Na última semana, o Tribunal Constitucional divulgou o acórdão sobre a análise que fez à lei da morte medicamente assistida/eutanásia. O essencial foi: com três questões apontadas, “formou-se maiorias no sentido da inconstitucionalidade”. Para a advogada Eva Dias Costa, investigadora do tema e especialista em Direito Biomédico, esta não é a parte mais importante do veredicto. “O acórdão do Tribunal Constitucional é muito democrático e diz que não cabe ao juiz constitucional decidir isto. A Constituição tem espaço. E onde é que, então, o Tribunal Constitucional chumba? Chumba nas garantias, Diz, ok, pode haver lei para morte medicamente assistida, mas não é esta lei ainda”, argumenta Costa. Segundo a especialista, “é um recado de que a lei deve ser refeita e com mais atenção”.A advogada, que acompanha o tema há anos, afirma que analisou “muito a fundo” o veredicto dos juízes do Palácio Ratton. “Neste acórdão em particular, o terceiro, o tribunal é ainda claro. Que é um processo democrático, que a Constituição não consagra um direito fundamental à morte assistida, mas que também não proíbe. Neste espaço constitucional o legislador pode legislar. Para mim, é isto o fundamental daquilo que diz o Tribunal Constitucional e é muito refrescante”, explica a especialista. De acordo com Eva Dias Costa, o veredicto está em linha com o que diz o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos sobre a matéria, ou seja “os Estados têm espaço dentro da Convenção Europeia dos Direitos Humanos para legislar e para permitir a morte medicamente assistida, ou seja, que não há um direito consagrado, mas há espaço para permitir”. Mas e o chumbo? Eva Dias Costa frisa que esta terceira análise dos juízes é mais clara nas normas, isto é, nos pormenores da lei. “O TC diz ‘atenção, que a lei não pode ter formulações que sejam ambíguas ou redundantes, não pode ser, em matérias como estas, a lei tem que ser absolutamente clara’”. É o caso, por exemplo, dos trechos da legislação que pressupõem que o doente tem o direito a escolher entre os dois métodos de morte medicamente assistida - suicídio ou eutanásia. “Na sua atual versão, a lei só consente a eutanásia se o doente estiver fisicamente impossibilitado de autoadministrar os fármacos letais. No entender do tribunal, estes lapsos do legislador, numa matéria extremamente sensível, podem criar dificuldades desnecessárias ao intérprete e geram um risco evitável de má aplicação do direito, ofendendo o princípio constitucional da segurança jurídica”, lê-se na nota à comunicação social enviada pelo TC. “Esta tem que ser uma coisa claríssima”, analisa Eva Dias Costa.Amarras religiosas Com um debate jurídico e político que se arrasta há anos, especialista considera que o tempo é necessário para discutir uma matéria deste nível de importância. “A morte medicamente assistida não é uma coisa para se entrar de ânimo leve”, resume. Ao mesmo tempo, é categórica ao afirmar que não se deve levar em conta dogmas religiosos, e que “o debate da eutanásia e do suicídio assistido está todo cooptado pela ideologia e pela religião”, o que não pode ser. “Eu penso que assuntos bioéticos não podem ser discutidos nem com amarras religiosas, nem com amarras ideológicas. E que os nossos deputados tenham a responsabilidade, têm o dever de se desamarrarem ideológica e religiosamente destes assuntos. Não se pode olhar para eles com vieses, quer sejam ideológicos ou religiosos”, argumenta. E porquê? “O estado em Portugal é laico”, relembra.Mas há o outro lado da moeda, alerta. “Há forças políticas em Portugal que operam da seguinte forma, a meu ver, é a minha opinião: apoderam-se de determinadas causas. Aconteceu com a lei da violência obstétrica, com a maternidade de substituição, acontece com a morte medicamente assistida, muitos não têm, maturidade, a palavra é mesmo esta, para pensar os temas, pensam neles porque querem ganhar protagonismo e depois fazem leis com os pés, más leis, péssimas leis, que fazem mal às pessoas, na vida real”, reflete. “Eu acho às vezes criminoso que se legisle assim”, complementa.Na visão da especialista, e pela leitura que faz do acórdão do TC, é necessária “moderação” neste debate para preparar uma nova lei. Mas não só. Como também foi debatido pelos juízes, para se falar em morte medicamente assista é preciso que o país esteja preparado para oferecer cuidados paliativos aos pacientes. “Só há verdadeira autonomia quando há escolha. Portanto, só quando há uma boa estrutura de cuidados paliativos. Quando as pessoas realmente estão bem acompanhadas no fim de vida é que se pode começar a pensar em morte medicamente assistida. Porque senão o que o Estado está a fazer é desistir do dever de cuidar”,explica. A avaliação que faz de Portugal neste momento é que “não há boas estruturas de lares, porque não há boas estruturas de cuidados paliativos, os cuidados de saúde estão, muitas vezes, por um fio”.Com eleições a caminho [legislativas a 18 de maio] e este acórdão que inviabilizará a aplicação desta lei aprovada há dois anos, o futuro do tema ficará para o próximo Parlamento eleito, deputados aos quais Eva Dias Costa pede que não tenham “arrogância” em ouvir técnicos e académicos, sem dogmas religiosos ou ideológicos. “O tribunal recomenda ao legislador, muito elegantemente, que o faça, que o faça com cuidado”.amanda.lima@dn.pt.Decisão "dá razão" ao Governo. CDS saúda veto do Tribunal Constitucional sobre a eutanásia.Tribunal Constitucional declara inconstitucional lei da eutanásia