Joaquim

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O Zé Manuel, da Junta Geral... O Fernandes, filho do Sr. André do banco... Um grande interior direito. O Carlos Alberto, que morreu num acidente..."

Domina o tremor com que segura a fotografia. Ergue os olhos para mim:

- Ainda me lembro deles.

Baixa-os:

- Desapareceu tudo.

Há anos que eu não faço uma reportagem, e há muitos anos que não faço uma reportagem sobre futebol. Mas agora o Angrense vai receber o FC Porto, para um jogo da Taça - não pude recusar.

Os bilhetes esgotaram em 48 horas. Foi preciso comprar uma iluminação nova e mandar vir de São Miguel um monte de assistentes de segurança. Lojas de recordações estamparam camisolas.

Eu vou ter a casa de Joaquim Maria, que foi capitão da equipa de 1936. Já o tinha visto uma vez, no barbeiro.

- 101 anos, tem este senhor - dissera o Walter. - 101!

Agora estou na sala dele. Tem o televisor ligado. Vê televisão o dia inteiro - sobretudo futebol.

- No meu tempo jogava-se bem. A linha avançada vinha buscar jogo atrás - diz. - Agora é muito rápido. Bola para a frente e uma pessoa fica sem saber onde joga cada um.

Mesmo assim, vê tudo. O Benfica, desde logo. Espanha, França, Inglaterra. Itália, não muito - às vezes a Rússia, que tem aquele extremo-esquerdo que vem buscar jogo atrás.

Está reformado desde antes do 25 de Abril, Joaquim Maria. Já se habituou à sua rotina de velho.

Depois falamos da tal equipa de 36. Pega na foto e, apesar da idade, diz os nomes dos jogadores. Eu invento-os aqui, porque tomei nota. Ele sabe-os todos. Os nomes, as profissões. De quem eram filhos, quando e como morreram - como jogavam, que habilidades faziam, que género de camaradas eram.

O Angrense joga sábado com o FC Porto. É o maior jogo de futebol desta ilha desde que cá veio o Benfica, em 67. Eu já não preciso ver: a minha crónica é sobre Joaquim Maria.

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