Reino Unido vai ter eleições antecipadas no dia 12 de dezembro
Depois de rejeitar a emenda do líder da oposição, Câmara dos Comuns aprova proposta de Boris Johnson para eleições antecipadas. Especialista prevê ganhos nos partidos mais pequenos e maior dificuldade em obter maioria absoluta.
Mais um dia com horas de debate, emendas aprovadas, emendas rejeitadas. Mas no final de contas, na montanha-russa de emoções parlamentares, a proposta de lei de Boris Johnson foi aprovada. A realização de eleições antecipadas no dia 12 de dezembro recebeu o sim de 438 deputados e o não de 20. Se a Câmara dos Lordes ratificar a lei, o Parlamento será dissolvido na quarta-feira da próxima semana.
Antes, os deputados derrotaram a emenda proposta pelo líder da oposição em mudar a data das eleições antecipadas para 9 de dezembro. A iniciativa do trabalhista recolheu 295 votos a favor e 315 contra.
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"Vão ser umas eleições duras mas vamos fazer o melhor que pudermos," disse Boris Johnson aos jornalistas à saída de Westminster.
Já Jeremy Corbyn preferiu destacar a importância do ato eleitoral. "É uma oportunidade numa geração para transformar o nosso país e enfrentar os interesses particulares que limitam as pessoas."
Por sua vez, a líder dos liberais democratas quer que o seu partido seja a opção em lugar dos dois maiores partidos, o conservador e o trabalhista. "Este país merece melhor do que Boris Johnson e Jeremy Corbyn e estou entusiasmada por levar a nossa visão positiva, pró-europeia e liberal ao país como candidata ao cargo de primeira-ministra", disse Jo Swinson.
Eleições assimétricas
As primeiras eleições na quadra natalícia desde 1923 no Reino Unido serão altamente imprevisíveis: o Brexit tem polarizado, cansado e frustrado a sociedade enquanto ameaça romper as lealdades aos dois principais partidos. Como foi ouvido no debate, alguns deputados temem que uma eleição nesta época pode ter como consequência a abstenção ou o voto de protesto, enquanto a campanha e a votação podem ser dificultadas pelo frio do inverno e pela escuridão que se instala a meio da tarde.
Além do mais, o resultado das eleições pode não resolver a crise do Brexit - o que, no fundo, levou à convocação das mesmas. O especialista em eleições no Reino Unido John Curtice disse à rádio LBC que nenhum dos dois partidos deve obter uma maioria absoluta. "A previsão mais segura é que teremos um número recorde de deputados não conservadores e não trabalhistas neste Parlamento", disse. "O SNP parece preparado para conquistar a grande maioria dos lugares na Escócia. Os liberais democratas, dada a sua posição nas sondagens, devem sair-se extremamente bem. Esperamos que Caroline Lucas e o seu Partido dos Verdes mantenham o seu lugar. Podemos ter mais de cem deputados que não pertencem a nenhum dos outros dois partidos", continuou este homem que previu o resultado do referendo do Brexit.
Depois de lembrar que dessa forma será muito difícil obter-se uma maioria absoluta, explicou que esta é uma eleição "assimétrica". "É uma eleição que Boris Johnson tem de vencer. Se ele não conseguir uma maioria ou algo muito próximo, ele não poderá permanecer no governo porque os conservadores não têm amigos em nenhum outro lugar", concluiu Curtice.
Já o especialista em relações internacionais Anand Menon, autor do livro Brexit and British Politics, mostrou a sua perplexidade perante o cenário eleitoral. "Estas serão provavelmente as eleições mais imprevisíveis que alguma vez conheci", disse. "É Brexit ou não é? Não sabemos. Segundo, as eleições são tão voláteis como sempre e, terceiro, o potencial para a votação tática - e a votação tática não resultar - é muito alto, dada a divisão entre os apoiantes do Brexit e os europeístas", disse à Reuters.
