O Hospital de Sintra abriu as portas do Serviço de Urgência Básica (SUB) a 12 de julho, e a 14 foi inaugurado oficialmente pelo primeiro-ministro e pela ministra da Saúde. O objetivo da sua construção era o de apoiar o Hospital Fernando da Fonseca (HFF - vulgo Amadora-Sintra) na sua atividade e aliviar a pressão nas suas urgências. Mas não é o que está a acontecer, segundo os relatos de profissionais da própria unidade. Ao DN, várias fontes, que pediram o anonimato, garantem que, “ao fim de uma semana, em vez de estar a apoiar a atividade do HFF, o SUB de Sintra só está a agravar as dificuldades que já existiam”, relembrando que “as equipas do HFF já funcionavam nos mínimos e, por vezes, ultrapassando o que é aceitável”. Segundo relatam as mesmas fontes, o que está a acontecer é que “diariamente é desviado um médico das equipas fixas do HFF para o SUB de Sintra, o que tem agravado a gestão dos cuidados na urgência externa e até na urgência interna. Se antes havia um dia ou outro em que uma falha na escala levava a que o especialista que estava a chefiar a equipa da urgência externa ficasse também responsável pela urgência interna, o que significa ter a seu cargo cerca de 600 camas de internamento, o que é impensável, agora acontece frequentemente”. Mas não são só os especialistas que estão a ser deslocados para Sintra. "Os internos que acabaram agora a especialidade e que vão ficar no hospital também já estão a ser desviados, e eles já reforçavam as equipas fixas do HFF”, explicam-nos.Quando perguntamos o porquê desta situação, as mesmas fontes referem que “é porque não foi contratado um único médico para assegurar a SUB de Sintra”, queixando-se ainda de esta abertura estar a ser marcada pela “falta de planeamento” e de “estar a colocar em risco a segurança dos cuidados aos doentes”, já houve um aumento do tempo de "espera na urgência para primeira observação nestes dias", asseguram. .Espera de doentes urgentes no Hospital Amadora-Sintra ultrapassou as 30 horas este fim de semana. O DN consultou na tarde desta terça-feira, dia 22, pelas 15:30, o site do SNS que indica os tempos médios de espera nas urgências para primeira observação, e o HFF registava o tempo mais elevado de todas as unidades similares na região da Grande Lisboa. Ou seja, 86 doentes à espera da primeira observação com tempo médio de espera de 7h28m - “o que individualmente ainda pode ser mais elevado”, explicam-nos -, enquanto o Garcia de Orta, em Almada, tinha 60 doentes e 4h17m de espera e a unidade Cascais 43 doentes e 1h47m de espera. Em igual situação estava o Beatriz Ângelo, em Loures, com menos doentes, 26, e já com 4h36m de espera para observação. As mesmas fontes queixam-se ainda também da ausência de “de definição de funções e até de regras nalgumas áreas, como no transporte de doentes”, dando como exemplo um caso que ocorreu na primeira semana. “Um enfermeiro da unidade de cuidados intensivos do HFF teve de ir de táxi, com o material necessário para o transporte do doente, para o SUB de Sintra, porque não havia outra forma. O doente tinha de ser transferido para o HFF, o que acabou por acontecer depois de ambulância com um médico e o enfermeiro”. Na mesma semana, “um doente com enfarte que entrou no SUB de Sintra e precisava de um cateterismo demorou 1h30m a ser transferido para o HFF”, questionando: “Onde está aqui o planeamento e o respeito pelas normas clínicas?”. Hospital confirma ida de enfermeiro de táxi, mas diz que tudo foi resolvido O DN confrontou a administração da Unidade Local de Saúde Amadora-Sintra (ULSASI) com estas questões, que confirma: “Na primeira ocorrência, de modo a minimizar o tempo de deslocação, confirma-se que o enfermeiro se deslocou de táxi para o Hospital de Sintra, o que em nada afetou o transporte do doente, que correu bem. O doente foi transferido, como não poderia deixar de ser, de ambulância, conforme o procedimento habitual no transporte de doentes. Depois dessa ocorrência, foram revistos e atualizados procedimentos internos relativamente ao transporte de profissionais entre as duas instituições, os quais estão devidamente adequados e são agora do conhecimento dos profissionais, sendo