O tema em debate era a bicicleta como arma de transição. Mas não foi só de transição para a mobilidade que os intervenientes do debate da Cimeira de Cascais do Mobi Summit falaram. O que se ouviu de vozes experientes a nível internacional é que a bicicleta é também um veículo para combater a sinistralidade rodoviária, para as pessoas serem mais saudáveis e mais felizes, para produzirem mais e logo para se alcançar benefícios económicos. Porque se os benefícios para o planeta não sensibilizam tanta gente, os financeiros podem ser mais sedutores..Em Portugal, numa década a falar de descarbonização e da construção de ciclovias, o aumento do uso da bicicleta "foi irrisório", disse José Carlos Mota, investigador e professor associado da Universidade de Aveiro, nesta quinta-feira, último dia da conferência. Esses resultados levam-no a apontar a oportunidade de se reequacionar aquilo que são as cidades, os espaços públicos, os transportes, a habitação. Em suma: é preciso falar mais sobre ordenamento do território. Porque se não há forma de se levar um filho à escola sem ser no carro próprio, estes conceitos vão por água abaixo. E o cidadão deve ser chamado a dar a sua voz..As metas europeias estabelecem as reduções dos níveis de CO2 em 55% até 2030. Mas José Carlos Mota lembra que não é só porque a União Europeia o diz que se tem que fazer: há razões válidas para mudar e não são apenas ambientais - há um número elevado de mortes na estrada, o modelo de vida urbana implementado levou a que o conceito de bairro se perdesse, as crianças já não brincam nas ruas que foram "cedidas" aos automóveis..Emma Stubb, que trouxe à conferência os 40 anos de experiência dos Países Baixos, acrescentou as razões económicas, porque entende que este é um argumento que a todos sensibiliza. Exemplificou com um estudo que concluiu que o carro significa um prejuízo de 38 cêntimos por quilómetro para as cidades, os autocarros 29 cêntimos e a bicicleta um benefício de 68 cêntimos. "O custo do uso do carro para a sociedade é maior do que vem da receita dos impostos.".Manuel Calvo-Salazar, diretor técnico do Estúdio MC, trouxe a experiência de Sevilha à conferência e entende que não basta falar de mobilidade sustentável e descarbonização, é preciso pôr números nessas expressões e nas necessidades de mudança que queremos fazer.."Até 2030 temos que reduzir o movimento automóvel em 75%. Será que em sete anos poderemos ter 75% de carros elétricos e resolver o problema?" E foi mais longe: "O que estamos a fazer em Sevilha, Paris e Países Baixos não é o suficiente, essa é a verdade nua e crua. Tem que haver uma reconsignação massiva das prioridades e dos fundos - e isso é uma questão política.".Calvo-Salazar referiu que, em Espanha, 70% do espaço urbano é usado por carros e que uma mudança drástica terá de passar pela criação de uma rede de transportes fiável. O uso da bicicleta, por outro lado, só pode ser atrativo se houver uma rede de ciclovias, não apenas faixas aqui ou acolá. Exemplificou que Sevilha construiu a sua primeira rede em 2006-2008 com 80Km, que tem sido alargada, desde então, até aos cerca de 200 km atuais. E disse que, nos últimos anos, o uso da bicicleta explodiu..Hermano Sanches Ruivo, luso-descendente vereador na Câmara de Paris, embora concorde que os cidadãos devem ser ouvidos sobre as cidades, entende que as políticas devem ser disruptivas. E que foi a adoção de medidas fortes que elevou a capital francesa a um patamar próximo de Amsterdão ou de Copenhaga, dois modelos mundiais do uso de bicicletas. Paris tem atualmente 1000 quilómetros de ciclovias e projeta mais 130 quilómetros ainda este ano, dispondo de 250 milhões de euros para aumentar as infraestruturas..O primeiro objetivo que moveu a Câmara de Paris foi assumidamente diminuir o número de carros na cidade - dois milhões de pessoas vivem na urbe e quatro milhões passam diariamente por lá. Apesar de admitir que o processo não é tão rápido como gostaria, o que justificou pela arquitetura institucional do estado francês, o vereador parisiense exemplificou com alguns incentivos que levou a que o uso da bicicleta tenha aumentado 60% nos últimos anos, como a atribuição de 400 euros na compra de uma bicicleta elétrica..Há 40 anos que os Países Baixos começaram a transformação da mobilidade. Aproveitaram a crise petrolífera, os domingos sem carros e os números da sinistralidade para sensibilizar. "Trezentas crianças morriam por ano quando iam para a escola, 3 mil pessoas por ano morriam nas estradas", disse Emma Stubbe..Se estas crises foram um catalisador para os holandeses, Emma considera que outras situações menos boas podem ser aproveitadas para fazer a transformação: "O que não faltam por aí são crises, do ambiente, da obesidade...".As mentalidades e a morfologia das cidades ajudam, mas a aposta em infraestruturas e parques com bicicletas partilhadas junto as estações de comboio ajudaram a que este meio de transporte vingasse..Emma Stubbe terminou com um apelo: "Ponham os olhos nos Países Baixos, temos 40 anos de experiência. Venham copiar, adaptem às vossas cidades, vejam o que pode funcionar para vocês."