"Queria anunciar que estou fora do Brasil há alguns dias”, anunciou em vídeo gravado ao ar livre a 3 de junho a deputada Carla Zambelli, condenada 20 dias antes a dez anos de prisão por ter invadido o sistema online do Conselho Nacional de Justiça com a ajuda de um hacker. Embora sugerisse estar em Itália, bastaram duas horas a um youtuber especialista em geolocalização para descobrir que, pelas palmeiras atrás dela, pelas matrículas dos carros em circulação e pelos prédios em forma de K nas imediações, a foragida estava no estacionamento da farmácia Galt Ocean Drive, em Fort Lauderdale, EUA.A detenção só não foi efetuada imediatamente porque a parlamentar do PL, partido de Jair Bolsonaro, ainda não constava, como hoje, da lista vermelha da Interpol, a polícia criminal internacional. Agora, já em Roma, onde pretendia permanecer a longo prazo beneficiando-se da dupla cidadania italiana e brasileira, Zambelli viu Alexandre de Moraes, juiz do Supremo Tribunal Federal (STF), decretar prisão preventiva e bloqueio de passaportes, salários, contas bancárias, redes sociais, bens móveis e imóveis. A bolsonarista procurou então apoio de Hugo Motta, presidente da Câmara dos Deputados, mas não foi bem sucedida. Motta, do Republicanos, um partido próximo do PL, informou que vai cumprir a decisão do STF e declarar a suspensão do mandato sem submeter o assunto ao plenário. “Quando há uma conclusão de julgamento do STF, não cabe mais ao presidente da Câmara colocar isso em votação, porque já há a condenação, a decisão judicial tem que ser cumprida”.Nem ao bolsonarismo Zambelli pode recorrer: desde que na véspera da segunda volta das eleições de 2022 perseguiu de arma em punho um apoiante de Lula da Silva pelas ruas de São Paulo, Bolsonaro rompeu relações com a fiel adepta, responsabilizando-a pela derrota do dia seguinte. Aliás, três juízes do STF já formaram maioria pela condenação da deputada a mais cinco anos e três meses de prisão por porte e emprego ilegal de arma de fogo mas outro magistrado pediu um adiamento de 90 dias para análise do processo.. Perseguir eleitores de Lula de arma em punho e fugir para o estrangeiro para não cumprir pena de prisão são, entretanto, apenas os episódios mais recentes de uma carreira pública atribulada. Zambelli, 44 anos, começou por integrar em 2010 o grupo feminista radical Femen antes de fundar anos depois o movimento Nas Ruas a pedir o impeachment da então presidente Dilma Rousseff e de se aproximar da extrema-direita brasileira. Ao lado de Bolsonaro, foi eleita deputada federal em 2018 e reeleita, como terceira mais votada do país, em 2022.No parlamento somou casos controversos como a acusação a Jean Wyllys, deputado do esquerdista PSOL, de pedofilia, em 2018. Condenada a pagar 40 mil reais (cerca de 6500 euros), pediu uma “vaquinha online” aos apoiantes. Em 2019, uma reportagem da revista Veja revelou que o filho da parlamentar ingressou num colégio militar sem passar pelo normal processo de seleção de candidatos e no ano seguinte publicou trechos bíblicos online onde insinuava que a morte de Gustavo Bebianno, um dissidente do bolsonarismo, fora castigo divino. Primeiro amiga mas depois rival da também ex-bolsonarista Joice Hasselmann, foi alvo de um processo por quebra de decoro parlamentar por chamá-la de Peppa numa alusão ao desenho animado de uma porquinha. Na pandemia, disse que no Ceará o número de mortos por covid-19 estaria inflacionado e que o estado, governado pelo PT, enterrava caixões vazios, o que lhe valeu novo processo. Nesse contexto, disse ter sido curada de covid pelo uso de hidroxicloroquina, um medicamento que Bolsonaro recomendava mas sem eficácia científica contra a doença, antes de ser desmentida pelo hospital particular DF Star onde se tratou. “Após extensa investigação clínica (...) a deputada não teve infeção por covid-19 (...) mas sim diagnóstico de endometriose”, disse a direção clínica numa nota.