Dominic Cummings e Jacob Rees-Mogg: a dupla incendiária na sombra de Boris Johnson

O assessor do primeiro-ministro e chefe de gabinete de facto de Downing Street, Dominic Cummings, e o líder da Câmara dos Comuns, Jacob Rees-Mogg, têm pouco em comum, exceto o objetivo de cumprir o Brexit de qualquer forma.
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Nesta semana ambos colecionaram ódios de estimação. Um pela estratégia em dizimar o Partido Conservador e a empurrar a crise política para um desfecho, seja qual for. O outro pela forma como se relacionou nos primeiros dias com os deputados, em especial quando se refastelou durante o debate de emergência sobre o Brexit.

O copiloto que dá instruções para acelerar para o precipício

Dominic Cummings.
Não se sabe se despreza mais os políticos ou a União Europeia.

Na noite em que 21 deputados conservadores votaram contra o governo e em consequência foram expulsos, Dominic Cummings passeava-se pelos edifícios do Parlamento de copo de vinho na mão, de ar despreocupado. Quando o líder da oposição Jeremy Corbyn se preparava para sair, o assessor do primeiro-ministro desafiou-o a não ter medo e a votar favoravelmente pelas eleições antecipadas. A expulsão de históricos tories como Ken Clarke ou de Nicholas Soames, neto de Winston Churchill, foi apenas um dano colateral na estratégia de terra queimada de Cummings.

Questionado pela Reuters se perante a perda em toda a linha do governo o Brexit vai acontecer na data prevista, 31 de outubro, o estratega de 47 anos, apodado por David Cameron de "psicopata de carreira", foi lacónico: "Confiem no povo."

O seu ceticismo em relação a Bruxelas e aos políticos em geral é antigo. Formado em História em Oxford, viveu três anos na Rússia, de 1994 a 1997, tendo trabalhado em "vários projetos", segundo declara no seu site. De regresso às ilhas britânicas juntou-se a um grupo de pressão contra a adesão ao euro.

A sua luta seguinte, em 2004, foi a campanha contra a criação de uma assembleia regional na sua região natal, o nordeste. Venceu ao fazer passar a mensagem de que a câmara seria inútil, com o mote "os políticos falam, nós pagamos".

Ao ouvir as preocupações do eleitorado e respondendo com mensagens diversas, Cummings começou a especializar-se em gerir grupos de foco. Em paralelo reforçou o desdém pelos representantes do povo. "99% dos deputados são personagens terríveis e se quisermos alguma coisa organizada profissionalmente, temos de excluí-los, o que causa muitos problemas", disse à Sky News sobre a conclusão a que chegou nessa altura.

Cummings, que não pertence ao Partido Conservador, também não nutre especial simpatia pelo European Research Group, que Jacob Rees-Mogg dirigiu até agora, um "subgrupo narcisista e delirante" que precisava de ser "extirpado" como um "tumor".

Na sua página pessoal escreveu sobre os temas mais diversos, de modelos de previsões à inteligência artificial, da reforma do ensino - foi assessor de Michael Gove quando este foi ministro da Educação - ao referendo do Brexit. Cummings foi o diretor da campanha Vote Leave, a qual disse ser uma startup. Nada de espantar: Cummings tem como referência a política de gestão das empresas de tecnologia de Silicon Valley.

Ainda hoje sobrevivem mentiras propagadas através da rede social Facebook, como a de que Londres envia 350 milhões de libras por semana para Bruxelas. Até porque o seu autor, chamado ao Parlamento, para esclarecer sobre as fake news e as ligações à Cambridge Analytica, ignorou os deputados e não compareceu.

O excêntrico vitoriano que lucrou com o medo do Brexit sem acordo

Jacob Rees-Mogg.
Deitado ou de pé, líder da Câmara não foge à controvérsia.

Até os britânicos mais distraídos ou enjoados com o Brexit terão dado conta de Jacob Rees-Mogg. No espaço de dias, o líder da Câmara dos Comuns envolveu-se em trocas amargas com deputados de todas as bancadas, criticou duramente o presidente da Câmara, John Bercow, refastelou-se na primeira fila do Parlamento e, por fim, comparou um médico e consultor do governo a um ativista antivacinação, tendo que retratar-se.

O conservador de 50 anos, que também preside ao Conselho de Ministros, é visto como uma excentricidade vitoriana. Como Boris Johnson, estudou na elitista escola de Eton. Aos 12 anos foi notícia por ter participado numa assembleia geral de acionistas da General Electric. Foi entrevistado pela BBC e depois exigiu dinheiro à estação pública. Começara aí a sua carreira de financeiro.

Seguiu para Oxford, onde se formou em História e liderou a associação de estudantes conservadores. A sua imagem assenta num sotaque de classe alta e numa linguagem pouco simples e salpicada de latinismos. Em 2012 foi notícia por ter usado a palavra mais longa no Parlamento, floccinaucinihilipilification (o hábito de considerar uma coisa inútil). Também a forma de se vestir contribui para o epíteto de "membro honorário do século XVIII": em ocasiões mais formais não dispensa a cartola e o fraque.

Mas Rees-Mogg não é um cristão da comunidade amish (é um fervoroso católico) e usa as tecnologias para partilhar este seu deslocamento em relação ao comum dos mortais.

Por trás dessa caricatura, está alguém com ideias muito claras sobre o que quer da sociedade: é contra o aborto em qualquer circunstância porque é "moralmente indefensável", opõe-se ao casamento entre pessoas do mesmo sexo e não mostra apreço pelas minorias, tendo sido orador num jantar do Traditional British Group, que defende a expulsão do país de quem não é branco, embora mais tarde tenha dito que não é apoiante do grupo de extrema-direita.

E, claro, é adepto do Brexit - e sem acordo. Até criou um fundo de investimento com sede na Irlanda em que advertia os clientes para os perigos de uma saída sem acordo. Segundo o Channel 4 terá ganho sete milhões de libras nos últimos dois anos. Enquanto isso presidiu ao grupo de deputados eurocéticos European Research Group de janeiro de 2018 até há dias. Durante esse período, a então colega de partido Anna Soubry disse que era ele e não Theresa May quem dirigia o país.

O pai, William Rees-Mogg, político e ex-diretor do Times, que defendeu em editorial o golpe de Augusto Pinochet no Chile, terá exercido grande influência. Escreveu a quatro mãos com James Dale Davidson o livro The Sovereign Individual, no qual explicava como é que o indivíduo podia lucrar numa sociedade cada vez mais caótica.

Casado com Helena de Chair, colaboradora numa revista da indústria petrolífera, tem seis filhos ao cuidado da ama que o criou.

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