a origem desses profissionais do Hospital de Sintra”. .Urgências do Amadora-Sintra fechadas. Administração espera repor sistema informático esta quinta-feira. Na resposta ao nosso jornal, a administração da ULSASI esclarece que numa semana de funcionamento já se “realizaram quatro transferências entre o Hospital de Sintra e o HFF, que tiveram um tempo médio de 35 minutos para o transporte - efetuado por ambulância, com acompanhamento por médico e enfermeiro - entre os dois hospitais”. E que o feed-back da população, é positivo. “Desde a sua abertura, o SUB do Hospital de Sintra realizou 1266 atendimentos e os inquéritos presenciais realizados demonstram um bom nível de satisfação dos utentes com os cuidados de saúde prestados”.Descontentamento de profissionais e ameaças de saídas Para quem está no terreno e a assegurar as urgências no HFF, o descontentamento é mais intenso, uma semana depois da abertura do SUB de Sintra. “O descontentamento entre os profissionais é brutal e já há ameaças sérias de abandono da ULS”, garantem. As queixas multiplicam-se e a Ordem dos Médicos confirmou ao DN nesta terça-feira que irá pedir “esclarecimentos sobre a situação à administração da ULSASI”. A Federação Nacional dos Médicos (Fnam) também já denunciou, em comunicado, a escassez de recursos e o agravamento da atividade no HFF. E, ontem, a presidente da estrutura, Joana Bordalo e Sá, voltou a referir ao DN que “continuamos a acompanhar a situação”, mas até agora “não há expectativas de contratações de profissionais e de melhorias”, sublinhando que “o HFF já é um hospital que vive permanentemente em carência de recursos médicos - ou melhor, em falência total”. A dirigente sindical recorda que “na urgência geral, a área de medicina, já é quase assegurada por prestadores de serviço. Os internos acabam por ficar sozinhos algumas vezes, havendo dias em que só há um especialista de Medicina Interna para assegurar as urgências externa e interna”, o que que faz com que fique à sua responsabilidade cerca de “600 camas". O normal, refere, "não sendo bom, era haver, pelo menos, dois especialistas um para cada urgência, mas nem isso está a acontecer. Fica só um para tudo. E um médico para 600 camas, não pode ser”, reforça. Joana Bordalo e Sá aceita que “a infraestrutura é necessária, mas não vê doentes e não está a resolver a situação”, acrescentando não compreender que “não tenha sido assegurada a contratação de médicos para garantir os serviços do novo hospital”, o qual, e segundo foi noticiado, tem 60 camas de internamento, seis salas de cirurgia, 34 gabinetes de consulta médica, 54 gabinetes de apoio a exames. Para a presidente da Fnam, o que está aqui em causa “não é a questão laboral, os médicos não se recusam a fazer escalas em Sintra. O que está em causa é a prestação de cuidados em segurança aos doentes”, alertando ainda para o facto de esta unidade ter sido construída com base numa iniciativa da Câmara de Sintra e com fundos do PRR “destinados a camas de cuidados continuados e até isto parece não estar definido nem assegurado, quando a região também é muito deficitária nesta área”, concluindo que a abertura “à pressa deste hospital, ainda sem recursos humanos próprios, só demonstra que tal mais parece uma ação de campanha à custa da sobrecarga dos médicos do HFF”. As fontes do DN reforçam também que “uma estrutura nova deveria ser uma coisa boa para as equipas e para a população, mas o problema é que não existem profissionais em número suficiente para assegurar mais uma urgência. Portanto, não há o aumento de oferta de serviços e de cuidados aos utentes, que a administração quer fazer crer”. Administração defende que equipas têm sido reforçadas A administração, por sua vez, rejeita este argumento, considerando que as equipas têm vindo a ser reforçadas. “Desde janeiro até esta terça-feira, dia 22, que têm sido contratados profissionais para as duas unidades hospitalares”, especificando que “no que diz respeito a médicos, foram contratados 36 (sete dos quais de Medicina Interna), na modalidade de contrato de trabalho, e 48 na modalidade de prestação de serviços, número que é significativo”. Mas mais