O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, foi recebido nesta segunda-feira com protestos na Escócia, no início de um périplo que o vai levar ainda ao País de Gales (no final da semana) e à Irlanda do Norte, com o objetivo de "renovar os laços que unem o Reino Unido". Durante a visita, o líder conservador anunciou a criação de um fundo de 300 milhões de libras para financiar projetos nas três nações, diante da ameaça cada vez mais concreta de um Brexit sem acordo..Boris voltou a pressionar Bruxelas nesta segunda-feira, com a sua equipa a alegar que ele não vai participar em negociações com os líderes europeus a não ser que o bloco reverta a sua posição e permita a reabertura do acordo de saída - o próprio disse contudo que estava disponível para "estender a mão" e "fazer um esforço adicional" para conseguir um novo acordo..Tanto a chanceler alemã, Angela Merkel, como o presidente francês, Emmanuel Macron, já terão convidado Boris Johnson a visitar os seus respetivos países, mas o novo primeiro-ministro britânico ainda não anunciou qualquer viagem ao estrangeiro antes da cimeira do G7, no final de agosto, em Biarritz, em França..Na origem do diferendo está o polémico backstop, o mecanismo de salvaguarda destinado a evitar o regresso de uma fronteira física entre Irlanda do Norte e República da Irlanda. O primeiro-ministro considera-o "antidemocrático", já que prevê que a Irlanda do Norte continue a seguir algumas regras europeias caso não tenha sido possível chegar a consenso sobre a nova relação entre Reino Unido e União Europeia (UE) no final do período de transição do Brexit, criando na prática uma divisão entre este território e Inglaterra, Escócia e Gales.."O acordo de saída está morto, tem de acabar", disse Johnson. "Mas há espaço para um novo acordo", acrescentou, mostrando-se "muito confiante" de que será possível. O primeiro-ministro britânico já disse que "sem ses nem mas'", com ou sem acordo, o Reino Unido vai sair da UE a 31 de outubro.."O que queremos fazer é construir uma nova parceria com todas as coisas que nos interessam, cooperação partilhada na defesa, segurança, nos serviços de informação, colaboração cultural e científica, tudo o que poderíamos esperar", disse Johnson. "No centro de tudo está um novo acordo de comércio que nos permite recuperar o controlo das nossas tarifas e das nossas regras e fazer as coisas de forma diferente onde quisermos", acrescentou..Boris Johnson disse continuar a acreditar que a hipótese de um acordo é ainda a mais provável, ao contrário do que o seu ministro Michael Gove escreveu neste fim de semana no Sunday Times. "A minha suposição é que podemos conseguir um novo acordo, estamos a apostar num novo acordo. Mas, claro, o Michael está certo ao dizer que é responsabilidade de qualquer governo preparar-se para uma saída sem acordo se for absolutamente necessário", disse. E reafirmou que a hipótese de um Brexit sem saída é de um em um milhão.."Gabinete de guerra" para o Brexit.Boris Johnson já criou o seu "gabinete de guerra" para o Brexit, estando a preparar-se para uma eventual saída sem acordo. Segundo o The Telegraph , o novo primeiro-ministro estará também a planear uma campanha publicitária nesse sentido e prevê gastar cem milhões de libras nos próximos três meses - naquela que o jornal britânico apelida de maior campanha do género desde a II Guerra Mundial..O chefe da diplomacia, Dominic Raab, defendeu nesta segunda-feira, numa entrevista à Sky News, que o Reino Unido vai sair da União Europeia sem acordo, a não ser que haja uma mudança de posição da parte de Bruxelas.."Estamos nos primeiros dias e estávamos à espera de uma posição inicial robusta e intransigente", disse Raab. "Mas se a posição deles é de que não pode haver qualquer alteração a um acordo que já falhou três vezes, uma das maiores derrotas na história parlamentar da Câmara dos Comuns, então vamos sair nos termos da Organização Mundial de Comércio", acrescentou.."Estamos a acelerar as preparações para uma saída sem acordo e isso é atualmente a prioridade número um do governo", disse também o subsecretário de Estado das Finanças, Rishi Sunak, noutra entrevista, à Sky News. "Queremos tirar este backstop que é antidemocrático do acordo, mas se a União Europeia não estiver disposta a falar sobre isso, então é correto que nos preparemos de forma adequada com convicção.".As ameaças de um Brexit sem acordo levaram à queda da libra na bolsa, atingindo o valor mais baixo em dois anos..Primeira reunião sem Boris.Os planos para o Brexit implicaram a criação de dois novos comités, incluindo o chamado "comité de estratégia de saída" - apelidado de "gabinete de guerra" para o Brexit, já que se reúne na mesma sala onde ocorrem as reuniões de segurança de alto nível. Este reúne-se todas as segundas e quintas-feiras, sendo liderado pelo próprio Johnson (que não estará no primeiro encontro por se encontrar de visita à Escócia)..Neste "gabinete de guerra" está precisamente Michael Gove, oficialmente chanceler do ducado de Lancaster, mas na prática o homem responsável pelos preparativos do Brexit (com ou sem acordo). Inclui ainda o ministro das