Camarate

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Camarate foi durante anos um espectro a pairar sobre a democracia. A questão de saber se as mortes das pessoas que seguiam no pequeno Cessna, entre as quais o antigo primeiro-ministro Sá Carneiro e o seu ministro da Defesa, Adelino Amaro da Costa, foram causadas por uma queda acidental do avião ou provocadas pela explosão de uma bomba a bordo da aeronave arrastou-se por mais de duas décadas e se a algum lado se chegou foi à certeza de que perdurará para sempre um enigma neste caso.

O apuramento da verdade começou a ser maltratado desde o primeiro momento. O investigador inicial do caso foi afastado menos de um mês depois dos factos; a investigação foi entregue a um grupo dentro da PJ supostamente especializado em criminalidade violenta que concluiu depressa de mais pela tese do acidente; as testemunhas que diziam ter visto uma explosão e um rasto de destroços a cair foram quase inexplicavelmente desvalorizadas; o caso foi sequestrado por paixões políticas e instrumentalizado até à medula; os vestígios andaram de laboratório em laboratório e as diversas análises produziram resultados contraditórios. A lista de omissões e episódios mal explicados na investigação judicial é longa e tudo se transformou em pasto abundante para comissões de inquérito que prolongaram anos a fio uma discussão apaixonada, de fé absoluta na crença ou descrença.

A excitação política e a emocional que sempre acompanharam este caso transformaram-no também em território apetecível para meia dúzia de figuras, como a de José Esteves, o ex--bombista das redes de extrema-direita que actuaram no Verão Quente por todo o País. Que melhor caso poderia haver do que este, em que morrem figuras de topo da política, para todas as teorias de conspiração? Sobretudo daquelas que dão alguma notoriedade e, até, poder de negociação com autoridades políticas e judiciais...

É certo que muitas dúvidas persistem e que há muito não se pode afirmar com toda a certeza que em Ca- marate houve um acidente. A tese do atentado, porém, também não é suportada por provas inabaláveis. O que já é verdadeiramente insuportável é que, passados tantos anos, o país ainda se agite com o palavreado sem qualquer novidade ou pingo de credibilidade de uma figura como Esteves, o homem que diz ter fabricado uma bombinha incendiária, só para agitar a campanha de Soares Carneiro. Fran- camente...

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