O acordo de cessar-fogo no Líbano implica a saída das tropas israelitas do sul do país no prazo de 60 dias, que termina no domingo, mas as Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês) terão pedido uma extensão da data por 30 dias. Os israelitas alegam que continuam a encontrar infraestruturas e armas do Hezbollah, que é suposto recuar para o norte do rio Litani no mesmo prazo. O Líbano de hoje, com a sua nova liderança política, não é o Líbano de há 60 dias e muito menos o de há seis meses, onde o grupo xiita parecia não ter rival. Mas a ideia de prolongar o prazo não agrada a ninguém. “O acordo incluía uma meta de 60 dias para concluir a retirada das IDF do sul do Líbano e para o Exército libanês ocupar o seu lugar, mas não era definitivo e foi redigido com alguma flexibilidade”, disse o embaixador de Israel nos EUA, Michael Herzog, à Rádio do Exército de Israel, confirmando que estavam em negociações com os norte-americanos para alargar a data limite. De acordo com a imprensa israelita, já haveria um acordo com a Administração de Joe Biden, mas o novo presidente dos EUA, Donald Trump, estaria a insistir na data inicialmente prevista. Na semana passada, o presidente francês, Emmanuel Macron, defendeu em Beirute a “retirada completa” das forças israelitas. E o novo presidente libanês, Joseph Aoun, tem estado em contacto com os dois países (que ajudaram a negociar o acordo) para forçar Israel a retirar totalmente. Israel já tinha dito há dois meses que o prazo para a retirada era demasiado ambicioso e, há um mês, começou a preparar-se para ficar para lá do estipulado, segundo o jornal israelita Haaretz. O porta-voz do governo de Benjamin Netanyahu considera que, apesar de algumas ações positivas, o exército libanês não está a atuar “suficientemente rápido” e que “há mais trabalho a fazer”. Em comunicado, o Hezbollah disse que se Israel ficar no Líbano para lá do prazo isso será “uma violação flagrante do acordo e uma infração à soberania libanesa”. No passado, os seus dirigentes ameaçaram retomar os ataques com rockets e drones.Mais de um ano de conflitoApós o ataque do Hamas a 7 de outubro de 2023 e o início da guerra na Faixa de Gaza, as trocas de tiro tornaram-se diárias na fronteira entre Israel e Líbano, com o Hezbollah a atuar em “solidariedade” com os palestinianos. Israel acabaria por invadir o sul do Líbano a 1 de outubro do ano passado. Quinze dias antes, tinha lançado um ataque sem precedentes, fazendo explodir os pagers normalmente usados pelos militantes do Hezbollah. Um revés para o grupo, apoiado pelo Irão, que se agravou com a morte do líder histórico Hassan Nasrallah e de outros dirigentes em vários ataques israelitas. Após quase dois meses de bombardeamentos e com as IDF já no rio Litani (cerca de 30 km a norte da linha de fronteira), o cessar-fogo acabaria por entrar em vigor a 27 de novembro, tendo mais de 3800 pessoas morrido no Líbano desde outubro de 2023 e um milhão sido forçadas a fugir de casa. Do lado israelita, 82 soldados e 47 civis morreram, com 60 mil deslocados. O acordo de cessar-fogo, negociado com o apoio dos EUA e da França, previa a retirada gradual das forças israelitas no prazo de 60 dias, assim como o fim da presença armada do Hezbollah do sul do Líbano. Na prática, voltava a aplicar-se a resolução 1701 das Nações Unidas (que acabou com a última guerra, em 2006, mas nunca foi totalmente implementada pelo grupo xiita), com o exército libanês e a força de paz da ONU (Unifil) a assumirem o controlo da região.Apesar das denúncias constantes de violações do cessar-fogo, este não foi posto em causa nos últimos quase três meses. Segundo os dados oficiais libaneses compilados pela agência de notícias turca Anadolu, houve pelo menos 660 violações do cessar-fogo do lado israelita (que resultaram em mais 37 mortes), enquanto uma fonte das IDF disse ao The Jerusalem Post que houve “dezenas de violações significativas” da parte do Hezbollah.O enfraquecimento do grupo xiita, agravado ainda mais com a queda do regime sírio de Bashar al-Assad, coincidiu também com o desbloqueio da situação política no Líbano, que estava há mais de dois anos sem presidente. Ao abrigo do complexo sistema sectário de partilha do poder, o cargo está reservado a um cristão maronita (o primeiro-ministro é sempre um sunita e o líder do Parlamento é um xiita) e desde o fim do mandato de Michel Aoun, em outubro de 2022, que não havia acordo entre os 128 deputados para eleger um sucessor. O general Joseph Aoun (sem relação com Michel), até então comandante das Forças Armadas, acabaria por ser eleito presidente a 9 de janeiro com os votos dos deputados do Hezbollah, depois de o candidato preferido do grupo, Suleiman Frangieh, ter desistido. A nomeação do presidente desbloqueou a de um novo primeiro-ministro. Mais uma vez o Hezbollah foi ultrapassado, acabando por se abster da votação a 13 de janeiro quando se tornou claro que o presidente do Tribunal Internacional de Justiça, o juiz Nawaf Salam, seria eleito - e o interino Najib Mikati, que apoiava, não seria reconduzido. Mas a formação do governo, onde os xiitas insistem em ficar com a pasta das Finanças, continua difícil, com Salam a querer nomear uma figura independente não relacionada nem com o Hezbollah nem com os seus aliados do Amal. Tanto Aoun como Salam prometeram unir os libaneses e trabalhar para garantir que Israel iria retirar “do último centímetro ocupado de terra” do Líbano. Também se comprometeram com a reconstrução, sendo que foram as zonas xiitas as mais afetadas pela invasão. Além disso, defendem que o Estado deve ter o monopólio das armas no país, o que é visto como uma mensagem para o Hezbollah.