2022, o ano em que o PSDB quer voltar às vitórias
Se as eleições do Brasil, que até coincidem com os anos de mundiais de futebol, fossem uma competição desportiva, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) tinha sido campeão em 1994 e 1998, vice-campeão em 2002, 2006, 2010 e 2014 e eliminado, com estrondo, na primeira fase em 2018. Como um dos partidos mais influentes desde a redemocratização de 1985 caiu de forma tão abrupta com o advento do bolsonarismo? E como pode recuperar o protagonismo em 2022? Pré-candidatos à presidência não faltam - mas isso não é necessariamente bom.
As equipas dos quatro pré-candidatos tucanos (a ave tropical é o símbolo do partido) ao Palácio do Planalto no próximo ano começaram esta semana a ser ouvidas por Bruno Araújo, o presidente do partido [ver entrevista ao lado], a quem compete definir as regras das primárias do PSDB.
Entre esses presidenciáveis, emerge desde logo aquele que se acreditava ser o candidato mais ou menos incontestado: João Doria, 63 anos, o governador do rico e influente estado de São Paulo, que antes fora prefeito da maior cidade brasileira e, antes ainda, um bem-sucedido empresário de marketing. Ao decidir comprar a vacina chinesa Coronavac, enfrentando a oposição do governo de Jair Bolsonaro, é hoje o responsável político pela vacinação de oito em cada 10 brasileiros, o seu maior trunfo eleitoral.
Mas, sem prestígio no partido - foi acusado de traição por Geraldo Alckmin, o antecessor no governo paulista que apadrinhou a sua entrada na política -, viu nascer uma onda em torno de Eduardo Leite, jovem (36 anos) governador do Rio Grande do Sul, tido como promissor quadro tucano.
Recentemente, surgiu um nome intermédio, o do respeitado senador Tasso Jereissati, 72 anos, chamado já de "Joe Biden brasileiro" por poder unir tendências, primeiro no PSDB e depois no Brasil, numa eleição supostamente polarizada entre Jair Bolsonaro (ainda sem partido) e Lula da Silva, o candidato do Partido dos Trabalhadores (PT), a eterna nemesis do PSDB.
Arthur Virgílio (75 anos), ex-prefeito de Manaus, é o quarto candidato mas, diz o próprio, deixa imediatamente de o ser caso Jereissati avance.
Algum deles pode devolver o protagonismo ao PSDB em 2022? O politólogo Vinícius Vieira acha que não: "Não vejo apelo popular a Tasso, que desfruta, no entanto, de bom trânsito no parlamento e entre empresários; o Eduardo Leite parece ser um bom nome mas, por enquanto, para vice; e Doria queimou-se com os conservadores e a esquerda jamais votaria nele".
Sobrará, defende, uma eventual contribuição dos tucanos a uma solução, por ora, externa ao partido. "Luciano Huck é hipótese mas também me parece com mais vontade de substituir o Faustão nos domingos da Globo do que de substituir o Bolsonaro", diz o professor da Fundação Getúlio Vargas e da Fundação Armando Álvares Penteado, a propósito do apresentador (aos sábados) da TV Globo.
Huck, que ainda não decidiu se se candidata nem sequer tem partido, recebeu elogios públicos de Fernando Henrique Cardoso, presidente de 1994 a 2002 e father figure do PSDB, um partido nascido de uma dissidência em 1988 do MDB, o heterogéneo partido da oposição durante a ditadura militar a que hoje pertence, por exemplo, o ex-presidente Michel Temer.
Após os oito anos de Cardoso no Palácio do Planalto, batendo Lula duas vezes seguidas logo à primeira volta, foi a vez de o PT chegar à presidência. Lula, que recebeu a faixa de Cardoso, derrotou José Serra em 2002 e Geraldo Alckmin em 2006. A seguir, Dilma Rousseff bateu novamente Serra, em 2010, e Aécio Neves, em 2014.
"A rivalidade do PSDB com o PT, de 1994 a 2014, era tida como uma constante na política brasileira", recorda Vieira. "Mas depois o PSDB caiu na vala comum, com as escutas que flagraram Aécio Neves em conversas nada republicanas a solicitar dinheiro ao empresário Joesley Batista".