três prestadores de serviço vão ser contratados no início de agosto para a área de Medicina de Interna.As fontes do DN garantem que “as contratações feitas para o HFF foram para colmatar as falhas que já existiam nas equipas e que estas voltaram a ficar ainda mais desfalcadas com os desvios de colegas para o SUB de Sintra". Quanto à deslocação de elementos da escala do HFF para o SUB de Sintra, a administração diz que “no SUB de Sintra estavam ao serviço três médicos no turno da manhã/tarde e dois médicos no turno da noite (quando esta se realizava em Mem Martins), realidade que se verificou com a passagem da SUB para o Hospital de Sintra”, tendo “as equipas passado a ter a seguinte composição: quatro médicos no turno da manhã/tarde e dois médicos no turno da noite. Assim, na prática, houve um reforço de um médico no turno da manhã/tarde, perfeitamente acomodado pelas contratações de médicos que têm sido realizadas nos últimos tempos. Desde a abertura, até ontem, foram atendidos em média, diariamente, no SUB do HS, 135 doentes por dia”. .Demissões. Ministra da Saúde reúne com administração do Hospital Amadora-Sintra. Fontes do HFF garantem que nestas escalas estão a ser integrados especialista das escalas fixas do HFF e os internos que também já as integravam, fazendo outro reparo: “Os profissionais vão sabendo que estão escalados para Sintra à medida que as escalas vão sendo atualizadas pode ser um dia antes”. E explicam: “Uma escala é feita para um mês ou mais, mas fica com ‘buracos’ e estes vão sendo preenchidos e atualizados. Sabemos que uma profissional, que estava de férias, foi informada horas antes de que iria regressar e ficaria de escala no SUB de Sintra 12 horas diurnas e mais 12 horas no HFF”. As mesmas fontes contam que dias antes do SUB de Sintra abrir o diretor do Serviço de Urgência Geral do HFF reuniu com as equipas e pediu-lhes colaboração para assegurar a nova urgência, mesmo assim, “houve quem acreditasse que seriam contratados mais médicos e que não teria este efeito”, porque o que está aqui em causa é “a responsabilidade clínica, a de dar respostas em segurança aos doentes, que recai sobre as equipas que estão de urgência”, argumentam. Para a administração da ULSASI, “a entrada em funcionamento do Hospital de Sintra nada tem a ver com a situação” - o agravamento da atividade no HFF. Na resposta do DN diz mesmo que “a disponibilidade de um médico especialista responsável pela urgência interna do HFF é uma realidade de há muito tempo e não teve qualquer alteração com o início da atividade do novo Hospital (de Sintra)”. Quanto à questão relatada ao DN sobre o facto de haver também profissionais na área da imagiologia que estão a ser deslocados para o SUB de Sintra para fazerem turnos, a ULSASI diz que “não se confirma”, referindo que “à data da entrada em funcionamento do Hospital de Sintra, tinham sido contratados 211 profissionais, número que, entretanto, é já superior. Os técnicos da área da imagiologia, por exemplo, já tinham sido contratados antes da abertura do novo Hospital e estiveram vários meses em formação e adaptação no HFF.” O que aconteceu é que “aquando da abertura do Hospital de Sintra, foram alguns deles transferidos, como é evidente, para esse hospital. Os restantes irão ser transferidos à medida que o aumento da atividade da unidade hospitalar se concretize, conforme previsto. Reforçamos que esses profissionais foram contratados para o Hospital de Sintra, pelo que não ocorre deslocação de profissionais, dado que é aí que estes profissionais devem desempenhar as suas funções”. O Hospital Fernando da Fonseca serve quase 600 mil habitantes (580 mil) desde o dia que abriu portas em 1995, mas, hoje, mais de 34% não têm médico de família. Há muito que a unidade está diagnosticada como uma das mais pressionadas em todo o país na área das urgências, pelo volume de utentes face ao número de profissionais nas escalas. Aliás, a construção do novo hospital Sintra surge precisamente pela necessidade de escoar doentes daquela unidade. A Ordem vai pedir esclarecimentos sobre o que está a acontecer. A Fnam diz que vai continuar a acompanhar e a “denunciar” situações.