Finanças, Sajid Javid, o chefe da diplomacia Dominic Raab, o ministro para o Brexit, Stephen Barclay, e o procurador-geral, Geoffrey Cox. .Apesar de não serem ministros, há três conselheiros de Johnson que têm também lugar: o conselheiro especial Dominic Cummings (o homem por detrás da estratégia do Brexit no referendo de 2016), o conselheiro para a União Europeia David Frost, ex-embaixador na Dinamarca e antigo conselheiro de Johnson quando este estava na chefia da diplomacia, e o conselheiro político para o Brexit Oliver Lewis..Sete dias por semana, Gove irá liderar o "comité das operações diárias", responsável por passar informações importantes a Boris Johnson. Além disso, é o responsável por passar das palavras aos atos, passando para a ação as decisões tomadas pelo "gabinete de guerra"..Boris diz "não" a novo referendo na Escócia.A primeira paragem do périplo de Boris Johnson foi numa base naval na Escócia, tendo antes de partir defendido que "é vital renovar os laços que unem o Reino Unido". O novo primeiro-ministro anunciou ainda um fundo de 300 milhões de libras para financiar projetos comunitários na Escócia, no País de Gales e na Irlanda do Norte. Isto depois de ter prometido um fundo de 3,6 mil milhões de libras para ajudar uma centena de cidades na Inglaterra.."As pessoas da Escócia não votaram neste governo conservador, não votaram neste novo primeiro-ministro, não votaram no Brexit e certamente não votaram num catastrófico Brexit sem acordo que Boris Johnson está a planear", disse a chefe do governo escocês, Nicola Sturgeon, antes de se encontrar com o primeiro-ministro britânico. À chegada ao encontro, em Edimburgo, Boris Johnson foi recebido com apupos, tendo optado por sair pelas traseiras.."A Escócia tem sido ignorada em todo o processo do Brexit e é hora de toda a gente que se preocupa com o futuro da Escócia se unir e desenhar o nosso próprio caminho e dizer aos tories - parem de levar o nosso país na direção do desastre", indicou..Sturgeon estará a equacionar já datas para um segundo referendo sobre a independência da Escócia, menos de cinco anos depois de os escoceses terem rejeitado essa hipótese nas urnas por menos de 400 mil votos de diferença..Na Escócia, Johnson deixou claro que vai impedir esse segundo referendo. "Foi uma consulta única numa geração, fizemos isso em 2014 e houve a garantia de que era uma consulta única numa geração. Não vejo razão para os políticos recuarem nessa promessa", defendeu Boris..O argumento de Sturgeon é de que o Brexit alterou as condições, em especial porque na campanha do referendo sobre a independência foi dito aos escoceses que era mais certo que ficassem na União Europeia se votassem contra, com a ameaça de uma saída se optassem por ser independentes. No referendo do Brexit, em 2016, a Escócia também votou para ficar na União Europeia..Não é só do lado dos nacionalistas escoceses que Boris, apelidado pelo partido de "o último primeiro-ministro do Reino Unido", enfrentará problemas: Ruth Davidson, líder do Partido Conservador Escocês, também já disse que não poderá apoiar um Brexit sem acordo..Boris esteve com Davidson antes do encontro com Sturgeon. A líder dos conservadores escoceses disse que foi uma reunião "incrivelmente construtiva" e que abarcou várias áreas, dizendo apoiar o primeiro-ministro com todo o seu coração na tentativa de alcançar um acordo com a União Europeia..Governar a Irlanda do Norte a partir de Londres.O governo britânico está a estudar a hipótese de assumir o controlo direto do governo da Irlanda do Norte caso haja um Brexit sem acordo, confirmou o chefe da diplomacia e vice-primeiro-ministro Dominic Raab. A Irlanda do Norte deverá ser a última paragem do périplo de Boris Johnson, não sendo ainda conhecida a data da visita..Em causa está o facto de o país estar sem um governo funcional desde janeiro de 2017, depois da saída do governo de Martin McGuinness, do Sinn Féin, em desacordo com Arlene Foster, a líder do Partido Democrático Unionista. Na Irlanda do Norte, ao abrigo do Acordo de Sexta-Feira Santa, o poder tem de ser partilhado por republicanos e unionistas..Depois do Sinn Féin recusar nomear outra pessoa para substituir McGuinness, os eleitores voltaram às urnas. Nas eleições de 2 de março de 2017, os dois partidos voltaram a ser os mais votados e tinham de chegar a acordo para formar governo - o que até agora não aconteceu. Há decisões do dia-a-dia que estão bloqueadas porque cabe aos ministros tomá-las e ninguém está a ocupar esse cargo..Uma solução pode passar pelo governo britânico assumir alguns poderes, mas Londres tem recusado fazê-lo até agora. Isso implicaria a suspensão do Acordo de Sexta-Feira Santa e iria causar problemas entre os partidos nacionalistas..Raab disse numa entrevista à rádio BBC que o governo tem de garantir que não haverá um "vácuo" de poder em caso de um Brexit sem acordo. "Vamos garantir que estamos prontos para que não haja vácuo, para que haja uma conduta eficiente do governo, mas a prioridade número um é ver as partes na Irlanda do Norte a voltarem a ter um governo e um Parlamento para que possam assumir a responsabilidade e o controlo", indicou.