Chegaram em força no pós-pandemia e são já o primeiro mercado emissor na cidade de Lisboa. A qualidade e a diversidade da oferta aliada aos preços baixos para quem traz dólares no bolso têm levado milhões de turistas dos Estados Unidos a encher aviões rumo a Portugal. A seguir à capital, o Porto, o Douro, o Alentejo e as ilhas fazem as delícias dos norte-americanos. Elogiados pelas associações do setor, são descritos como exigentes, bem informados e gentis. São awesome, dizem os líderes do turismo e confirmam os números das receitas do Banco de Portugal. Criteriosos, de carteiras recheadas e trato generoso na hora de gratificar o serviço. Em traços curtos, assim se apresentam os turistas dos Estados Unidos que chegam ao país. Gastadores convictos e com um poder de compra que se destaca dos restantes mercados emissores europeus de Portugal, os norte-americanos privilegiam experiências premium que não estão ao alcance de todos os bolsos. Hotéis de gama alta e restauração de luxo são dois dos requisitos que a maioria não dispensa na hora de planear as férias em território nacional. A aposta no wellness e em experiências culturais personalizadas completam a to do list a cumprir durante a viagem. “Os turistas norte-americanos são exigentes, mas leais: têm estadias mais longas, maior gasto médio diário e procuram experiências culturais ou gastronómicas de alto valor. Além disso, ajudam a equilibrar a sazonalidade, pois não dependem exclusivamente das férias de verão”, explica Rita Marques, codiretora do Executive Master Tourism Management e diretora do Tourism Futures Center do Innovation X Hub da Porto Business School. Para a também antiga secretária de Estado do Turismo, “há ainda muito a fazer” no que respeita à personalização da oferta. “Conhecer melhor os perfis e hábitos de consumo dos visitantes dos Estados Unidos permitirá criar experiências ajustadas, campanhas segmentadas e propostas de valor verdadeiramente diferenciadoras”, defende. O Turismo de Portugal destaca o perfil cada vez mais informado e interessado em programas de fidelização. “Os norte-americanos procuram destinos que aliem autenticidade, segurança e sustentabilidade, atributos nos quais Portugal se destaca. As viagens fora da época alta, entre novembro e abril, ganham cada vez mais tração, motivadas por preços mais acessíveis e menor afluência turística. Esta sazonalidade alargada representa uma oportunidade relevante para reforçar o posicionamento do país enquanto destino disponível todo o ano, com uma oferta diversificada em todo o território”, adianta. O desafio, remata o organismo liderado por Carlos Abade, “está em manter uma presença ativa, ajustando estratégias à evolução do consumidor, de modo a continuar a captar a atenção e o interesse de um dos mercados mais relevantes a nível mundial”..Hotelaria.A hotelaria de luxo portuguesa assume lugar cativo no leque de alojamentos. Preferem optar pelas marcas internacionais com presença no país para dar uso aos habituais cartões de fidelização. Gostam de um serviço informal e “não muito protocolar”, mas com elevada qualidade, aponta Cristina Siza Vieira. A vice-presidente executiva da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP) destaca a “elevada exigência” e caracteriza este mercado como os big spenders muito estimados também pelas elevadas gorjetas que oferecem - e que os trabalhadores agradecem. São “turistas apreciados pela sua bonomia, porque gastam bem e são muito elogiosos relativamente àquilo que Portugal tem para oferecer”. A estada é longa, mas no período de férias são adeptos de saltar de hotel em hotel. Há uma tendência de grupos de uma faixa etária mais sénior, “muitas vezes de mulheres com uma elevada apetência para viajar e uma curiosidade aguçada”. São, em suma, “um turista interessante”, mas há exceções. “Há um outro perfil, que são os turistas mais ruidosos. Sentem que o facto de estarem a pagar mais lhes confere o direito a uma certa arrogância”, ressalva..Restauração.Na hora de se sentarem à mesa, os norte-americanos procuram experiências autênticas e diferenciadoras. “É um visitante atento à qualidade do serviço, interessado na nossa gastronomia tradicional, nos vinhos portugueses, e cada vez mais aberto à descoberta de cozinha contemporânea com identidade local”, descreve a secretária-geral da Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP,) Ana Jacinto. Os restaurantes de categoria média-alta a alta, com cartas bem estruturadas, propostas de harmonização e “ambientes cuidadosamente pensados” são prioridade.