Margarida

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Queria começar pelo princípio. Queria voltar ao princípio. À primeira vez que, com 19 anos, fizeste uma entrevista de TV, uma miúda com um capacete feroz de cabelo - usava-lo para te proteger, disse uma vez sobre ti José Luís Judas, e devia ter razão - com ganas para enfrentar tudo, todos, com ganas para dizer "Eu sou capaz". A miúda aguerrida, que mesmo sá-carneirista e social- -democrata enternecia o empedernido e inalcançável Cunhal. O rosto tão liso, tão doce na sua cândida determinação que agora revisitamos perplexos, espantados perante tanto descaramento.

Ah, eras descarada. Era mesmo uma das tuas maiores qualidades, essa mistura de coragem, curiosidade, vontade de saber, ironia, desafio e inteligência que faz os bons jornalistas - os jornalistas com direito ao nome. Está nas tuas fotografias, no teu sorriso, nos teus olhos, nas tuas entrevistas, mesmo quando estás tão séria, tão grave, tão meticulosa nas perguntas: há sempre uma malícia a cintilar no teu rosto, a dizer "vou-te apanhar agora". Sim, isso irritava tanta gente. Na proporção direta da que encantavas. Tinhas defeitos? Tinhas, e não os perdeste agora. Eras arrogante e teimosa. Podias ser cruel (e quem não?). Quando metias uma coisa na cabeça, deus. Mas eras capaz de pedir desculpa - coisa que é tão tão rara. E eras generosa. Capaz de reconhecer talento e puxar por ele em vez de temer a concorrência, capaz de, ao contrário do costume nas mulheres que alcançaram um estatuto num mundo de homens, puxar pelas outras. Capaz de fazer tudo, para além mesmo do que devias, pelas pessoas que amavas.

Já falei da lealdade? Não, não tinha falado. Tinhas esse que com a coragem é o mais nobre dos atributos. Aliados, são tão magníficos quão perigosos - podem perder-te. E agora que te perdemos todas estas coisas que dissemos e não dissemos ficam aqui, para nada.

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