26 novembro 2014 às 13h17

"Corpos das mulheres tornaram-se campos de batalha", lamenta Denis Mukwege

O médico da República Democrática do Congo, Denis Mukwege, ganhou esta sexta-feira o Prémio Nobel da Paz. Nos últimos 20 anos tratou de 40 mil mulheres que foram vítimas de violações. Em 2014, o DN esteve na entrega do Prémio Sakharov, numa peça que recuperamos

Susana Salvador, em Estrasburgo

Denis Mukwege falou no Parlamento Europeu sobre como, na República Democrática do Congo (RDC), mas também em muitos outros locais, "o corpo da mulher é transformado num verdadeiro campo de batalha".O médico congolês tratou desde 1999 mais de 40 mil mulheres que foram vítimas de violações.

"Em cada mulher violada vejo a minha mulher, em cada mãe violada vejo a minha mãe. Em cada criança violada vejo os meus próprios filhos. Como posso calar a minha voz", perguntou, numa cerimónia emotiva, o galardoado com o Prémio Sakharov de Liberdade do Pensamento.

"Como é que conseguimos dormir tranquilos quando nos entregam um bebé de seis meses com a vagina destruída pela penetração brutal de um adulto, por objetos ou produtos químicos", voltou a perguntar.

"Gostaria de não ter de falar mais destes crimes horrorosos de que são vítimas as minhas contemporâneas. Mas como posso calar a minha voz quando sabemos que estes crimes contra a humanidade são planeados por razões económicas", questionou.

A RDC é "um dos países mais ricos do planeta. Contudo, a maioria dos seus habitantes vive numa pobreza extrema", referiu o médico. Na RD Congo encontram-se cerca de 80% das reservas mundiais de tântalo, um mineral raro usado no fabrico de componentes de telemóvel. A sua exploração serve para alimentar o conflito.

"As atrocidades surgem como algo de banal" e "o povo congolês tem sede de justiça", defendeu, apelando a revitalizar o acordo de paz de Adis Abeba, assinado em 2013 entre o governo da República Democrática do Congo e o grupo rebelde M23. "Não haverá paz e desenvolvimento social e económico sem respeito pelos direitos humanos", referiu.

"Com este prémio, o Parlamento Europeu resolveu dar maior visibilidade à mulher congolesa. Reconheceu o seu sofrimento, mas também a coragem que encarnam", afirmou Mukwele. "Este prémio não terá contudo qualquer significado para as vítimas de violência sexual se vocês não se juntarem a nós na nossa procura por paz, justiça e democracia", disse aos eurodeputados, apelando ao fim da violação como "arma de guerra".

No final, nas tribunas, os congoleses que assistiram à cerimónia despediram-se do médico com um cântico "Deus escolheu-te. Trabalha por ele com o teu coração, o teu espírito."