A Baía de Nanmen, na Ilha Dongshan (Zhangzhou, província de Fujian), tornou-se um destino turístico popular pela sua paisagem costeira peculiar.
A Baía de Nanmen, na Ilha Dongshan (Zhangzhou, província de Fujian), tornou-se um destino turístico popular pela sua paisagem costeira peculiar. FOTO: D.R. / Macao Daily News

Comércio, língua e cultura: o encontro histórico entre Fujian e Portugal

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Quando se fala das ligações históricas entre a China e Portugal, o nome de Macau surge quase inevitavelmente como primeira referência. Contudo, poucos sabem que, várias décadas antes da fundação oficial de Macau em 1557, os portugueses já tinham mantido atividades comerciais na zona costeira de Zhangzhou (designada como Chincheo em documentos históricos portugueses), na província chinesa de Fujian, durante quase 30 anos. Até mesmo a palavra chinesa para “Portugal” teve origem no dialeto do sul de Fujian.

Situada no sudeste da China e vizinha de Guangdong, a província de Fujian foi um ponto de partida fundamental da antiga Rota Marítima da Seda, que unia o Oriente ao Ocidente. A sua linha costeira recortada e a existência de diversos portos naturais favoreceram o florescimento do comércio marítimo. Entre esses portos destaca-se uma pequena vila de pescadores, designada por Yuegang (Porto da Lua), devido à forma de crescente que o seu território descrevia.

Graças à sua localização estratégica e às políticas de abertura parcial ao comércio marítimo durante a Dinastia Ming, Yuegang converteu-se, a partir de meados desse período, no único porto na China autorizado ao comércio privado com o exterior, conectando-se diretamente a 47 países e regiões, incluindo Sudeste Asiático, Península da Indochina, Coreia, Ryukyu e Japão, estabelecendo ainda, através de Manila, rotas comerciais com a Europa e as Américas.

No início do século XVI, navegadores portugueses chegaram à costa de Guangdong. Após conflitos com o governo Ming, dirigiram-se para nordeste, alcançando o litoral de Fujian. Em 1518, o capitão Jorge Mascarenhas pretendia viajar para o Reino de Ryukyu, via Zhangzhou, mas, ao perder a monção, viu-se obrigado a permanecer na região cerca de seis meses.

Arco Comemorativo de Tanhua, localizado na cidade antiga de Zhangzhou, província de Fujian. Construído inteiramente em pedra, em 1605, foi erguido em homenagem a Lin Shizhang, que obteve o título de Tanhua (terceiro colocado no exame imperial da Dinastia Ming). O arco é ricamente adornado com esculturas de dragões, fénices, flores e figuras humanas.
Arco Comemorativo de Tanhua, localizado na cidade antiga de Zhangzhou, província de Fujian. Construído inteiramente em pedra, em 1605, foi erguido em homenagem a Lin Shizhang, que obteve o título de Tanhua (terceiro colocado no exame imperial da Dinastia Ming). O arco é ricamente adornado com esculturas de dragões, fénices, flores e figuras humanas. FOTO: D.R. / Macao Daily News

No relatório que enviou, elogiou Zhangzhou como um lugar extremamente promissor para o comércio português, calculando lucros que poderiam duplicar os de Cantão, além de destacar que o povo local era mais próspero e cordial do que o povo da cidade cantonesa.

Outro viajante português da época, Galeote Pereira, deixou um testemunho ainda mais pormenorizado de Fujian. Em 1549, Pereira foi capturado durante uma operação chinesa de repressão da pirataria e permaneceu detido em Fujian durante mais de um ano. Depois de se evadir da China, redigiu um relato intitulado Algumas Cousas Sabidas da China, no qual descreveu de forma envolvente e relativamente precisa o sistema político, a economia e a vida social do império Ming, pormenorizando o funcionamento dos exames imperiais (keju) e do Sistema Judicial chinês, dedicando ainda especial atenção às técnicas agrícolas, aos costumes, à culinária, às tradições religiosas e às artes arquitetónicas de Fujian.

Boa parte da sua narrativa centrou-se nas muralhas, pontes, estradas e edifícios das cidades, exaltando a técnica de construção em tijolo e pedra própria da região de Fujian, bem como a riqueza dos trabalhos de escultura.

Com a intensificação das atividades comerciais portuguesas em Yuegang, Zhangzhou e, posteriormente, em Macau, começou a exportação contínua de seda e porcelana chinesas para a Europa, enquanto eram introduzidas na China especiarias do Sudeste Asiático e armas de fogo - conhecidas na China como “canhões folangji”.

Além do intercâmbio de mercadorias, a comunicação entre China e Portugal refletiu-se também na língua e na cultura. O termo português “Chincheo”, usado para designar a cidade de Zhangzhou, provém da pronúncia do nome da cidade em minnan (dialeto do sul de Fujian). Já o nome Macau (antigamente “Amacau”) deriva do nome cantonês para o templo ou porto de A-Má.

Poucos imaginam, porém, que a palavra chinesa para “Portugal” (Pútáoyá, literalmente “dentes de uva”) também originou no dialeto minnan. Os primeiros chineses que entraram em contacto com os navegadores portugueses foram mercadores de Fujian. Ao reproduzirem a palavra “Portugal” segundo a fonética local - em que “Portu” soava como a palavra “uva” e “gal” se aproximava do som de “dente”- deram ao país, quase por acaso, um nome que não só se tornou a sua designação oficial em chinês, mas que coincide poeticamente com a imagem de Portugal como importante produtor de vinho. Este episódio reflete a profunda marca da cultura de Fujian na história das relações sino-portuguesas.

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