A mediação do Qatar, Egito e Estados Unidos viu por fim os seus esforços materializarem-se com as equipas enviadas por Israel e pelo Hamas a concordarem com os termos do acordo proposto em 31 de maio passado pelo presidente norte-americano Joe Biden. Para o documento não ser letra morta e as armas se calarem na Faixa de Gaza no domingo falta ainda a aprovação pelo governo israelita, que se reúne nesta quinta-feira de manhã. O conflito começou com os ataques terroristas de 7 de outubro de 2023 pelo grupo islamista, que matou cerca de 1200 pessoas, e já vitimou pelo menos 47 559 palestinianos..Israel e Hamas chegam a acordo para um cessar-fogo. "É uma oportunidade para um novo futuro" .O presidente israelita, em declaração transmitida pela TV, apelou para o governo de coligação chefiado por Benjamin Netanyahu dar por concluído o acordo a que os mediadores deram o aval. Para Isaac Herzog, o mais importante é o regresso dos cativos mantidos pelos grupos armados aliados do Hamas, as brigadas al-Qassam e as brigadas al-Quds, da Jihad Islâmica. Estarão cativos 98 reféns em Gaza, embora uma parte já não esteja viva. .“[A aprovação do acordo pelo governo] é a medida correta, importante e necessária. Não há maior obrigação moral do que trazer de volta os nossos irmãos e irmãs.”Isaac Herzog. A marcação de uma conferência de imprensa por parte do primeiro-ministro catariano Mohammed bin Abdulrahman bin Jassim Al Thani para a tarde indicava que as arestas por limar desde a véspera teriam sido removidas, mas antes de o xeque ter falado já o próximo presidente dos EUA, Donald Trump, anunciara o acordo na sua rede social, alegando que o mesmo se devia à sua vitória eleitoral. “Este acordo vai trazer-nos paz, esperemos”, disse Al Thani. O primeiro-ministro do Qatar, que acumula a pasta dos Negócios Estrangeiros, disse que um “mecanismo” vai ser aplicado no Cairo para monitorizar o cessar-fogo para que hipotéticas violações sejam abordadas “nas fases iniciais”. Disse estar esperançado que o acordo se mantenha porque é mais abrangente do que a pausa nos combates que entrou em vigor em novembro de 2023. “Este acordo tem um mecanismo claro para os primeiros 42 dias e há um mecanismo claro para negociar a fase dois e três”, disse, acrescentando que os detalhes do acordo completo serão publicados assim que forem finalizados. .“Com este acordo em vigor, a minha equipa de segurança nacional continuará a trabalhar em estreita colaboração com Israel e com os nossos aliados para garantir que Gaza nunca mais se torne um porto seguro para os terroristas.”Donald Trump. Segundo o que se sabe dos termos do acordo, ambas as partes entrarão em novas negociações ao 16.º dia da trégua, para se alcançar a segunda fase, que prevê a libertação de todos os reféns vivos restantes e a retirada total das tropas israelitas. A terceira fase prevê o envio dos reféns mortos em troca de restos mortais de combatentes palestinianos, bem como a reabertura dos postos fronteiriços do enclave e o início de um plano de reconstrução..A primeira fase do acordo• Trégua durante 42 dias, com início no domingo• Libertação de 33 reféns israelitas e 1090 prisioneiros palestinianos• Retirada militar das zonas densamente povoadas• Aumento da entrada de ajuda humanitária• Regresso autorizado aos deslocados palestinianos . O xeque agradeceu aos enviados das equipas de Biden, Brett McGurk, e de Trump, Steve Witkoff, pelos seus esforços. O presidente cessante dos EUA, que pouco depois também falou aos meios de comunicação, ladeado da vice Kamala Harris e do chefe da diplomacia Antony Blinken, realçou que “nos últimos dias” a sua equipa e a de Trump têm “falado como uma”. Joe Biden puxou dos galões pelo alcançado, e que está a deixar uma “oportunidade real” para um Médio Oriente melhor, porém lembrou que a responsabilidade pelo que se seguir já não será sua. “Gostaria também de referir que este acordo foi desenvolvido e negociado durante a minha administração, mas os seus termos serão aplicados, na sua maioria, pela próxima.” O democrata, que num comunicado evocara as vítimas israelitas, deixou uma palavra para o outro lado: “O povo palestiniano passou por um inferno. Morreram demasiadas pessoas inocentes. Demasiadas comunidades foram destruídas.”.