Tusk faz figas pelos britânicos
Entretanto, o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, aconselhou os britânicos a usarem o tempo de forma sábia. Minutos antes de o Conselho Europeu ter anunciado de forma oficial a decisão de prolongar o período de extensão até 31 de janeiro, o dirigente polaco escreveu no Twitter: "Aos meus amigos britânicos, a UE27 adotou formalmente a extensão. Pode ser a última. Por favor, aproveitem este tempo da melhor forma."
Tusk aproveitou para se despedir dos britânicos (o mandato acaba no final de novembro) e termina com uma mensagem de apoio e superstição: "Vou fazer figas por vós."
Emenda para permitir emendas
Apresentada pela deputada trabalhista Stella Creasy, foi aprovada na tarde de terça-feira uma emenda que permite emendas à lei do governo para convocar eleições antecipadas. Com 312 votos a favor e 295 contra, a proposta permite que durante o debate a oposição possa apresentar moções. Há pelo menos três emendas a levar a votos à noite: alterar a data das eleições para 9 de dezembro (dia 12 é a data apresentada pelo executivo); alargar o voto aos jovens a partir dos 16 anos; e alargar o voto aos cidadãos da União Europeia residentes no Reino Unido. Cabe ao presidente da Câmara ou ao seu vice escolher que emendas levar a votos, se é que escolhe alguma.
As emendas apresentadas para escolha foram publicadas na página do Parlamento. Além das esperadas, outra propõe a data das eleições pra 7 de maio de 2020 e outra um referendo no dia 26 de março, antes das eleições de maio.
O vice-presidente da Câmara dos Comuns, Lindsay Hoyle, escolheu a emenda do líder trabalhista Jeremy Corbyn que propõe alterar a data das eleições antecipadas de 12 para 9 de dezembro, e uma outra para alinhar a data-limite de registo eleitoral nas Escócia com o resto do Reino Unido. Mas deixou de fora as emendas que previam o alargamento do voto aos residentes europeus e aos jovens com mais de 16 anos e menos de 18 anos. Estas últimas alterações levariam o governo a abandonar a proposta lei. Desconhece-se se Boris Johnson aceita a modificação da data das eleições.
Downing Street ameaçara: se as emendas forem escolhidas, o governo iria retirar a lei. "Não se pode argumentar que se vai votar a favor de uma alteração ao legislado e de eleições em dezembro. Seria uma votação para adiar", disse um porta-voz sobre a impossibilidade prática de dar o voto a esses dois grupos de cidadãos.
Dominic Cummings, o assessor do primeiro-ministro e ideólogo de um Brexit a toda a força, confirmou ao jornalista da ITV Joe Pike que o governo iria deixar cair a proposta de lei nesse cenário. "Não vai haver campanha eleitoral. Vão votar pelos cidadãos europeus [poderem exercer o direito de voto] e vamos ter de retirar", disse.
Na segunda-feira, depois de a moção do governo de Boris Johnson a propor eleições antecipadas para dia 12 de dezembro não ter obtido os dois terços exigidos por lei, o primeiro-ministro comprometeu-se a retirar da equação o acordo de retirada da União Europeia e anunciou que iria voltar a apresentar legislação para eleições antecipadas, agora através de um procedimento diferente, que permite uma maioria simples.
Os trabalhistas mostraram-se reticentes e divididos quanto ao caminho a seguir. Vários membros do governo-sombra mostraram-se contra as eleições antecipadas. Segundo o deputado Barry Sheerman, a maioria estava contra, mas Jeremy Corbyn foi convencido pela intervenção de dois assessores, Seumas Milne e Karie Murphy. Jeremy Corbyn anunciou hoje que o partido vai votar a favor das eleições antecipadas.
No entanto, vários deputados trabalhistas anunciaram que não iriam seguir as indicações da direção. "Incentivo o maior número possível de colegas a desafiar as ameaças e as lisonjas a fazê-lo porque a realidade é que a incerteza de um resultado de eleições gerais certamente não tira da mesa a saída sem acordo", disse na Câmara dos Comuns o deputado Paul Farrelly. Do seu lado estão pelo menos Kevan Jones e Anna Turley.
