Donald Trump já tinha um lugar reservado nos livros de história por, aos 78 anos, ser o mais velho presidente dos EUA a entrar em funções, e por ser o primeiro condenado criminalmente. Agora tornou-se naquele que mais ordens executivas assinou no primeiro dia em funções - 26. Uma ordem executiva é uma diretiva dirigida aos órgãos federais para fazer aplicar ou, pelo contrário, reverter as leis existentes. Apesar de a ordem executiva estar isenta de aprovação por parte do Congresso, este pode em teoria impedir que se torne realidade, por exemplo, ao cortar o financiamento relacionado com a medida. As ordens executivas podem também ser alvo de recurso judicial. ImigraçãoNo discurso de tomada de posse, o presidente declarou “emergência nacional” na fronteira sul devido à afluência de imigrantes, que disse poder considerar-se uma “invasão”. Como tal, deu ordem às forças armadas para “fecharem as fronteiras”, instruiu para que as entradas ilegais sejam impedidas e que as admissões de refugiados sejam suspensas pelo menos durante quatro meses. No campo da repressão à criminalidade, os cartéis de nartcotráfico vão ser declarados organizações terroristas, e o procurador-geral tem ordens para defender a pena de morte para crimes graves perpetrados por imigrantes sem documentos. A primeira consequência foi deixar 30 mil imigrantes num limbo. Estes tinham marcado a entrada nas próximas três semanas através de uma aplicação lançada há dois anos, CBP One. Mas a app, através da qual mais de 900 mil migrantes entraram nos EUA de forma legal, foi desligada. EconomiaNum comício realizado na segunda-feira à noite no pavilhão Arena One, na capital norte-americana, Trump assinou uma ordem executiva direcionada a todas as agências federais para estas combaterem a inflação. O índice de preços no consumidor registou um aumento de 2,9% em dezembro, em relação a igual período de 2023. Trump responsabiliza o preço dos combustíveis pela inflação, mas os números não batem certo: o galão de gasolina (3,7 litros) custa em média 3,12 dólares, mais barato do que em 1955 com os preços ajustados pela inflação. Energia e Clima Relacionado com o preço dos combustíveis, Trump declarou também uma “emergência nacional de energia”. Assinou uma ordem executiva para “libertar o potencial extraordinário de recursos do Alasca” para explorar petróleo, gás e outros recursos naturais. Em sentido oposto, suspendeu temporariamente todos os negócios de energia eólica, tanto no mar como em terra. Esta ordem proíbe que um projeto já aprovado para a construção de um dos maiores parques eólicos nos EUA, Lava Ridge, no Idaho, avance. Iria fornecer eletricidade a meio milhão de casas, mas Trump alega “deficiências jurídicas” na análise de impacto ambiental realizado pela administração anterior. As empresas atingidas poderão vir a contestar em tribunal estas medidas. Tal como na sua primeira passagem pela Casa Branca, Trump deu ordem para os EUA se retirarem do Acordo de Paris, o pacto em que quase todos os países do mundo se comprometem em adotar medidas para limitar o aumento global médio de temperaturas abaixo de 2ºC e ao qual os Estados Unidos voltaram com Joe Biden. A retirada do acordo dá-se um ano depois de o secretário-geral da ONU ser notificado, mas as críticas e preocupações fizeram-se ouvir por todo o mundo. “Verdadeiramente lamentável”, disse o comissário europeu Wopke Hoekstra. “As alterações climáticas são um desafio comum a toda a humanidade. Nenhum país pode ficar de fora, e nenhum país pode ficar imune a elas”, realçou a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, Mao Ning.Saída da OMS“A Organização Mundial de Saúde enganou-nos”, disse Trump aos jornalistas enquanto assinava a ordem executiva de retirada dos EUA daquela agência das Nações Unidas. Trump mostrou-se muito crítico pela forma como a OMS respondeu à pandemia de covid e acusou-a de ser controlada pela China. No final do seu primeiro mandato, suspendeu o financiamento à organização - os EUA são o seu maior contribuinte - e iniciou o processo de retirada, mas este, tal como o Acordo de Paris, demora um ano a fazer