Na ressaca desse episódio, Alckmin, o candidato em 2018, não chegou sequer aos 5%, um sinal claro de que o centro-direita optou em peso pelo candidato de extrema-direita Jair Bolsonaro, sustentado num discurso contra os partidos tradicionais. "O PSDB perdeu o bonde [elétrico] da história e para sobreviver terá de se unir ao DEM [centro-direita] e ao MDB, a sua origem", defende Vieira.
O PT resistiu àquela implosão dos grandes partidos pós-Operação Lava-Jato porque "é mais orgânico, sustentado em sindicatos, por exemplo", continua o politólogo. "Existe um "lulismo" mas não existe um "fernando-henriquismo", embora se possa dizer que FHC tenha tido uma contribuição mais decisiva para a consolidação da democracia e da economia no Brasil".
Como alento, a última eleição municipal, em 2020, das quais a esquerda e bolsonarismo saíram menores, e o PSDB mais influente. Mas 2022 é outra história.
ENTREVISTA a Bruno Araújo, Presidente do PSDB
O PSDB foi protagonista da política brasileira de 1994 até 2014; nas eleições de 2018, ficou fora da segunda volta. Qual a estratégia para ver o partido de novo a disputar o Planalto?
O PSDB, a partir da sua fundação, em 1988, nunca deixou de oferecer grandes contribuições. Desde o Plano Real, com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, estabilizou a economia, iniciou os programas de transferência de renda que até hoje tiram milhões da pobreza e modernizou o Estado. Quando os governos do PT começaram a abandonar a política macroeconómica herdada do PSDB, principalmente na questão da responsabilidade orçamental e controle da inflação, o Brasil entrou na forte crise da qual ainda não se recuperou. Já as maiores conquistas do governo Bolsonaro, que são poucas, como a reforma da Previdência e o chamado Marco do Saneamento, foram conduzidas por integrantes do nosso partido. Ou seja, mesmo na oposição, mantemos um alto nível de responsabilidade e compromisso com o país. É certo que tivemos um desempenho abaixo da expectativa em 2018 mas é certo também que o brasileiro vota no PSDB quando sabe que precisa resolver problemas mais graves. Um exemplo é que em 2020, nas municipais, fomos o partido mais votado do Brasil, conquistando os principais centros urbanos, como São Paulo.
O partido vai fazer primárias para escolher o seu candidato presidencial?
As prévias estão previstas nos estatutos, exatamente, para situações em que há mais de um candidato disputando a indicação do partido. Acreditamos que devem ser consolidadas porque movimentam a militância, oxigenam o partido e enfatizam para a sociedade a qualidade dos nossos quadros.
Na sua opinião, de entre os nomes falados, qual o melhor candidato no cenário que se coloca de Lula e Bolsonaro como concorrentes?
Todos os nomes apresentados têm contribuições para o Brasil. João Doria, governador de São Paulo, é responsável por oito em cada 10 vacinas contra o coronavírus no Brasil. Eduardo Leite, jovem governador do Rio Grande do Sul, tem feito um notável trabalho de modernização no seu estado, enfrentado corporações e interesses arraigados. O ex-senador e ex-prefeito Arthur Virgílio é um quadro histórico respeitado pelo preparo administrativo e intelectual. Já o senador e ex-governador Tasso Jereissati é um nome influente, empresário bem-sucedido, transformou o seu estado, o Ceará, e conta com importantes apoios fora do PSDB.
Doria e Leite assinaram "manifesto" com nomes de uma chamada "terceira via". Há hipótese de o partido apoiar alguém de fora dos seus quadros, sendo que Fernando Henrique Cardoso já elogiou Luciano Huck?
Tenho repetido que o PSDB não apresentará "prato feito". Mas o vencedor das prévias sairá fortíssimo do processo e com condições de fazer entendimentos com os demais candidatos. As sondagens mostram que as candidaturas dos pólos ideológicos, do PT e de Bolsonaro, têm índices razoáveis, mas altíssima rejeição. Há grande espaço para uma candidatura de centro prosperar e vencer.