“A faixa etária predominante é muito variada, mas destacam-se os turistas com um perfil informado, que investigam antes de viajar e procuram vivências que conjuguem história, cultura e sabores”, aponta. “Em suma, os turistas norte-americanos não se limitam a “comer fora” - fazem da gastronomia um pilar da sua experiência turística, o que reforça a importância de continuarmos a investir na valorização dos nossos produtos, na qualificação dos profissionais e na inovação sem perder autenticidade”, elogia..Alojamento Local.Apesar de a hotelaria cinco estrelas captar uma larga fatia deste mercado, a procura por outras tipologias de alojamento tem assumido expressão. Embora sem dados fechados, a Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP) atesta que “o mercado americano tem crescido bastante e é atualmente um dos mais importantes para o AL”. Por destinos, o presidente Eduardo Miranda destaca não só os grandes centros urbanos de Lisboa e Porto, mas também a região do Algarve, “onde estes turistas começam a ganhar mais relevância”..Aviação.Olhando para as motivações de viagem para Portugal no ano passado, a esmagadora maioria dos turistas norte-americanos (93,35%) aterrou em Portugal para passar férias, ou seja, em lazer, sendo que apenas 6,7% realizou uma deslocação ao país em negócios. Os dados do Turismo de Portugal cedidos ao DN revelam que entre janeiro de 2024 e janeiro de 2025, a TAP foi a companhia aérea que transportou um maior número de turistas daquele continente, com uma quota de 28,8%. Seguem-se a United Airlines (20,9%), a Delta Airlines (15,3%), a American Airlines (8,1%), a Sata International (4,1%), a British Airways (4,1%), a Air France (3,3%), a Klm Royal Dutch Airlines (3,2%), a Lufthansa (3,0%) e a Air Canada (2,8%). Já a principal cidade norte-americana de origem do voo para Portugal foi Nova Iorque (quota de 25,5%),seguida de Boston (10,5%), Washington (7,3%), San Francisco (6,0%), Chicago (5,4%), Miami (4,5%), Los Angeles (4,4%), Atlanta (2,4%), Dallas (2,1%), e outras cidades (31,9%). Cinco aeroportos portugueses - Lisboa, Porto, Faro, Funchal e Ponta Delgada -estarão, pela primeira vez neste verão, ligados diretamente a Nova Iorque, através da United Airlines. “Atualmente, Portugal conta com um número recorde de destinos (nove aeroportos) e de rotas diretas para os Estados Unidos, quase todas de Lisboa”, assinala Pedro Castro, diretor da SkyExpert, empresa de consultoria de transporte aéreo, aeroportos e turismo. “Há 20 anos, em 2005, apenas duas cidades americanas - Newark e Boston - tinham voos diretos de Portugal (Lisboa e Ponta Delgada), devido à forte presença da comunidade luso-americana nessas áreas”, relembra. O especialista acredita, no entanto, que a oferta é ainda “limitada” considerando que, neste verão, 40 aeroportos americanos contarão com ligações diretas para, pelo menos, uma cidade europeia. “Faltam ligações diretas para importantes hubs e cidades como Atlanta (o maior aeroporto do mundo), Dallas (hub principal da American Airlines), Seattle, Houston, Charlotte, Orlando e Denver, que têm registado um aumento significativo nas ligações para a Europa nos últimos anos”, defende.Contas feitas a todos os voos diretos de Portugal para os Estados Unidos, este ano o país contará com 2,36 milhões de lugares de ida e volta, o que representa um acréscimo de 60 mil lugares face ao ano passado. Comparando com 2023, o salto é de 345 mil lugares. .Agências de viagens.Do lado das agências de viagens, os norte-americanos representam parte da atividade incoming. Ao contrário de outras franjas da atividade, a Associação Portuguesa das Agências de Viagens e Turismo (APAVT) não perspetiva um impacto direto tão agressivo na atividade. “Um eventual recuo na procura não afetará globalmente toda a atividade, mas apenas parte dela. As agências de viagens que trabalham com Lisboa provavelmente terão, neste momento, como mercado