efeito, e a chegada de Biden ao poder impediu a saída. “Decisão cataclísmica”, comenta o diretor do Centro de Direito da Saúde Global da OMS, o norte-americano Lawrence Gostin. “Trata-se de um grave atentado aos interesses nacionais americanos e à nossa segurança nacional. Isto vai deixar as nossas agências [de saúde] às cegas.”IndultosOs homens que invadiram o Capitólio para impedir a certificação do resultado eleitoral de 2020 - classificados de “reféns” por Trump - foram todos perdoados, à exceção de 14 conspiradores de grupos da extrema-direita, nove membros dos Oath Keepers e e cinco dos Proud Boys. Estes não foram perdoados, mas as suas penas foram comutadas, tendo o presidente dado instruções ao procurador-geral para que estes fossem libertados. Apesar de esperado, tendo em conta as declarações anteriores de Trump, o indulto não cairá bem entre todos os republicanos. A procuradora-geral nomeada, Pam Bondi, ou o vice J.D. Vance, condenaram recentemente os invasores que agrediram os polícias. Mudança de nomesO presidente norte-americano decidiu mudar o nome do Golfo do México para Golfo da América, tal como já tinha indicado há duas semanas. Na altura, a presidente mexicana Claudia Sheinbaum reagiu com humor, ao sugerir que os EUA passem a ser chamados de América Mexicana, tendo por base um mapa de 1607. Sem o acordo do México, não é plausível que outros países sigam esta decisão. Ambos os países pertencem à Organização Hidrográfica Internacional, que tenta uniformizar os nomes das águas navegáveis, mas isso não é uma realidade (por exemplo, o Mar do Japão). Também ordenou a mudança do nome do Monte Denali, no Alasca, para o seu anterior nome oficial, Monte McKinley, em homenagem ao 25.º presidente, William McKinley, que ficou para a história pelo seu protecionismo e por ter travado uma guerra contra a Espanha. Em 2015, Barack Obama renomeou a maior elevação da América do Norte com o nome usado pelos nativos do Alasca. A ideia de Trump já tinha sido reprovada pelos dois senadores republicanos daquele estado. “É uma questão que não deve ser objeto de novo litígio”, disseram em dezembro.DireitosNo mesmo dia, Trump coarctou os direitos de dois grupos: os filhos de imigrantes e as minorias de género. Até agora, a Constituição concede a cidadania a quase todos os bebés nascidos em solo dos EUA. Mas a ordem executiva assinada pelo republicano visa excluir os filhos de imigrantes em situação por regularizar, bem como de estrangeiros em trabalho temporário ou em estudos. Esta medida é a mais controversa, por entrar em choque com a 14.ª emenda da Constituição, pelo que será dirimida pelos tribunais e “as suas perspetivas de sobreviver a essas lutas judiciais são escassas, mesmo perante um Supremo Tribunal repleto de juízes conservadores e nomeados por Trump”, prevê o advogado Thomas Wolf do Brennan Center for Justice. A outra medida visa reconhecer oficialmente apenas dois sexos, masculino e feminino, os quais serão definidos com base nas células reprodutoras no momento da conceção. Esta ordem executiva reverte as proteções criadas para as pessoas transgénero. Trump ordenou também o fim dos programas de diversidade, equidade e inclusão no governo federal. “O presidente não pode, com um movimento de uma caneta, mudar a realidade de quem as pessoas são e o facto de nós, como comunidade de pessoas, existirmos”, disse Jennifer C. Pizer, diretora jurídica do grupo de defesa de direitos Lambda Legal à NBC, prometendo litigância. Administração públicaTrump também congelou as contratações no governo federal, com exceção para os militares, criou o Departamento de Eficiência Governamental, dirigido por Elon Musk, de fazer cortes na despesa. Mas a empresa de advogados National Security Counselors diz que a constituição do painel do departamento viola a lei e apresentou queixa. TiktokA rede social criada na China e proibida pelo Congresso com o aval do Supremo Tribunal recebeu uma boia de salvação, ao adiar a proibição por 75 dias para que possa ser vendida a uma empresa dos EUA. Mas a medida de Trump é considerada ilegal e representa uma dor de cabeça jurídica.