Carlos Novo sempre teve a ideia que queria cuidar dos avós. Primeiro pensou que isso passaria por ser médico, mas à medida que foi crescendo percebeu que "cuidar e tratar é totalmente enfermagem". Por isso, decidiu entrar na Escola Superior de Enfermagem de Lisboa e nunca se arrependeu. "Nasci para ser enfermeiro", garante..Depois de ter começado a carreira num hospital, Carlos Novo mudou-se em dezembro de 2016 para a Unidade de Cuidados Continuados Integrados (UCCI) Maria José Nogueira Pinto, da Santa Casa da Misericórdia, na aldeia de Juzo (Cascais). Lidera uma equipa de 10 enfermeiros e 10 auxiliares que diariamente se dedicam à arte do cuidar..Além deste cuidar, "há proximidade", sublinha, que é nesta instituição mais visível do que quando Carlos estava no hospital. "São instituições diferentes, que estão a prestar cuidados diferentes e realmente quem procura a proximidade, afetos, cuidar, aqueles pequenos pormenores como escolher a roupa que quer para o dia a seguir do utente, pentear o cabelo, maquilhar a senhoras com os seus 70, 80, 90 anos, que nós todos os dias fazemos. Estes pequenos cuidados neste tipo de instituições é bastante gratificante. Depois também temos o retorno dos familiares e dos utentes.".Na unidade, é dia de magusto e todos se reúnem na sala de convívio para comer as castanhas e pão com chouriço. Só falta a jeropiga, mas "há chazinho que também é muito bom", sublinha uma das utentes. A decoração da sala foi feita por eles, "para irem trabalhando a motricidade fina e ao mesmo tempo estão ocupados", explica o enfermeiro..Apesar de estarem numa unidade de saúde, todos os utentes vestem roupa do dia-a-dia e até podem trazer objetos pessoais para decorar o quarto. Por isso, há quem tenha estátuas do buda, livros e desenhos na parede.."Tentamos que o utente esteja como se estivesse na sua casa. Até no quarto, com a disposição da mobília, objetos pessoais que eles trazem. É tudo muito familiar", elogia Carlos Novo..Reabilitar para o regresso a casa.Na instituição, existem 72 camas para receber doentes de cuidados continuados, ou seja, que precisam de reabilitação e que podem voltar a casa, e também doentes de cuidados paliativos, onde o objetivo é prestar cuidados e promover "o máximo de conforto e dignidade às pessoas". Carlos está num serviço de cuidados continuados e por isso trabalha nesta dinâmica do regresso a casa.."O grande objetivo é tentar promover o máximo de autonomia possível, para pensar sempre num regresso a casa, tão próximo quanto possível, e tentar que quando regressarem a casa, o seu dia-a-dia, seja o mais semelhante ao que era antes de terem sofrido determinado acidente que lhe tenha alterado essa condição de saúde.".A maioria dos doentes que aqui chegam sofreram AVCs, mas também há doentes que sofreram traumatismos, resultantes, por exemplo, de atropelamentos..Para promover o seu regresso a casa o mais autónomos possível, são delineados planos de intervenção individual, tendo em conta a contribuição de uma equipa multidisciplinar. "Além dos enfermeiros e auxiliares temos fisioterapeutas, nutricionistas, assistentes sociais, psicólogos, terapeutas ocupacionais e terapeutas da fala. Todos eles fazem um plano para aquele utente que é diferente dos outros e preenchem o dia dos utentes com diversas atividades para promover a sua autonomia", descreve o líder da equipa do primeiro piso da UCCI Maria José Nogueira Pinto..Embora se trabalhe com "foco" na autonomia, também é verdade que muitos utentes acabam por passar muito tempo internados. "Chegam a estar connosco dois, três, quatro anos", o que acaba por levar à criação de laços entre o pessoal clínico, os doentes e as suas famílias..Um dia-a-dia de afetos.Carlos Novo frisa como principal mudança entre a sua carreira de sete anos num hospital de agudos e os quase três anos que já leva de UCCI são as relações que se estabelecem com os utentes e as suas famílias.."Para mim que vinha de um hospital onde o máximo de tempo que estávamos com o doente a família era um mês, e já isso era um doente que estava muito tempo - porque nos hospitais os doentes ficam dois, três dias no máximo e quanto menos dias de internamento melhor. Aqui a realidade que apanhei é diferente. Há utentes que chegam a estar anos connosco e isso trouxe-me situações novas", admite..A grande dificuldade é conseguir manter os casos apenas dentro da unidade. "É bastante positivo a ligação que temos com as famílias e esses utentes, é muito familiar. Temos também que saber gerir muito bem, para que as situações que envolvem o utente não se tornem para nós também emocionalmente muito próximas. É tudo vivido com intensidade, mas também temos de saber para a nossa vida desligar um pouco, porque senão corremos o risco de ir para casa e levar algumas situações complicadas de vida relacionadas com o utente ou com o familiar. Também é preciso saber fazer essa separação. Agora, nem sempre é fácil, porque são 24 sobre 24 horas, com aquelas famílias, aqueles utentes, a viver os seus problemas, as suas angústias, é connosco que muitas vezes desabafam de outras coisas lá fora", reconhece..Porém, também é uma oportunidade de conhecer melhor as pessoas que cuidam todos os dias. "Já conhecemos tão bem os seus gostos, a maneira como aquele utente toma banho ou outro utente é diferente", exemplifica. E é esse cuidado que também faz a diferença. Os enfermeiros e auxiliares que todos os dias acompanham estes utentes sabem perfeitamente que "roupa preferem, como é que querem escovar o cabelo, como e quando querem lavar os dentes". Um apoio "já muito natural é como se fosse realmente um familiar"..Talvez por isso, os utentes, mesmo os que estão longe ainda de poderem voltar a casa, já lamentem o dia em que tenham de abandonar a unidade. "Vou ter saudades, quando voltar para casa de não ter todos os dias eles a entrarem no quarto e dizerem "bom dia princesas", mesmo que o dia lá fora esteja feio", refere uma das utentes.