Acabado de sair do armazém da ONU em Deir al-Balah, no centro da Faixa de Gaza, Abdulrahman al-Kilani explica porque ele e outros palestinianos deslocados devido aos bombardeamentos israelitas decidiram entrar nas instalações e levar o que precisavam. "Não temos farinha, não temos ajuda, não temos água, nem sequer temos casas de banho", explica o jovem à AFP antes de acrescentar: "as nossas casas foram destruídas, Ninguém quer saber de nós"..Estas cenas de pilhagens, que coincidem com a nova fase na guerra lançada por Israel em resposta ao ataque-surpresa do Hamas a 7 de outubro que matou mais de 1400 israelitas e sequestrou outros 229, já levaram o secretário-geral da ONU, António Guterres, a alertar para o perigo de desordem social no pequeno território palestiniano se vir somar ao crescente desespero da população, sublinhando que o número de civis mortos - mais de 8000 segundo o ministério da Saúde do Hamas - e feridos é "totalmente inaceitável"..Mas enquanto mais tropas e tanques israelitas entravam em Gaza durante a noite e a aviação atingia 450 alvos do Hamas em 24 horas - segundo informações dadas pelas Forças de Defesa de Israel - o perigo de a guerra alastrar ganhava nova força com as ameaças do presidente iraniano. "Os crimes do regime sionista ultrapassaram as linhas vermelhas, o que pode levar todos os outros a agir", escreveu Ebrahim Raisi no Twitter, e acrescentou: "Washington pediu para não fazermos nada, mas continua a dar um amplo apoio a Israel.".Numa entrevista à Al-Jazeera, Raisi já havia afirmado que Teerão considera ser seu dever apoiar o "eixo da resistência" - que inclui grupos armados como o Hamas e o Hezbollah no Líbano. Estas declarações surgiram depois de os EUA terem acusado o Irão de ser responsável por alguns dos ataques contra tropas americanas na Síria e no Iraque nos últimos dias, que deixaram 20 soldados feridos. O presidente Joe Biden enviou uma mensagem "direta" ao líder supremo iraniano, o ayatollah Ali Khamenei, a avisar contra novos ataques. Mas Raisi garante: "Os EUA conhecem as nossas capacidades militares e sabem que são impossíveis de derrotar"..Apesar de Washington não ter estabelecido uma relação direta entre o Irão e o ataque do Hamas contra Israel, são vários os analistas que não hesitam em o fazer. Para Kim Ghattas, autor de Black Wave, livro sobre a rivalidade entre Arábia Saudita e Irão ouvido pela rádio americana NPR, "o Hamas recebe financiamento e armas do Irão. Por isso quer Teerão tenha ou não aprovado o ataque de 7 de outubro, é cúmplice"..Enquanto no sul as tropas israelitas reforçam as suas operações terrestres contra o Hamas - as forças de defesa revelaram imagens de veículos militares israelitas numa praia de Gaza, onde disseram ter conseguido eliminar uma unidade do Hamas após um breve combate - no norte continuam os confrontos com o grupo xiita libanês Hezbollah..Já na semana passada o Irão ameaçara lançar mísseis contra a cidade portuária de Haifa, se Israel avançasse para a invasão terrestre total de Gaza. Ora enquanto a tensão subia, os EUA enviaram para a região dois porta-aviões - o USS Gerald R. Ford e o USS Dwight D. Eisenhower - além de ter deslocado vários esquadrões de aviões de caça para o Médio Oriente..Apesar da tensão crescente, muitos analistas duvidam do desejo do Irão de se envolver diretamente num conflito que, inevitavelmente, envolveria também os EUA. Para Sara Bazoobandi, investigadora do Instituto GIGA para os Estudos do Médio Oriente, sediado na Alemanha, "os iranianos já deixaram claro que não se querem um envolvimento ou confronto direto". Mas a especialista, ouvida pela AFP, explica que Teerão "tem repetido os alertas sobre o envolvimento do Hezbollah e de outros elementos da chamada "frente de resistência""..Bazoobandi recorda que uma das doutrinas do regime iraniano tem sido a de manter o conflito longe das suas fronteiras, mas "para manter essa posição na região, o Irão terá de apoiar os seus proxies durante esta crise. E isso pode sair-lhes caro". Mas para já, a analista garante que Teerão já viu um dos seus objetivos atingidos com esta guerra entre Israel e o Hamas: fazer descarrilar qualquer hipótese de normalização na relação entre Israel e a Arábia Saudita..Ao segundo dia da fase 2 da guerra, o Hamas admitia ontem que os seus combatentes estavam envolvidos em duros combates com as forças israelitas dentro da Faixa de Gaza. Apesar dos apelos a uma pausa nas hostilidades e dos alertas de Guterres de que a situação no território está "a ficar cada vez mais desesperada à medida que as horas passam", as bombas continuavam ontem a cair. Segundo o Crescente Vermelho palestiniano os ataques multiplicaram-se em torno do hospital Al-Quds, que as forças israelitas mandaram evacuar. Numa mensagem em vídeo publicada na sua conta do Twitter, o Crescente Vermelho palestiniano garantiu que não tenciona retirar os pacientes do local porque "evacuar significaria matá-los"..Além de 400 pacientes, muitos em cuidados intensivos, haverá ainda 14 mil civis deslocados abrigados no hospital, na sua maioria mulheres e crianças..Segundo a Save the Children, o número de crianças mortas em Gaza nestas três semanas de guerra - 3200 segundo a ONG - ultrapassa o número de menores mortos em zonas de guerra desde 2019..Enquanto em várias cidades pelo mundo se multiplicavam manifestações de apoio ao povo palestiniano, os próprios Estados Unidos, fiéis aliados de Israel, pediram ao governo de Benjamin Netanyahu para distinguir entre militantes do Hamas e civis de Gaza. "As forças de defesa israelitas deviam usar todos os meios possíveis para fazer a distinção entre o Hamas - terroristas que são legítimos alvos militares - e civis - que não o são", afirmou na CNN o conselheiro para a Segurança Nacional, Jake Sullivan..Durante o dia de ontem, três dezenas de camiões com ajuda - alimentos, água e material médico - entraram na Faixa de Gaza através da passagem de Rafah, no Egito. As comunicações, quase totalmente cortadas no sábado, também foram retomadas..Entretanto, os confrontos também se têm multiplicado na Cisjordânia onde cinco palestinianos terão sido mortos pelo exército israelita. Multiplicam-se também os relatos de palestinianos que dizem ter sido expulsos das suas aldeias por colonos israelitas.