António Salgado gosta de pensar na medula espinal como uma autoestrada, que liga o cérebro ao resto do corpo e por onde toda a informação processada no cérebro circula. "Quando essa autoestrada tem uma lesão, essa comunicação entre o cérebro e o resto do corpo é interrompida e isso leva às consequências que nós conhecemos. As mais visíveis são as consequências motoras", resume o investigador do Instituto para as Ciências da Vida e da Saúde da Escola Medicina da Universidade do Minho..O investigador lidera uma equipa que estuda o desenvolvimento de novas estratégias para a regeneração de lesões medulares há dez anos. "Nós trabalhamos essencialmente na combinação de três áreas: fármacos, farmacoterapias, biomateriais e células estaminais. Começámos por desenvolver novos biomateriais e, aos poucos, fomos adicionando as outras peças do puzzle"..Este puzzle vai-se montando devagar, mas tem dado frutos e alegrias à equipa de António Salgado. "Conseguimos reverter os problemas motores nos animais com as estratégias que fomos desenvolvendo ao longo destes últimos dez anos", garantiu..António Salgado explica que as alterações verificam-se, sobretudo, na forma como os ratos se movem. "Quando administramos as terapias que estamos a desenvolver no laboratório, eles conseguem recuperar parte da sua atividade motora, conseguem andar - não normalmente, mas com um grau de independência relativamente elevado", revelou..Mas não só. Os roedores conseguem também apoiar-se nas patas traseiras para se alimentarem. "Isso demonstra que a terapia induziu um grau de recuperação na espinal medula que lhe permite fazer isso, ou seja, permitiu regenerar o tecido a um ponto que eles conseguem suportar o peso nas patas traseiras e isso é muito importante", garantiu. Além disso, os investigadores conseguiram observar o ganho de algumas funções básicas fisiológicas..Os avanços da equipa da Universidade do Minho chamaram a atenção da revista científica Stem Cells, que destacou os resultados dos investigadores na capa da edição de maio. "É quase como um selo de qualidade no trabalho que estamos a desenvolver"..O próximo passo inclui o uso das mesmas estratégias em animais de maior porte, num contexto clínico veterinário, para mais tarde poder avançar para a parte humana. "Obviamente isso ainda está a muitos anos de distância. Nós estimamos que esta parte em que estamos agora vai demorar cerca de 5 a 6 anos e só depois é que podemos pensar na fase seguinte, se tudo correr bem", explicou o investigador..O processo é lento mas António Salgado garante que é para benefício da qualidade dos tratamentos. "Temos de ter muito cuidado, temos de fazer todos os passos para termos a certeza que as estratégias e as terapias que estamos a resolver são seguras", explicou..A equipa de António Salgado tem conseguido financiamento ao longo dos dez anos de investigação, mas o cientista explica que este é um desafio para quem trabalha em ciência, apesar de já terem conseguido investimento na ordem dos 2 milhões de euros..Além do financiamento público, a investigação foi suportada pelo Prémio Santa Casa Neurociências - Melo e Castro, atribuído pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa em 2013, e voltou a ser distinguida pela instituição em 2017, num total de 400 mil euros.."Quando [os prémios Santa Casa Neurociências] apareceram foram quase como um oásis. Foi em 2013, no pico da crise, com cortes de financiamento para a ciência enormes e é um prémio que é regular, que abre todos os anos, nós sabemos qual é o financiamento, sabemos quais são as áreas. Dá alguma estabilidade", contou.