O presidente da Generalitat, Quim Torra, esteve em Lisboa para uma conferência no ISCTE sobre o direito à autodeterminação da Catalunha. Ao DN fala das eleições espanholas do próximo mês, mas também do seu antecessor, Carles Puigdemont, que está no autoexílio e quer ser candidato às europeias de maio. Aborda ainda as acusações contra si por não ter retirado os laços amarelos dos edifícios públicos catalães, o julgamento em Madrid, e a relação da Catalunha com Portugal e os portugueses..Foram os independentistas catalães que forçaram Pedro Sánchez a antecipar as eleições, ao recusar aprovar o Orçamento. Mas o que acontece se os socialistas tiverem uma maioria e já não precisarem do vosso apoio? Quem tomou a decisão de convocar as eleições foi Pedro Sánchez. Ele sabe as suas razões. Mas nós na Catalunha, com a situação política grave, gravíssima, que estamos a viver, não fazemos cálculos eleitoralistas. Estamos a manter uma posição, mantemo-la desde as eleições de 21 de dezembro, ganhas pelas forças independentistas, que é reclamar ao Estado espanhol o exercício do nosso direito à autodeterminação e uma negociação com um relator. Mantemos essa posição e acreditamos que a melhor defesa dos interesses da Catalunha está em votar nos partidos que melhor podem defender esses interesses, que são os independentistas..Mas tinham mais força quando o governo estava dependente de vocês. Se esse cenário não se repetir, ficam sem força política? Para nós o que importa é termos força política no nosso país, que é a Catalunha. Há eleições espanholas, mas um mês depois há também municipais e europeias. As três são importantes. Vamos ver se o independentismo ganha as três eleições e nos dá a força necessária para continuarmos a avançar na nossa reivindicação como povo..E se ganha a direita? A direita tem como programa-estrela aplicar o 155.º [artigo da Constituição] e acabar com as instituições catalãs. Mas, se reparar, o partido socialista já o aplicou. Isto é, não há nenhuma garantia. Nem com o tripartido da direita, agora ainda mais de direita porque o partido fascista espanhol também lhe dá o seu apoio. Mas, para a Catalunha, um governo do PSOE e do Ciudadanos também não dá garantia de que não o voltem a aplicar. Porque eles já o fizeram, já votaram no artigo 155.º. Portanto, para nós, mais do que quem ganha, o que queremos saber é qual é a proposta do governo espanhol em cima da mesa para resolver o conflito catalão. Para nós não interessa quem ganha as eleições, mas como resolvemos a crise catalã..Parece que ambas as partes estão a dizer o mesmo há anos e nada muda... As coisas não mudam, mas o que muda é que temos cada vez mais força eleitoral. Ganhámos as últimas eleições, constituímos um governo independentista, continuamos a reclamar os nossos direitos e cada vez temos mais apoio internacional. Pode dizer-me que os Estados não nos apoiam. Mas a cidadania sim. Estou em Portugal para agradecer o facto de há um ano o Parlamento português ter aprovado uma resolução a solicitar que Espanha dê uma solução política ao conflito catalão, baseada na vontade do povo da Catalunha. Mas, só na última semana, 41 senadores franceses protestaram pela violação dos direitos humanos que está a acontecer na Catalunha, assim como 700 intelectuais. E a deriva autoritária do Estado espanhol é tal que até se proíbe na televisão pública catalã que se falem de "presos políticos" ou "exílio". Foi proibido por causa da campanha. Isto está a fazer que, cada vez mais, qualquer cidadão europeu com consciência democrática questione: "O que é que está a acontecer em Espanha?".Ao mesmo tempo da campanha, decorre o julgamento dos ex-membros do governo catalão em Madrid. Porque é que não consideram este julgamento livre? Achamos que são presos políticos, que também há exilados políticos, e que este julgamento é uma farsa. A investigação contra o independentismo catalão começou muito antes de qualquer atuação judicial. Éramos investigados, gravavam as nossas conversas... Como disse a então vice-presidente do governo espanhol, Soraya Sáenz de Santamaría, "vamos decapitar o movimento independentista". Isto é o