Pedro Castro: "TAP poderá ter de reduzir capacidade e abandonar rotas para os Estados Unidos"
As tarifas anunciadas por Donald Trump representam uma ameaça à procura de turistas norte-americanos por Portugal?
Existem três elementos da política de Trump que estão a afetar o transporte aéreo nos Estados Unidos desde o início do mandato: os cortes governamentais aplicados logo no início do ano que se fizeram sentir nos orçamentos de viagens e que já levaram algumas companhias a reajustar a sua rede de voos domésticos e a rever em baixa as suas previsões de lucro; as declarações públicas inamistosas relativamente ao vizinho Canadá que já levaram ao cancelamento antecipado de alguns voos transfronteiriços, em particular nos meses de lazer de julho e agosto – cancelamentos esses que representam cerca de 320 mil lugares a menos; e agora o “dia da libertação” que gera um clima de tensão e desconfiança com o resto do mundo e que, consoante a trajetória do dólar, poderá afetar a procura dos turistas norte-americanos para a Europa.
Perante uma mudança cambial desfavorável ao turista, este poderá repensar o destino da sua viagem devido ao que vê e ouve, a sua “propensão gastadora” para viajar também pode estar afetada. Diria que estes são os maiores desafios e nenhum deles está sob o nosso controlo. Pela importância que este turista tem vindo a assumir em Portugal, resta-nos contrariar estas dependências e zonas de conforto e continuar o trabalho de diversificação dos mercados, incluindo procurar atrair mais turistas canadianos para os nossos destinos – para quem está na Costa Leste do Canadá, a Califórnia é tão longe como Portugal, por exemplo. Mas também é importante perceber: não existe um outro mercado com a dimensão do americano.
Que efeitos poderá ter uma quebra na procura por parte destes turistas nas rotas aéreas transatlânticas?
Em termos de capacidade, isto é, de lugares disponíveis para venda, o primeiro mercado afetado de forma muito marginal foi o Reino Unido que é aquele que é mais “empresarial”. A Norse Atlantic reduziu a capacidade nessas rotas em 18%e a American Airlines em 2%. No outro extremo, temos a Itália com mais 260 mil assentos do que no ano passado, graças a uma vastidão de voos diretos que incluem cidades secundárias como Nápoles, Palermo e Catania. Isto significa que, por enquanto, as companhias não estão a contar com uma quebra na procura.
Estou convencido de que este verão já não há tempo para haver consequências notórias no mercado transatlântico. As companhias já têm demasiados compromissos e vendas antecipadas. Se for necessário, irão fazer promoções de última hora ou, no limite, encurtar algumas operações sazonais. Em ambos os casos, isso irá comprometer a rentabilidade de algumas das rotas lançadas neste verão e que correm o risco de não voltar na próxima estação estival. A questão maior será mesmo essa: como é que vão fechar os planos para o verão de 2026? Lembrando que em aviação se trabalha com mais ou menos um ano de planeamento, ou seja, nas próximas semanas vai-se fechar o verão de 2026.
Um eventual recuo do mercado norte-americano pode acelerar a aposta das companhias aéreas em mercados alternativos?
De uma forma geral, neste eixo transatlântico existia um equilíbrio saudável que não precisava de grandes ajustes de capacidade, nem de procura de mercados alternativos para dar uso aos aviões: quando o dólar estava baixo, enchia-se o avião com europeus para os Estados Unidos, quando o dólar estava caro, acontecia o contrário. No atual clima e tensões com histórias de fronteiras mais apertadas e com alguma desmotivação instalada, é possível que este equilíbrio fique mais difícil. De uma forma também geral, o mercado americano – pela sua quantidade e qualidade da despesa – não é fácil de substituir e essa substituição ainda mais difícil se torna para países mais expostos e dependentes do turista americano, como a Irlanda. Mas a Irlanda tem outras indústrias mais importantes. A solução para Portugal mais imediata será apostar no Canadá e no México, dois mercados mais propensos a evitar os Estados Unidos e à procura de alternativas.
A TAP é a companhia que mais passageiros transporta a partir dos Estados Unidos para o país, tendo assumido uma quota de 28,8% no ano passado. Qual será o impacto de uma retração da procura?
Sofre, em primeiro lugar, quem está mais exposto ao mercado norte-americano. Para a TAP, os Estados Unidos já estão no Top 5 dos mercados em termos de receitas com uma grande percentagem das vendas feitas lá. Portanto, há aqui uma dupla exposição: à desvalorização do dólar e à quebra da procura do lado de lá. Em termos relativos e comparativos, a consultora AvBench apresentou um ranking de exposição ao risco de retração da procura norte-americana após o dia da libertação.