emissor mais importante, o norte-americano e serão mais impactadas. Este cenário afetará a parte do setor que trabalha as regiões para onde o mercado americano é mais importante”, explica o presidente Pedro Costa Ferreira. .Golfe.Para a fileira do golfe, e apesar de os Estados Unidos serem ainda um mercado emergente, a procura destes turistas tem vindo a ganhar expressão e as suas características assumem-se como uma mais-valia no catálogo de clientes. “Têm a vantagem de viajar ao longo do ano, o que ajuda a reduzir a sazonalidade, algo que afeta regiões como o Algarve. Quando o turismo de praia abranda, o golfe continua a atrair visitantes e mantém a economia a mexer. É um público que procura qualidade e que valoriza cada detalhe. Estão habituados a padrões altos - seja nos campos, nos serviços ou nas práticas sustentáveis”, afiança o presidente do Conselho Nacional da Indústria do Golfe (CNIG).Nuno Sepulveda salienta que os norte-americanos gastam acima da média, o que impacta diretamente a economia local. “Estão a ajudar-nos a alargar o leque de mercados no turismo de golfe, o que dá mais estabilidade ao setor e reduz a nossa dependência dos mercados habituais. Muitos chegam cá por recomendação de amigos ou porque viram algo nos media dos Estados Unidos, que têm dado bastante atenção ao golfe em Portugal”, acrescenta. .Rent-a-car.Os Estados Unidos afirmaram-se, nos últimos anos, como um dos principais mercados emissores para o setor da rent-a-car em Portugal, com especial destaque na região de Lisboa, onde já ocupa um lugar no pódio em termos de volume de clientes internacionais e de faturação. “Estes turistas demonstram uma clara preferência por veículos de gamas média-alta e premium, e por períodos de aluguer prolongados. São viajantes experientes, com estadas mais prolongadas e com maior predisposição para explorar o país de forma autónoma e confortável - o que reforça a importância do automóvel como meio privilegiado de mobilidade durante a visita”, enquadra o secretário-geral da Associação dos Industriais de Aluguer de Automóveis sem Condutor (ARAC), Joaquim Robalo de Almeida. No que respeita à tipologia de viaturas alugadas destaca-se uma “forte preferência” por modelos de gamas média-alta, SUV e premium, com caixa automática e com elevados padrões de conforto e segurança. “Este comportamento reflete não só uma maior disponibilidade financeira, mas também uma valorização clara da qualidade do serviço e da experiência de condução”, assegura. “O turista norte-americano valoriza, de forma muito significativa, a simplicidade e eficiência no processo de reserva, o atendimento profissional e personalizado, e a transparência nas condições do aluguer. São consumidores informados, habituados a padrões elevados e com expetativas muito claras - o que representa, para o setor, um desafio saudável que tem contribuído para a elevação contínua dos níveis de exigência e qualidade do serviço prestado em Portugal”, firma. .Animação turística.Para o presidente da Associação Portuguesa de Empresas de Congressos, Animação Turística e Eventos (Apecate), António Marques Vidal, o perfil deste cliente é eclético e dinâmico, com uma apetência para as mais diversas atividades. “Há o turista que acumula o trabalho com lazer, o turista que consome essencialmente cultura urbana, o que escolhe programas de natureza, o que vem com um foco num evento determinado, o que se associa ao walking ou cycling e há os que misturam várias motivações”, enumera. .Tuk-tuks.Mergulhar nos centros históricos das cidades portuguesas à boleia de um tuk-tuk é um dos passeios mais populares entre os estrangeiros que visitam o país. Os norte-americanos não são exceção e para a Associação Nacional de Condutores de Animação Turística (Ancat) a diferença reside na gorjeta. “O americano sabe dar um valor acrescentado ao trabalho prestado. Os europeus, apesar de ficarem genuinamente contentes, têm outra atitude com a gratificação”, elucida o presidente Frederico Carvalho. O responsável descreve estes turistas como exigentes, conhecedores e abertos ao mundo. .Turismo antecipa quebra na procura de americanos e perdas de milhões com políticas de Trump.Novo turismo de luxo em Portugal procura história e tradição