que se quis fazer desde o início. Creio que todas as pessoas que viram o que aconteceu no referendo de 1 de outubro concordam que a única violência que houve foi da parte da Polícia Nacional e da Guardia Civil. Não da parte dos eleitores, que pacificamente estavam lá para votar. Mas construiu-se uma tese de violência do independentismo que é falsa..E a procuradoria não está a conseguir provar isso no julgamento? No nosso entender não. As provas que apresenta são um retweet, um WhatsApp, a opinião de um guardia civil... Acho que no século XXI, que é o século das imagens, das redes sociais, das comunicações, não podes esconder o que aconteceu. Vocês, a 1 de outubro de 2017, também estavam a votar numas eleições. A polícia não vos foi agredir porque votavam. Foi o que aconteceu na Catalunha. E foi isso que provocou uma autêntica fratura emocional de uma grande parte da sociedade catalã com o Estado espanhol..Mas imagine que a Catalunha é independente e que parte desse país, contra as leis estabelecidas, resolve fazer um referendo e pedir a independência. Como reagiriam? Não teriam a mesma reação que teve Espanha? Eu estou muito feliz de pertencer a um país que não proíbe ou impõe. Como estaria muito feliz em ser português, no sentido em que vocês, na vossa Constituição, têm consagrado um artigo, o sétimo, de defesa do direito de autodeterminação dos povos. Acho que é um direito absolutamente fundamental. Permitir que as pessoas se expressem livremente ajuda a resolver os conflitos políticos. Não se podem resolver de outra forma os conflitos políticos a não ser votando, dialogando e debatendo..A procuradoria catalã acusa-o de desobediência por não retirar os laços amarelos, símbolo dos independentistas presos, dos edifícios públicos. Porque recusou fazê-lo? Porque não há batalha pequena pela liberdade de expressão. Primeiro são os laços, depois a cor amarela, depois as palavras... Agora a advocacia do Estado, que depende do governo socialista, quer acusar os eleitores que estavam a votar a 1 de outubro, como se fossem culpados de algo. Se deixas que os teus direitos sejam pisados uma vez, mesmo que pareça uma luta menor, logo perderás tudo. Nunca vou proibir qualquer cidadão de expressar a sua opinião. A mim queriam que desse a ordem para retirar os laços amarelos e não o vou fazer nunca..Mas a ordem não era para obrigar os cidadãos a tirar os laços, era para os retirar dos edifícios públicos... Sim, mas o Parlamento da Catalunha votou em duas ocasiões propostas do Partido Popular e do Ciudadanos para retirar esses laços. Por três quartos do Parlamento, uma amplíssima maioria, recusou-se. Portanto, eu, que acredito e defendo que a soberania do povo da Catalunha reside no Parlamento catalão, sigo o que ele votou. Que a procuradoria faça o que tem de fazer. Se Espanha, de repente, chegar à conclusão que por não retirar os laços amarelos um presidente da Generalitat tem de estar inabilitado, acho que o problema é de Espanha..Ia precisamente perguntar se não teme as consequências da sua ação... Não, de todo. Eu temo as consequências de não seguir os critérios do Parlamento da Catalunha, isso sim..No caso extremo de enfrentar a prisão, faria como o ex-presidente Carles Puigdemont e sairia de Espanha para continuar a lutar a partir do exterior ou faria como Oriol Junqueras e os outros que ficaram e continuam presos? Não acho que seja necessário pensar nestas hipóteses. Ao colocar as coisas assim significa que já estamos a presumir que haverá uma reação absolutamente autoritária, antidemocrática, por parte do Estado espanhol. E o que estamos a pedir é que o Estado espanhol repense esta deriva autoritária, sente-se a negociar com o governo da Catalunha e encontremos uma solução política baseada no direito à autodeterminação da Catalunha. Portanto, permita-me que não entre nestas hipóteses. Mas também tenho de dizer que, no momento em que cada um dos membros do governo catalão decidiu se ia para o exílio ou se ia para a prisão, porque sabiam que iam para a prisão, essa foi uma decisão pessoal. Para nós é tão importante o trabalho da internacionalização do conflito catalão, que