O aeroporto de Lisboa e a TAP surgem na lista, mas em posições bastante baixas: Lisboa é o 12º aeroporto europeu mais exposto e a TAP a 18ª companhia europeia mais exposta. No limite e se esta situação se prolongar no tempo, os impactos poderão incluir, por exemplo, a TAP reduzir a capacidade, primeiro em termos de frequências (deixar de ter dois voos por dia entre Lisboa e Boston, Washington e Newark e passar para apenas um) e, num segundo plano, o abandono de rotas (as diretas do Porto ou as mais longas e mais custosas). Neste tema, aquilo que me preocuparia mais é a robustez da TAP em enfrentar qualquer tipo de adversidade e não tanto o seu impacto teórico.
A British Airways e Londres Heathrow até podem estar mais expostos ao risco, mas se tiverem maior capacidade de encaixe para enfrentá-lo, estarão em melhor posição do que a TAP. Já no caso dos aeroportos – em Lisboa, os voos de e para os Estados Unidos ocupam slots altamente cobiçados, por isso a sua substituição num aeroporto congestionado e com lista de espera, será fácil recuperar qualquer impacto. Nos outros aeroportos, com exceção de Ponta Delgada, os voos de e para os Estados Unidos têm pouca expressão para se poder falar em impacto.
Qual é o perfil das ligações entre Portugal e os Estados Unidos?
Pela primeira vez na história e graças à United Airlines, neste verão de 2025 existirão ligações diretas entre Nova Iorque e os cinco principais aeroportos portugueses – Lisboa, Porto, Faro, Funchal e Ponta Delgada. Atualmente, Portugal conta com um número recorde de destinos (nove aeroportos) e de rotas diretas para os Estados Unidos, quase todas de Lisboa. Há 20 anos, em 2005, apenas duas cidades americanas - Newark e Boston - tinham voos diretos de Portugal (Lisboa e Ponta Delgada), devido à forte presença da comunidade luso-americana nessas áreas. Por outro lado, e considerando que, neste verão, 40 aeroportos americanos terão ligações diretas para pelo menos uma cidade europeia, a oferta portuguesa - com apenas nove aeroportos conectados nos Estados Unidos - ainda é relativamente limitada. Faltam ligações diretas para importantes hubs e cidades como Atlanta (o maior aeroporto do mundo), Dallas (hub principal da American Airlines), Seattle, Houston, Charlotte, Orlando e Denver, que têm registado um aumento significativo nas ligações para a Europa nos últimos anos. No conjunto de todos os voos diretos de Portugal para os Estados Unidos, o ano de 2025 terá 2,36 milhões de lugares de ida e volta, apenas mais 60 mil do que no ano passado, mas 345 mil do que em 2023.
A procura do mercado norte-americano por Portugal disparou nos últimos anos. De que forma este crescimento se traduziu na aviação?
Sem esquecer que nem todos os turistas nos chegam com voos diretos e que apenas nove aeroportos dos Estados Unidos têm voos diretos com Lisboa, aquilo que tem vindo a acontecer é a conversão de voos sazonais para Lisboa em voos anuais ou quase anuais (Filadélfia da American, Boston da Delta e Washington da United) ou a utilização de aviões maiores - o exemplo mais paradigmático é que aconteceu a 31 de março com a Delta Airlines que, mantendo as mesmas frequências, aumentou a capacidade em 30% apenas com uma mudança de avião, mas também a American e a United fizeram o mesmo.
Outros operadores lançaram-se em novos voos, alguns com elevado prejuízo como os da Azores Airlines do Porto e do Funchal para Nova Iorque, mas recuperados pela United Airlines que se tornou na única companhia a voar para os cinco principais aeroportos portugueses em simultâneo. A TAP foi abrindo progressivamente novos destinos (São Francisco e Los Angeles), aumentando frequências (Boston, Washington, Miami, Nova Iorque) e abrindo novas rotas (Porto-Boston, Terceira-São Francisco).
Portugal continuará a ser um destino estratégico para as companhias que operam estas ligações?
As companhias aéreas americanas estão cotadas em bolsa e têm uma enorme pressão para gerar dividendos. Elas olham para os seus aviões como ativos financeiros puros. A grande vantagem de Portugal é que é um voo curto da Costa Leste, ou seja, os custos operacionais dos voos para Portugal são mais baixos. Mas isto tem de ser acompanhado por uma tarifa média que permita rentabilizar o avião, o tal ativo financeiro e que não seja melhor fazer outra aplicação desse ativo (isto é, escolher outra rota). Para uma companhia aérea é indiferente se transporta turistas, residentes, empresários ou carga. O importante é a conta final fazer sentido e essa é a única estratégia dessas companhias.