Professor de Estudos Políticos e Internacionais na Universidade de New South Wales, na Austrália, Clinton Fernandes defende que a posição dos EUA foi decisiva, após o referendo de 30 de agosto de 1999, para a Indonésia aceitar a inevitabilidade da independência de Timor-Leste..Na época do referendo, quais eram os principais equilíbrios regionais e que influência tiveram nos acontecimentos? O aspeto internacional mais significativo foram as ações de solidariedade e as pressões exercidas pelos EUA sobre a Indonésia para permitir a entrada da força de manutenção de paz..A ação dos EUA foi decisiva? Os EUA asseguraram-se de que a mensagem para os militares indonésios fosse clara. O comandante-em-chefe das forças americanas no Pacífico, Dennis Blair, encontrou-se com o comandante das forças armadas indonésias, general Wiranto, a 8 de setembro de 1999, em Jacarta. Blair tornou então claro que haveria sérias consequências para a Indonésia. O presidente Bill Clinton comunicou pessoalmente as preocupações dos EUA ao presidente indonésio, Jusuf Habibie. E a secretária de Estado Madeleine Albright esteve em contacto com Habibie, o ministro dos Negócios Estrangeiros Ali Alatas e Wiranto. O secretário da Defesa, William Cohen, enviou duas cartas a Wiranto sobre Timor, o subsecretário de Estado para a Ásia Oriental e Pacífico, Stanley Roth, e o embaixador em Jacarta, Stapleton Roy, todos transmitiram a mesma mensagem aos indonésios..Há um momento determinante? Antes de embarcar no Air Force One para participar na cimeira da APEC, na Nova Zelândia, o presidente Clinton advertiu que "se a Indonésia não puser fim à violência, tem de convidar - tem de convidar - a comunidade internacional para ajudar a restabelecer a segurança (...). E tem de avançar com a transição para a independência... Seria uma pena que a recuperação [económica] da Indonésia fosse inviabilizada pelo que está a suceder". O FMI suspendeu toda a assistência financeira à Indonésia até a questão estar resolvida..A questão económica, devido à crise asiática de 1997/-98, teve influência? O presidente do Banco Mundial, James Wolfensohn, escreveu a Habibie sobre o sério risco para uma futura assistência financeira internacional se a questão de Timor não fosse resolvida. E num debate de emergência no Conselho de Segurança da ONU, a 12 de setembro de 1999, o representante dos EUA Richard Hoolbrooke avisou Jacarta que enfrentava "o ponto de não retorno nas relações internacionais" se não aceitasse a presença de forças internacionais..Timor tinha-se tornado um problema insolúvel ou Jacarta acreditava que podia manter a sua administração? Quando Habibie se tornou presidente, em maio de 1998, vários membros do seu governo eram tecnocratas sem envolvimento na decisão de invadir Timor. O próprio Habibie era um tecnocrata. Nunca investira capital político nas questões da ocupação, algo sem relevância industrial ou tecnológica e sob domínio do Exército..Habibie era uma pessoa isolada? O seu principal aliado ideológico era o ministro para as Cooperativas, Adi Sasono. Como Habibie, Sasono era um engenheiro de formação; como Habibie, tinha sido secretário-geral da Associação dos Intelectuais Muçulmanos Indonésios, uma organização que defendia a modernização do país. Sasono defendia há muito um referendo em Timor. Dewi Fortuna Anwar, uma conselheira do presidente, estava contra a manutenção de Timor na Indonésia. O ministro coordenador para a Economia, Ginandjar Kartasasmita, era outro defensor do direito à autodeterminação..No campo oposto? As principais figuras militares no governo: o major-general na reserva Sintong Panjaitan, substituído em funções de chefia após o massacre de Santa Cruz, e o tenente-general Feisal Tanjung, ministro coordenador para a Segurança. Não queriam abandonar Timor e pretendiam produzir uma vitória integracionista. Panjaitan e Tanjung tinham integrado o grupo de militares que manipularam as eleições supervisionadas pela ONU na Papua Ocidental, em 1969..Como atuaram em Timor? A estratégia era impedir a vitória dos independentistas. Estratégia com uma componente política e uma militar: impedir ou dificultar o envolvimento internacional, e a escalada de operações no território por forças subsidiárias, as milícias. Para encobrirem o seu envolvimento, os militares também criaram a ideia de que não seriam os autores da repressão e da violência mas que eram uma força de paz entre "fações em conflito" em Timor..O que não funcionou... Para funcionar, os indonésios precisavam de ter um aliado estrangeiro que lhes desse apoio diplomático no plano internacional e ecoasse a ideia de que a sociedade timorense não estava unida na questão da independência. O recurso às milícias era central nesta estratégia. O problema foi que qualquer observador percebia que as milícias tinham sido organizadas pelos indonésios..Assiste-se a uma aproximação entre Timor e a Indonésia. Este processo, a longo prazo, pode voltar-se contra Díli? A Indonésia tem ainda de admitir, de forma oficial, que invadiu Timor-Leste. Em 2008, a Comissão para a Verdade e Amizade [criada pelos governos de Timor-Leste e da Indonésia], após um compromisso com a "verdade conclusiva", deixou expresso que "a natureza do processo pelo qual Timor-Leste foi integrado na Indonésia é objeto de controvérsia. As duas partes do conflito têm interpretações divergentes sobre aquele processo que são difíceis de conciliar"..Na época, para a Austrália a independência era uma boa solução ou teria preferido algo diferente, atendendo aos acordos que assinara com Jacarta sobre o petróleo e o gás natural no mar de Timor? As negociações sobre o Timor Gap iniciaram-se em 1979 e concluíram-se em 1989. Em 1999 cumpriam-se duas décadas de diplomacia energética Austrália-Indonésia. Timor independente seria a negação de tudo isso. Neste quadro, o governo australiano acabou por se transformar no aliado estrangeiro antes referido. A análise das ações que desenvolveu na época leva-nos à conclusão desagradável mas inevitável que deu cobertura diplomática à Indonésia. Em cada etapa do processo, o governo de John Howard trabalhou em concerto com a Indonésia para reduzir a possibilidade de uma intervenção internacional..Timor estava preparado para a independência? Entre 1987 e 1997, Propinsi Timur Timor era das províncias mais pobres da Indonésia. O produto regional bruto [PRB] do território era um terço da média da Indonésia. Estava em 27.º lugar entre as 27 províncias do país. Após a destruição de Timor pela Indonésia em 1999, a economia voltou aos níveis de 1920 e 1930 em muitos aspetos. O seu PRB declinou 25% a 30%. Timor era o país pior classificado, fora da África subsariana, no Índice de Desenvolvimento Humano de 2002: 158.ª posição em 177. E quando o MNE australiano Alexander Downer retirou a Austrália da jurisdição do Tribunal Internacional de Justiça em matéria de fronteiras marítimas, em março de 2002, Timor não podia beneficiar do campo de Bayu-Undan a não ser que entregasse à Austrália a maior parte do Greater Sunrise.. * Jornalista da Plataforma Media - Lisboa