está a fazer-se no exílio, onde há membros de todos os partidos políticos, como o da defesa do direito à autodeterminação que se faz desde a prisão. Onde, além do mais, há dois líderes sociais que não tiveram nada que ver com o referendo, que ninguém entende o que lá estão a fazer. Que simplesmente estavam a favor da independência e que levam mais de um ano e meio na prisão por defender essa ideia. É algo incrível que Jordi Cuixart e Jordi Sánchez, os dois líderes da Ómnium Cultural e da Assembleia Catalã, estejam na prisão. É inconcebível em termos democráticos..Puigdemont quer ser candidato às europeias. Como é possível sem voltar a Espanha? Foi uma decisão muito meditada, muito discutida com os seus advogados, portanto quando Carles Puigdemont toma a decisão é porque sabe que vai poder ser eurodeputado e continuar com o processo de internacionalização da causa catalã..E eventualmente voltar a Espanha por beneficiar da imunidade parlamentar... Ele assegura que sim, efetivamente. Foi impossível ser novamente presidente da Generalitat porque o Estado espanhol o impediu, apesar de ter a maioria suficiente na câmara. Agora apresenta-se no Parlamento Europeu e disse que se for investido regressará. Como pode imaginar, ele é o líder do movimento independentista, no qual eu participo, e estou ao seu lado e desejo-lhe todo o sucesso..Ainda continua a acreditar que é possível a independência? Totalmente, e os números mostram que o independentismo está a crescer, que neste ano nos reforçou. Nos reforçou em termos de sabermos que a nossa é uma luta pelos direitos civis, como outros povos em momentos históricos fizeram, e que acreditamos que estamos no lado correto da história. Isto é, nós estamos a defender os nossos direitos, as nossas liberdades, e acreditamos que, como qualquer outro povo, incluindo o português, temos o direito a decidir se queremos ser independentes ou não..O embaixador e ex-ministro dos Negócios Estrangeiros português, António Martins da Cruz, publicou um artigo de opinião no DN em que diz que uma eventual independência da Catalunha seria "altamente negativa" para Portugal. Então porque é que os portugueses vos devem apoiar? Porque é uma terra de liberdade, que ama a liberdade tanto quanto os catalães. Eu quero recordar que em 1640, Portugal e Catalunha proclamaram as suas repúblicas. Portugal teve sucesso e conseguiu a independência, a Catalunha não. Mas vamos fazer um pouco de política ficcional. Imaginemos se tivesse sido ao contrário, que teria sido a Catalunha a conquistar a sua independência e Portugal não. Posso assegurar que em 2019, se Portugal, província espanhola, defendesse o direito à autodeterminação, teria todo o apoio do governo da Catalunha..Mas sabemos que em políticas as coisas não são assim tão simples. Há ligações económicas com Madrid... Claro, mas acho que por cima de interesses económicos, muito respeitáveis, acho que os povos também se movem por um desejo de liberdade, por uns valores, e nós estamos a pôr em cima da mesa esses valores, de uma luta pelos direitos civis, por direitos sociais, pelo direito à autodeterminação. Acreditamos que são princípios universais que, como povo, temos direito a eles.. No ano passado anunciou a intenção de reabrir a representação catalã em Lisboa. Como está esse processo? Acreditamos que muito brevemente poderemos abrir. Estamos no processo de seleção do delegado de Portugal e a partir daí avançamos para a reabertura, que nos interessa muito, pelos vínculos históricos de Portugal com a Catalunha. Também queremos que as oficinas comerciais, que a Generalitat tem pelo mundo, estejam aqui, e também o Instituto Ramón Llull, de promoção da cultura catalã. Hoje [ontem] tenho um almoço com escritores e intelectuais portugueses e queremos que a relação cultural entre Portugal e a Catalunha seja cada vez mais estreita..E não tem nenhum encontro com o governo português? Não. Nesta ocasião, queria agradecer ao Parlamento português o seu apoio, há um ano, e ao povo português o seu carinho, e aos intelectuais que assinaram o manifesto em outubro de 2017, por estarem ao lado da luta pelos direitos civis.