Corbyn, o Caracóis Dourados
De regresso à Câmara dos Comuns depois de ter sofrido mais uma derrota parlamentar, Boris Johnson voltou a defender a necessidade de eleições antecipadas, porque os deputados estão a bloquear qualquer acordo sobre o Brexit e com isso a prejudicar a economia ao impedir decisões a médio e longo prazo dos investidores, além da corrosão da "fé na democracia". "Há apenas uma maneira de cumprir o Brexit perante este intransigente obstrucionismo parlamentar, esta interminável e deliberada recusa em honrar o mandato do povo, e que é renovar este Parlamento e dar ao povo uma escolha", disse o primeiro-ministro.
Boris Johnson virou-se para os trabalhistas: "Não é que sobretudo temam eleições, embora provavelmente temam. Não querem é eleições com ele [Corbyn] como líder. Espero que por fim diga que ultrapassou as dúvidas e que por fim se submete ao voto do eleitorado." E depois comparou Corbyn à personagem do conto infantil Caracóis Dourados. "No que toca a eleições, tudo o que posso dizer é que me lembra a Caracóis Dourados: uma oferta é muito quente, a outra é muito fria." Antes acusou Corbyn de seguir a receita do antigo líder cubano Fidel Castro: "Revolução, sim, eleições, não."
No entanto, Jeremy Corbyn confirmou na Câmara dos Comuns o que já se sabia de manhã: apoia as eleições, uma vez que o cenário da saída da UE sem acordo ficou afastado. "Queremos ver-nos livres deste governo conservador irresponsável e destrutivo", disse.
Mais tarde, num gesto reconciliatório, o n.º 10 de Downing Street anunciou que dez dos 21 deputados afastados por terem votado a favor de um projeto de lei para evitar o Brexit sem acordo foram readmitidos após um encontro com Boris Johnson. Entre estes encontra-se Nicholas Soames, neto de Winston Churchill.
Oposição favorável ao alargamento do voto
No início do debate, as bancadas da oposição mostraram apoio à ideia de alargar o voto quer aos menores de idade quer aos cidadãos europeus residentes nas ilhas britânicas. "Espero que as emendas façam que todas as pessoas tenham direito a participar", disse Jeremy Corbyn.
"Uma das coisas de que posso ter orgulho na Escócia é de termos dado o direito de voto a quem tenha 16 anos no referendo de 2014. É uma vergonha total. O SNP apela a todos os membros para reduzirem a idade de voto em todas as eleições para 16 anos e também alargar o direito de voto aos cidadãos europeus", disse o líder da bancada dos nacionalistas escoceses, Ian Blackford. "Os cidadãos europeus, que são nossos amigos, que trabalham connosco, que fazem parte da nossa comunidade, que pagam impostos no nosso país não terem direito a voto é uma absoluta vergonha", concluiu.
A deputada trabalhista Jess Phillips perguntou o que vai acontecer se o Parlamento continuar sem uma maioria após as eleições. "A eleição vai ser um teste de Rorschach. Os deputados vão olhar para os resultados e tirar as conclusões que querem. Ninguém sabe. Esta proposta de lei é inútil." Phillips, que foi ameaçada de morte, diz que as leis eleitorais estão desatualizadas e que o país está sujeito a campanhas financiadas por agentes externos.
Caroline Lucas, a única deputada dos Verdes, também se mostrou contra as eleições, porque as "eleições gerais são para assuntos gerais, não resolvem o Brexit". "É impossível extrapolar o resultado dessas eleições. Se queremos uma resposta específica temos de fazer uma pergunta específica, e isso faz-se através de um referendo", disse a deputada, que ainda criticou o sistema eleitoral britânico de first-past-the-post.