Em junho de 2020, a antiga diplomata Sigrid Kaag, que tinha assumido o cargo de ministra do Comércio Externo e da Cooperação para o Desenvolvimento no terceiro governo de Mark Rutte, decidiu candidatar-se à liderança dos Democratas 66 (D66, partido liberal social). O seu objetivo, assumiu, é tornar-se a primeira mulher chefe de governo nos Países Baixos. Em dezembro venceu as eleições internas e agora o D66 foi um dos grandes vencedores das legislativas. Ainda não é o suficiente para Kaag alcançar o seu objetivo, mas a Reuters já lhe chama "a mulher mais influente na política neerlandesa"..As eleições, que a pandemia estendeu de segunda a quarta-feira, foram ganhas por Rutte e os seus liberais do Partido Popular para a Liberdade e Democracia (VVD, na sigla original). Conquistaram mais dois deputados e reforçaram a presença na Câmara Baixa - terão 35 dos 150 lugares. Mas o D66 foi outro dos grandes vencedores - as projeções à hora de fecho das urnas davam-lhe mais oito deputados, mas no final (a contagem ainda decorria ontem) só terá ganho quatro (terá 24). O suficiente para ser o segundo partido mais votado..O D66 ultrapassou o Partido pela Liberdade (PVV), de Geert Wilders, que tinha sido o principal alvo de Kaag durante os debates. Num deles, acusou Wilders de ser como "um disco partido" e defendeu o facto de ter usado um lenço na cabeça quando visitou o Irão, dizendo que estava a trabalhar pelos interesses do seu país, mais do que ele alguma vez tinha feito. Apesar de o PVV ter perdido três deputados (fica com 17), isso não significa o recuo da extrema-direita no país - o Fórum pela Democracia ganhou seis deputados (terá agora oito) e o JA21, fundado por alguns desertores do fórum, estreia-se no Parlamento com três. No total, a extrema-direita terá 28 deputados..O D66, no governo desde 2017, será o parceiro prioritário de Rutte no novo executivo, sendo possível repetir a mesma coligação a quatro que existia. Contudo, o D66 teve na altura de fazer compromissos para se aliar com o Apelo Democrata-Cristão (que perdeu quatro deputados e terá 15 representantes) e a União Cristã (que manteve os mesmos cinco), e agora Kaag poderá não estar disposta a fazer o mesmo, devendo ser necessário esperar várias semanas para conhecer a composição da nova coligação de governo. Há um recorde de 17 partidos com assento parlamentar..Uma coisa é certa. Com o seu currículo, não será de estranhar se Kaag, de 59 anos, se tornar a próxima chefe da diplomacia dos Países Baixos. Europeísta convicta, foi, contudo, muito crítica de Rutte na campanha, por causa das suas posições dentro da União Europeia, que lhe valeram a alcunha de "Sr. Não" por ter posto entraves ao pacote de ajuda financeira pós-covid..O Ministério das Relações Exteriores (dentro do qual se inclui o ministério sem pasta do Comércio Externo e da Cooperação para o Desenvolvimento de Kaag) está atualmente nas mãos de Stef Blok. Mas entre fevereiro e março de 2018, por menos de um mês, ela assumiu interinamente a chefia da diplomacia, tendo sido a primeira mulher a ocupar esse cargo no país..Nascida em Rijswijk a 2 de novembro de 1961, Kaag é poliglota - além do holandês, fala inglês, francês, espanhol, alemão e árabe. Depois de ter estudado Relações Internacionais em Oxford e no Clingendael, em Haia, e Estudos do Médio Oriente no Cairo e em Exeter, começou a trabalhar no início dos anos de 1990 na secção das Nações Unidas dentro do Ministério das Relações Externas neerlandês..A partir de 1994 e nos 15 anos seguintes, fez carreira internacional, primeiro na agência da ONU em Jerusalém. Em 1996 casou-se com o palestiniano Anis al-Qaq, que terá sido vice-ministro de Yasser Arafat nos anos de 1990, tendo o casal quatro filhos. Quando em 2017 foi nomeada para o governo de Rutte, o Likud do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, opôs-se publicamente, alegando que ela favorecia as causas palestinianas..Kaag trabalhou depois na Organização Internacional para as Migrações em Genebra (o marido foi embaixador palestiniano na Suíça) e como conselheira das Nações Unidas em Cartum e Nairobi, passando mais tarde para a UNICEF. Entre outubro de 2013 e setembro de 2014, como subsecretária-geral das Nações Unidas, liderou a missão para a eliminação das armas químicas na Síria - era conhecida por alguns como a Dama de Ferro, outros diziam em forma de elogio que era "mais homem do que muitos homens". Finalmente, em 2015 mudou-se para o Líbano, onde foi coordenadora Especial da ONU..O regresso a casa e a entrada na política neerlandesa surgiu em 2017, quando aderiu ao D66 e foi nomeada ministra. Na quarta-feira, após o bom resultado, festejou em cima da mesa, numa foto que partilhou no Twitter. "Que bela noite. Agora é tempo de começar, o futuro não espera", escreveu..Twittertwitter1372296778314350600.susana.f.salvador@dn.pt