O discurso servia para assinalar os 40 anos de reinado, mas acabou por ficar marcado pelo balanço daquele que a própria rainha apelidou de annus horribilis. Estávamos a 24 de novembro de 1992 e para trás ficava o divórcio da filha Ana e a separação do filho André, as revelações chocantes sobre o casamento do príncipe Carlos com Diana (que se separariam oficialmente ainda nesse ano), e, apenas quatro dias antes, o incêndio do Castelo de Windsor. Agora, 17 anos depois, 2019 também se arrisca a ficar nas memórias da monarca como um ano horrível: aos problemas familiares com o envolvimento de André com o pedófilo Jeffrey Epstein, à relação fria entre os netos William e Harry e ao acidente de carro a envolver o marido junta-se o caos com o Brexit, que ameaçou pôr em causa a sua isenção face à política.."1992 não é um ano para o qual vá olhar com prazer. Acabou por se tornar um annus horribilis", disse Isabel II no tal discurso em Guilhall, referindo-se diretamente apenas ao "trágico incêndio de Windsor". O fogo no palácio que era residência privada dos monarcas britânicos há quase mil anos causou danos no valor de 36,5 milhões de libras (42,8 milhões de euros), com as ruínas a tornarem-se um símbolo do descontrolo que se vivia na família real. No meio dos escândalos, os contribuintes rejeitaram ser eles a assumir os custos da reconstrução (pensava-se que chegariam aos 60 milhões), obrigando a rainha a começar a pagar impostos sobre os rendimentos e a abrir ao público a outra residência oficial, o Palácio de Buckingham, para ajudar a custear o restauro. Neste ano, há vários fogos a lavrar, mas os custos de a rainha ver a família a desmoronar-se ainda estão para ser contabilizados..Príncipe André e o escândalo Epstein.A situação mais grave envolve o príncipe André, cuja amizade com o empresário norte-americano Jeffrey Epstein o deixou em maus lençóis. O milionário foi acusado de abusar e pagar para ter sexo com menores, mas chegou a um acordo na justiça para cumprir pena apenas por pagar por prostitutas menores. O caso voltou a público neste ano, e em agosto ele morreu na prisão enquanto aguardava novo julgamento. André esteve na casa de Epstein em várias ocasiões e há pelo menos uma mulher, menor na altura, que diz ter sido obrigada a ter relações sexuais com o príncipe..Numa rara entrevista à BBC, que foi para o ar a 16 de novembro, André falou abertamente da sua relação com Epstein, rejeitando novamente as acusações de ter tido sexo com uma menor. E procurou dar justificações para tudo, incluindo que num dos dias em que é acusado de estar com a jovem terá ficado em casa, depois de ter levado a filha a uma festa num restaurante Pizza Express. A entrevista que devia acabar com todas as dúvidas foi contudo considerada "desastrosa"..O príncipe acabou por se afastar dos deveres reais, depois de ter sido chamado pela mãe a Buckingham e sob alegada pressão do irmão Carlos (que estava numa viagem pelo Pacífico Sul). André considerou que a sua antiga associação com Epstein "tornou-se uma grande perturbação no trabalho da minha família". Várias empresas e associações que tinham vínculos com ele estão a distanciar-se. Mas a situação não acalma. A mulher que diz ter sido forçada a ter sexo com André deu também uma entrevista à BBC, que será emitida na segunda-feira. "Ele sabe o que aconteceu, eu sei o que aconteceu. E só um de nós está a dizer a verdade.".Os netos de costas voltadas.Além do problema com o filho, Isabel II tem visto como a relação dos netos William e Harry se deteriora. E em público. O filho mais novo de Carlos e Diana, que um ano após se casar com a atriz norte-americana Meghan Markle foi pai de Archie em maio, admitiu num documentário na ITV que não tem sido fácil lidar com a pressão mediática em torno da família. E apresentou mesmo queixa na justiça contra os tabloides, fazendo uma referência à morte da mãe, quando era perseguida pelos paparazzi em Paris, em 1997 (outro ano complicado para a família real britânica). Harry e Megan (a atriz também admitiu que não tem sido fácil ser mãe debaixo dos holofotes) têm sido alvo de críticas por quererem privacidade para o filho, com os tabloides a alegar que o acesso a Archie (nomeadamente no batizado) era o preço a pagar por usarem o dinheiro dos contribuintes para renovar a sua casa. Os duques de Sussex foram ainda criticados por terem feito quatro viagens em aviões privados no espaço de 11 dias, ao mesmo tempo que têm um discurso a favor do ambiente..No início de 2018, não parecia haver problemas entre os Fab Four - como eram conhecidos os Beatles e o nome pelo qual os media começaram a chamar William e Kate e Harry e Meghan. Mas isso mudou neste ano. No mesmo documentário da ITV, Harry admitiu que as coisas não estavam bem com o irmão mais velho - "inevitavelmente as coisas acontecem". Os duques de Sussex abandonaram no início do ano a fundação de caridade que tinham em conjunto com os duques de Cambridge, desejosos de se focarem na sua própria agenda, mais internacional..O acidente do duque de Edimburgo.O ano da rainha já tinha começado mal quando o marido, Filipe, esteve envolvido num acidente de carro. O duque de Edimburgo, de 98 anos, conduzia fora da propriedade real em Sandringham quando embateu contra outro veículo, onde seguiam duas mulheres e um bebé de 9 meses. Nem o duque nem a criança ficaram feridos..Levantaram-se então dúvidas sobre se Filipe devia ou não continuar a conduzir, não tendo caído bem o facto de o duque ter sido fotografado 48 horas após o acidente novamente ao volante. E sem cinto de segurança..O príncipe anunciou em 2017 que se "reformava", afastando-se dos olhares públicos, mas deixando a rainha - com quem está casado há 72 anos - sozinha nos afazeres reais. Apesar de já ter passado parte da agenda para o príncipe Carlos e para o príncipe William, Isabel II não parece disposta a abdicar. No seu 21.º aniversário, a então princesa deixou uma promessa: "Declaro diante de vós que toda a minha vida, seja longa ou curta, será dedicada ao vosso serviço.".Isso não implica que não haja rumores de que possa passar a coroa ao filho mais velho (os mais radicais dizem mesmo que poderá passá-la ao neto). Diante do ano complicado de 2019, há quem diga que poderá fazê-lo quando completar 95 anos, ou seja, em abril de 2021. Outros alegam que só se estivesse incapacitada é que Carlos assumiria o papel de príncipe regente e que ela nunca abdicará..Brexit e a suspensão do Parlamento.Além dos problemas com a família, a rainha viu-se ainda neste ano envolvida no caos do Brexit, quando o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, decidiu prorrogar (suspender) o Parlamento em outubro durante cinco semanas. A oposição acusou o líder conservador de querer evitar responder aos deputados durante o processo de saída da União Europeia - que acabaria por não se concretizar a 31 de outubro e desencadear eleições antecipadas, no próximo dia 12..Isabel II teve de dar o seu consentimento para tal decisão (normalmente é apenas uma formalidade), que foi depois considerada como "ilegal e sem efeito" pelo Tribunal Constitucional. Johnson foi acusado de mentir à rainha em relação aos argumentos para fazer a prorrogação, o que ele negou, mas o caso deixou a monarca - que deve ser sempre isenta - numa posição complicada. Entretanto, o Brexit continua em suspenso, com Johnson a fazer campanha por uma maioria que lhe permita ultrapassar o impasse no Parlamento.