termos da nossa resposta. Penso que é inédito que o Tribunal Constitucional de uma país cancele as eleições. Mas os documentos que foram revelados pelas instituições na Roménia provaram realmente que o processo eleitoral foi afetado por atos hostis, pela manipulação, por narrativas falsas, e por meios como as redes sociais, e especialmente a plataforma TikTok. Mostraram histórias muito maléficas, em que as pessoas votavam sem saber que se tratava de informação falsa e desinformação. Assim, com base nestas provas, o Tribunal Constitucional decidiu no dia 6 de dezembro cancelar a primeira volta das Presidenciais e recomeçar todo o processo. É claro que esta foi uma decisão que visa apenas proteger um processo eleitoral justo e equitativo. É uma questão de Segurança Nacional da Roménia e não nos podemos dar ao luxo de correr riscos. E é por isso que começamos tudo de novo. Penso que agora o calendário será anunciado muito em breve. Temos um novo Parlamento. Nos próximos dias, esperamos ter um novo governo que anunciará o calendário das eleições, para que as pessoas escolham o seu presidente com base em informações factuais e não em manipulação e distorção..Esta crise foi também uma surpresa vista de fora, porque olhamos para a Roménia não só como um membro da UE, mas também como um sólido membro da NATO. E a Roménia é muito importante no flanco leste da NATO por causa do apoio que dá à Ucrânia. Como será a Roménia afetada pelos desenvolvimentos que provavelmente teremos após a tomada de posse de Donald Trump nos Estados Unidos?Bem, penso que a nossa mensagem à UE e aos aliados da NATO é que pretendemos continuar a ser um país estável e seguro. E, claro, o que aconteceu foi um episódio que é uma lição aprendida com outros sobre como podemos enfrentar a crise. Por exemplo, recordo-me que, antes das Presidenciais na República da Moldávia, falávamos muito de interferências estrangeiras, de manipulações e de ataques híbridos. E agora medimos que o número de ataques cibernéticos contra a Roménia nas últimas duas semanas antes das eleições ascendeu a 85 000. Portanto, o que queremos neste momento é livrar-nos desta interrogação sobre o que estamos a fazer, provar aos nossos parceiros que permaneceremos firmes e estáveis, porque a última coisa que a UE e a NATO precisariam neste momento é que a Roménia se fragilizasse. E, claro, vamos continuar a ter o desempenho que tínhamos antes. Apoiamos fortemente a Ucrânia. A Roménia tem a fronteira mais longa com a Ucrânia, são 650 quilómetros. E fizemos tudo o que estava ao nosso alcance para apoiar financeiramente, militarmente, também acudir aos refugiados. Portanto, tudo o que fomos capazes de enviar para a Ucrânia para vencer esta guerra. Porque, no final de contas, vemos que a Rússia está determinada a refazer a ordem internacional e a transformar a Ucrânia num Estado irrelevante. Não podemos permitir. Precisamos de continuar a apoiar a Ucrânia até que esteja pronta para iniciar negociações..Quão importante é para a Roménia que se mantenha o processo de alargamento europeu?Do ponto de vista romeno, a República da Moldávia é a primeira e máxima prioridade da política externa. Porque a República da Moldávia é, neste momento, um país muito frágil e muito vulnerável. Está sob uma tremenda pressão da Rússia e vimos que durante as eleições de 20 de outubro as margens da vitória das forças pró-europeias foram muito estreitas devido à desinformação e às falsas narrativas que foram veiculadas. Portanto, o que fazemos agora é apoiar a presidente, Maia Sandu, e apoiar o governo de Chisinau, que considero serem as forças pró-europeias mais genuínas. A República da Moldávia enfrenta neste momento uma enorme falta de recursos financeiros e humanos para realizar as reformas necessárias para se aproximar da UE, e cabe à Roménia ajudar e transferir todo o conhecimento, todos os especialistas e todas as necessidades financeiras, em conjunto com a União Europeia, de forma a ajudar o governo a cumprir as medidas necessárias para avançar na integração europeia. E penso que o alargamento europeu é a resposta para todos na Europa, neste momento, e por isso li com grande desilusão alguns analistas de outras partes do mundo que dizem que estamos no fim da influência geopolítica da UE. Portanto, a nossa resposta é o alargamento e isso tem de continuar. É claro que com o cumprimento dos critérios, pois não há um cheque em branco para os candidatos, mas também para mostrar a nossa vontade política, determinação e energia para que este processo continue até que o continente esteja unido..Está também a referir-se aos Balcãs Ocidentais?Absolutamente. Fui secretária de Estado dos Assuntos Europeus e em todas as reuniões do Conselho dos Assuntos Gerais e nas nossas reuniões, conferências e seminários, dissemos que não há concorrência entre os Balcãs Orientais e Ocidentais. Todos juntos, precisamos de seguir este caminho europeu, claro, de fazer a reforma enquanto estamos lá para ajudar, e ajudar a concretizar este caminho. Por esta razão, penso que não deveria haver ambiguidade quando falamos de alargamento. E especialmente nos Balcãs Ocidentais: os países que aí se encontram aguardam há muito tempo por este processo. Penso que estamos agora noutro momento em que os países dos Balcãs Ocidentais estão realmente