Entre as provas que os procuradores norte-americanos vão apresentar contra Paul Manafort haverá fotos da cascata que mandou construir no jardim de uma das suas quatro casas, do seu relógio de 21 mil dólares da marca Bijan (cujo slogan é "a loja mais cara do mundo") ou dos tapetes e antiguidades em que terá gasto dois milhões de dólares..O objetivo é provar aos 12 jurados, que começam hoje a ser escolhidos no TribunalF ederal de Alexandria, na Virgínia, que o ex-chefe de campanha do presidente Donald Trump é culpado de 18 crimes de evasão fiscal e fraude bancária - acusações que o próprio continua a negar. Se for condenado arrisca uma pena de 305 anos de prisão..Mas no que todos estarão focados em Washington, a menos de 15 km de distância, é em saber mais pormenores sobre a investigação do procurador-especial Robert Mueller, referente à alegada interferência russa nas presidenciais de 2016 e o eventual conluio da campanha de Trump..Foi dessa investigação que surgiram as acusações de que terá espalhado por vários offshores pelo menos 30 milhões de dólares que ganhou a fazer lóbi a favor de políticos ucranianos pró-russos, evitando assim pagar impostos nos EUA, e que terá obtido fraudulentamente empréstimos bancários no valor de 16 milhões de dólares, após oferecer um cargo na campanha de Trump a um alto cargo bancário..Quem é Paul Manafort?.O ex-diretor de campanha de Trump, de 69 anos, tem mais de quatro décadas de carreira em Washington, tendo saltado para a ribalta quando ajudou Gerald Ford na contestada convenção republicana de 1976, apenas para anos depois acabar a apoiar o seu opositor, Ronald Reagan. A sua empresa de lóbi chegou a ser apelidada, em 1986, pela revista Time, de "derradeiro supermercado de tráfico de influências". Entre os seus clientes estiveram o ex-ditador filipino Ferdinando Marcos ou o histórico líder da UNITA, Jonas Savimbi..Mas foi o seu trabalho na Ucrânia, a favor do Partido das Regiões e de Viktor Ianukovich, que seria eleito presidente em 2010 e deposto em 2014, que chamou a atenção de Mueller. Manafort será alvo de um segundo julgamento, previsto para começar em setembro, em Washington, onde é acusado de ter atuado como um "agente estrangeiro" sem estar registado. Esse registo é obrigatório quando se trabalha para um governo estrangeiro, mas o arguido só o fez depois de o escândalo rebentar..Manafort envolveu-se com a campanha de Trump em março de 2016, sendo promovido a diretor de campanha menos de três meses depois. Junto com Donald Trump Jr. e Jared Kushner, respetivamente filho e genro do atual presidente, esteve na reunião com uma advogada russa, Natalia Veselnitskaya, na Trump Tower, durante a campanha, na qual foi oferecido material alegadamente prejudicial sobre a adversária do republicano, Hillary Clinton..Em agosto de 2016, veio a público o trabalho que tinha feito a favor de Ianukovich na Ucrânia e acabaria por ser substituído na direção da campanha por Steve Bannon..E isso afeta Trump?.O resultado deste julgamento vai ter implicações para além deste caso. "Uma condenação nas 18 acusações contra Manafort dará credibilidade à investigação em curso de Mueller. Um fracasso vai reforçar as críticas que recebeu do presidente Trump e de outros que sugerem que a sua operação é uma 'caça às bruxas' partidária", escreveu o The Washington Post. .Apesar de este julgamento não ter nada que ver com a campanha ou o alegado conluio com a Rússia, as acusações partem da investigação de Mueller. E, entre as 35 testemunhas que serão chamadas pelos procuradores, cinco têm garantida imunidade. Uma das testemunhas-chave será o antigo sócio de Manafort, Rick Gates, que está a ajudar a investigação de Mueller. Manafort é o único dos três antigos membros da campanha de Trump que foram acusados pelo procurador-especial a não colaborar e a ir a julgamento..A acusação já disse que não planeia apresentar provas sobre a ligação à Rússia, deixando tudo para um segundo julgamento. Mas, pediram ao juiz autorização para falar do trabalho de Manafort a favor da Ucrânia, alegando que essa é a fonte dos rendimentos que passaram pelos offshores. A defesa de Manafort está a tentar que os detalhes do seu trabalho não sejam discutidos, mas o juiz ainda não decidiu..T.S. Ellis III já avisou, contudo, que não quer ouvir falar em conluio, para os jurados não serem influenciados. E deixou claro que sabe que a acusação não está interessada na fraude bancária. "Vocês só estão preocupados em conseguir a informação de Manafort que possa refletir-se sobre Trump e levar à sua acusação ou impeachment", afirmou no início de maio, quando os advogados do arguido alegaram (sem sucesso) que a equipa de Mueller tinha ido além das atribuições da investigação..Os jurados também não devem ser informados das razões pelas quais Manafort voltou a ser detido no mês passado, depois de um juiz ter revogado a prisão domiciliária devido a alegações de que teria tentado influenciar testemunhas do outro processo..O que vai Trump fazer?.O presidente não tem poupado críticas a Mueller no Twitter. A última, neste domingo, em que reitera que não houve conluio com os russos, apelida a investigação do procurador-especial de "caça às bruxas" e acusa-o de ter "conflito de interesses" com ele, por causa de uma "relação de negócios muito desagradável e contenciosa"..A aposta em Washington é que Trump não conseguirá resistir a comentar o julgamento nas redes sociais. Também tem havido ameaças de demitir Mueller. O presidente não o pode fazer diretamente, só o procurador-geral tem esse poder. Neste caso, como Jeff Sessions pediu escusa da investigação sobre a interferência russa, Mueller só pode ser demitido por quem o nomeou, o procurador-geral adjunto Rod Rosenstein. [No caso Watergate, o então presidente Richard Nixon ordenou a demissão do procurador-especial que o investigava, com o procurador-geral e o seu número dois a preferirem demitir-se a fazê-lo. Um terceiro seguiu as ordens do presidente, mas isso não impediu que a investigação continuasse]..Há também quem fale num eventual perdão presidencial para Manafort. Rudy Giuliani, ex-mayor de Nova Iorque e advogado de Trump, diz que ninguém deve ir a julgamento a pensar num perdão, mas não afastou essa hipótese. À Reuters, disse que informou o presidente que seria mau fazê-lo neste momento, quando Mueller procura uma abertura para poder interrogar Trump. Mas, assim que a investigação acabar, "ele tem o direito a pensar nisso... é um dos seus poderes".