Após vários anos de uma espécie de faroeste no crédito malparado, com “atropelos aos direitos” de clientes, vai entrar em vigor, em outubro, o novo regime jurídico de Cessão e Gestão de Créditos Bancários. Com o novo enquadramento legal, a DECO espera uma maior fiscalização sobre este setor e proteção dos clientes bancários que, por razões muito díspares, entram em incumprimento. A iniciativa decorre de uma diretiva europeia que já deveria ter sido transposta há dois anos, em 2023, alertou a jurista da Associação Portuguea para a Defesa do Consumidor, Natália Nunes.Em causa está a transferência, pelos bancos, do seu crédito malparado para entidades externas, do desconhecimento dos clientes, o que tem acarretado a cessação dos direitos de renegociação bem como da possibilidade de saldar a dívida e retomar o pagamento do crédito a prestações. Mesmo quando em causa estão situações como desemprego, perda de rendimento ou despesas acrescidas.A Deco revela que as queixas de consumidores têm sido frequentes, mais concretamente a partir de 2017, por clientes que são alvo de cessão dos seus créditos, pessoal ou de habitação. “Tem sido um processo - que eu diria - ‘penoso’ para os consumidores, até devido à ausência de legislação, que pressupõe a ausência de proteção aos consumidores, que ficam numa situação muito frágil”, descreve a jurista da Deco, em declarações à Lusa.As famílias dirigem-se aos serviços jurídicos da associação por ‘vagas’, coincidindo com os momentos em que os bancos vendem grandes carteiras de crédito malparado. Não sabem que entidades são, como contactar, e às vezes são vítimas de abordagens agressivas. Se já se encontram numa situação vulnerável, em incumprimento, quando são alvo de uma cessão de crédito “essa vulnerabilidade ainda é agravada quando estamos a falar da habitação” e o interlocutor passa a ser uma empresa não financeira, que nem sequer é supervisionada pelo Banco de Portugal, acrescenta Natália Nunes. A partir daí, os clientes deixam de estar abrangidos pela legislação que rege os contratos de crédito à habitação e, com isso, deixam de poder exercer o chamado direito de retoma do contrato, isto é, saldar a dívida em atraso e voltar a pagar o empréstimo a prestações. Depois destes processos, muitas famílias prederam a morada de família.Por isso, os especialistas alertam para a importância de se reportar logo que que se saiba que vai haver dificuldades, tentando uma renegociação, e não deixar arrastar o incumprimento, porque a estratégia da maioria dos bancos portugueses continua a ser o da redução do stock de crédito em incumprimento, através da venda carteiras de crédito malparado. Muitas pessoas julgam que se continuarem a pagar mensalmente uma quantia não entram em incumprimento, mas estão enganadas.Para repor alguma justiça e transparência neste setor que tem vivido sem supervisão, estas empresas e o seu exercício passa a ficar sob a égide do Banco de Portugal. Este passa a poder destituir administradores, proibir a atividade de gestão e aplicar sanções robustas com coimas que podem atingir um milhão de euros para quem exorbitar os limites legais, à semelhança do que vigora no setor bancário. com Lusa