convencidos da nossa seriedade e do facto de que é exequível a adesão. E assim consigo sentir mais um momento positivo na determinação deles em continuarem assim, o que é bom. Mas não deveria haver competição. A Ucrânia também precisa da adesão, e a República da Moldávia igualmente. E, claro, as coisas são mais complicadas com a Geórgia. Estamos a acompanhar com muita atenção os desenvolvimentos, que não são positivos..Sobre as relações com Portugal, sei que há uma crescente cooperação, inclusive militar. E há também uma comunidade romena significativa e bastante bem integrada. Como descreve as relações bilaterais?Penso que as relações entre os dois países estão no seu auge, neste momento. Foi devido à situação de segurança na Europa que os dois países se redescobriram, estando nas extremidades do continente, mas tendo as mesmas raízes latinas e tendo muito em comum em termos de avaliação dos desenvolvimentos no mundo, mas também na nossa coordenação a nível da UE e a nível internacional. Por isso, estou muito satisfeita com a força do diálogo político e penso que é um dever per- manente meu impulsioná-lo. Penso que do ponto de vista económico também estamos muito bem. É uma espécie de redescoberta das oportunidades que as nossas economias oferecem uma à outra. E temos visto recentemente muitos investimentos portugueses na Roménia, que são muito sólidos e muito estáveis e sustentáveis, e gostaríamos de continuar neste caminho. Também aqui temos algumas empresas romenas que vieram para a extremidade ocidental do continente - a última é a Digi - e esperamos que tenham sucesso no mercado. Agora, em termos de cooperação militar, penso que é muito boa. É uma cooperação excecional e estamos muito gratos pela decisão das autoridades portuguesas de responderem ao nosso pedido de apoio de forma tão rápida, quando tivemos a necessidade de reforçar a parte sul do flanco oriental a fim de aumentar a dissuasão. Por isso, a sua presença militar na Roménia é muito apreciada. Sobre os romenos em Portugal, diria que estão muito bem integrados: 21 mil pessoas, mas também a nossa ideia aqui é fazer com que eles mantenham um pouco da base cultural, a língua e assim por diante, porque tendem a adaptar-se muito rapidamente e esquecendo de alguma forma a herança. Sublinho sempre que há um provérbio muito antigo que diz: abençoados são os pais que ensinam os seus filhos a terem raízes e asas. Raízes porque precisam de conhecer a sua cultura e asas porque precisam de se adaptar e integrar na comunidade. Mas trabalhamos muito bem com as autoridades portuguesas no sentido de termos estes cursos de língua, cultura e literatura para que as crianças preservem um pouco a ligação à Roménia também..Uma última pergunta mais pessoal. Em dezembro de 1989, há 35 anos, deu-se a Revolução na Roménia, com a queda do comunismo, de Nicolae Ceausescu. Pode partilhar as suas memórias?Eu era estudante no 3.º ano, na universidade, e lembro-me que, quando tudo começou em Bucareste, fomos convidados a ir à torre de televisão para a proteger de ataques. Alguns colegas vieram ter a minha casa e fomos ao centro da cidade. Claro que quando ia a sair de casa foi uma espécie de filme indiano, a minha mãe dizia: “Não, não podes ir, és filha única, é muito perigoso.” Mas o meu pai sentiu que era o nosso momento. Talvez porque o meu pai não era membro do Partido Comunista e tinha uma visão diferente do apaziguamento comunista. Então, fomos lá, lembro-me de ter entrado no Magheru Boulevard, que é parecido com a Avenida da Liberdade, e vi pessoas muito estranhas que tinham cartazes a dizer que não se deve beber água porque está envenenada, não se deve aceitar comida porque colocaram cianeto no pão. Portanto, mais uma vez, manipulação e mensagens muito fortes e falsas. E depois, quando chegámos à televisão, disseram-nos que nós, enquanto estudantes, precisávamos de ir às fábricas e de proteger as fábricas da violência. Então, acabei numa das fábricas de maquinaria como enfermeira e fiquei a rezar para que ninguém viesse ferido ou algo do género, porque eu não sabia realmente como usar o equipamento médico que me foi dado. Mas penso que fomos úteis porque, pelo menos durante três noites seguidas, fizemos chás e sopas e café para quem estava a proteger as instalações. Era Natal, e de manhã bem cedo, quando saí da fábrica porque o meu turno acabou, e estava já perto de casa, uns vizinhos tinham posto uma rena de Natal, mas não havia ninguém na rua para ver. E alguns jornais espalhados pelo vento noticiavam que Ceausescu partiu e éramos livres. Nunca esquecerei aquele momento porque foi uma grande alegria, não só para mim enquanto pessoa, mas para os jovens que desejavam ter um novo país, transformá-lo muito rapidamente, e isso estava a tornar-se uma possibilidade. Mas o ritmo da nossa transformação não foi tão rápido como esperávamos. Portanto, 35 anos depois da Revolução, diria que ainda temos de trabalhar. Mas a grande lição que todos aprendemos na Roménia é que a liberdade não é grátis e é preciso defendê-la sempre, preservá-la. Aqueles que pensam que estamos agora sob a bandeira da UE ou da NATO e se sentem seguros, estão a cometer um erro terrível, porque podem acontecer fraturas. Por conseguinte, é nosso dever, e daqueles que virão depois, manter e proteger os valores da UE.