“O acordo de cessar-fogo é o resultado da lendária firmeza do nosso grande povo palestiniano e da nossa valente resistência na Faixa de Gaza durante mais de 15 meses.”Hamas. O secretário-geral da ONU, António Guterres, congratulou-se com o acordo e sublinhou que a “prioridade agora deve ser aliviar o enorme sofrimento causado” pelo conflito. “As Nações Unidas estão prontas a apoiar a aplicação deste acordo e a intensificar a prestação de ajuda humanitária sustentada aos inúmeros palestinianos que continuam a sofrer”, afirmou em conferência de imprensa. Guterres apelou também ao respeito pela “integridade” do território palestiniano e à necessidade de garantir uma liderança palestiniana “unificada” capaz de assegurar a paz.Cenário pós-guerraO secretário de Estado norte-americano, a seis dias de cessar funções, revelou num discurso no Atlantic Council, em Washington, as linhas gerais do seu plano para o pós-guerra na Faixa de Gaza. Antony Blinken, que criticou israelitas e palestinianos à vez pela situação a que se chegou, disse que iria entregar o documento à administração Trump “para que o leve por diante” e que seja consagrado numa resolução do Conselho de Segurança da ONU. Para o chefe da diplomacia da administração Biden, a Autoridade Palestiniana, que gere de forma limitada a Cisjordânia, deveria ser a entidade responsável para administrar o enclave, em conjunto com palestinianos de Gaza. “Além disso, deveria convidar parceiros internacionais para ajudar a criar e gerir uma administração provisória responsável por setores civis fundamentais em Gaza, como a banca, a água, a energia, a saúde e a coordenação civil com Israel”, disse. O financiamento viria da comunidade internacional e a supervisão caberia a um alto funcionário da Organização das Nações Unidas.Para impor as condições de segurança no terreno, seria necessário criar uma missão internacional em conjunto com palestinianos. “As suas responsabilidades incluiriam a criação de um ambiente seguro para os esforços humanitários e de reconstrução e a garantia da segurança das fronteiras, que é crucial para impedir o contrabando que poderia permitir ao Hamas reconstruir a sua capacidade militar.” Blinken disse ainda que alguns países já manifestaram disponibilidade para contribuir com tropas e polícias mas com uma dupla condição: a unificação de Gaza e da Cisjordânia sob uma reformada Autoridade Palestiniana. “E é aí que reside o problema”, concede. “Para se chegar a um acordo será necessário que todas as partes reúnam a vontade política para tomar decisões difíceis, para fazer compromissos difíceis.” Estes passam pela já referida ampla reforma da Autoridade Palestiniana -- liderada por Mahmoud Abbas, de 89 anos, desde 2005 --, impedir o regresso do Hamas ao território, e Israel aceitar estas condições que visam a criação de um Estado palestiniano independente. “Os israelitas têm de decidir qual a relação que querem ter com os palestinianos. Essa relação não pode ser a ilusão de que os palestinianos aceitarão ser um não-povo sem direitos nacionais. Sete milhões de judeus israelitas e cerca de cinco milhões de palestinianos estão enraizados na mesma terra. Nem uns nem outros vão a lado algum.”. Desde o início da operação militar que o primeiro-ministro israelita foi pressionado para propor uma visão sobre o futuro de Gaza. Quando o fez, em fevereiro do ano passado, Benjamin Netanyahu ignorou a Autoridade Palestiniana. Disse que a administração do território caberia a palestinianos sem ligações a grupos extremistas. A segurança do “desmilitarizado” enclave caberia a Israel, enquanto países muçulmanos ficariam com a tarefa de executar programas educativos de “desradicalização”. Além disso, o primeiro-ministro israelita tem reiteradamente rejeitado a solução dos dois Estados, alegando que o país nunca gozaria de “segurança genuína”. .Destaques7 de outubroO dia 10 de outubro era data marcada para Antony Blinken viajar para a Arábia Saudita e para Israel para ajudar a que o acordo de normalização de relações entre os dois países fosse avante. Três dias antes, porém, uma invasão de milhares de combatentes palestinianos a território israelita massacra cerca de 1200 pessoas, sobretudo em kibutzim (comunidades agrícolas) e no festival de música Nova. Além disso, levam para Gaza cerca de 250 reféns.Morte e destruição Em choque, a sociedade israelita uniu-se em torno do então impopular primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, que ainda no dia 7 de outubro declarou que o seu país estava em guerra. Desde então liderou uma resposta militar com base em bombardeamentos aéreos mas também numa invasão terrestre com o objetivo de eliminar o Hamas. Segundo as autoridades de Gaza, morreram 47559 palestinianos. No entanto, uma investigação revista por pares e publicada há dias pela The Lancet “a melhor estimativa” do número de mortes, até 30 de junho de 2024, se situava em 64 260. Isolamento israelitaA campanha militar israelita e as dificuldades para que a assistência humanitária entrasse no enclave levaram a que África do Sul apresentasse uma denúncia junto do Tribunal Internacional de Justiça, em Haia, de que Telavive estava a levar a cabo um genocídio, o que é contestado por Israel. Ao isolamento internacional de Telavive, o seu maior aliado, os EUA, apesar de algumas críticas, responderam com total apoio militar e diplomático.