Coelho

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O que é que eu faço amanhã para a Joana? Se a febre hemorrágica não tivesse levado os coelhos-bravos quase todos, talvez pudesse experimentar aquele coelho com molho cru de que me falou a Lídia.

Pegava em dois acabadinhos de caçar e esfolava-os com cuidado, como a minha mãe fez toda a vida. Tirava-lhes as vísceras e a bílis e depois cortava-os aos pedaços.

Talvez a Catarina pudesse segurá--los para eu os esfolar. Tem-me surpreendido, a sua capacidade de adaptação. Ou talvez eu próprio já não seja capaz de esfolar um coelho e acabasse por ir pedir ajuda.

A minha relação com os bichos não pára de evoluir, embora ainda os coma com gosto.

Seja como for, trinchados os coelhos, punha-os numa tigela, a marinar num copo de vinho branco, com duas colheres de azeite e outra de massa de malagueta. Juntava-lhes quatro dentes de alho, um raminho de salsa, uns grãos de pimenta-da-jamaica, uma folha de louro, algum sal - e ia escrever.

Ao fim de umas horas, dava um entalão à carne. Enquanto isso, noutra tigela, deitava dois decilitros de azeite e um de vinagre, com uma colher de açaflor e outra de massa de malagueta, três cebolas médias, mais quatro dentes de alho e novo raminho de salsa - tudo picado.

Numa frigideira, punha então uma noz de banha, fritando a carne até ficar rosada. Concluída a operação, agarrava no molho já pronto e derramava-lho por cima, abafando tudo até ser hora de comer.

A Joana haveria de gostar. É toda ecológica, mas parece que, lá nas matas de São Francisco onde vivem, o Jason caça. E, sendo assim, a pequena Jade também já deve estar habituada.

Pensando bem, anda-me aquele coelho gordo todos os dias ali rente ao muro, olhando na direcção desta janela. Sobreviveu à febre e deu em provocador. Pergunto--me se o meu pai não quererá vir cá com a calibre 12, a ministrar--lhe uma lição de humildade.

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