E agora, Will Smith?
O dia depois de Will Smith. Como é que uma das maiores estrelas de cinema de Hollywood, conhecida por ser boa pessoa e de sorriso sempre fácil, sobrevive a um dos maiores escândalos da história dos Óscares após um vil ato de masculinidade tóxica? Mais do que o Óscar conquistado (para muitos, usurpado a Benedict Cumberbatch de O Poder do Cão), o que marcou a noite da cerimónia foi a agressão a Chris Rock a partir de uma piada sobre a alopecia de Jada Pinkett-Smith, a mulher de Will? Nesta altura, ainda se discute como foi possível os aplausos sentidos da plateia a Smith na altura em que discursava a chorar após receber o Óscar pelo retrato de Richard Williams o pai das tenistas Serena e Venus em King Richard- Para Além do Jogo. Será que se celebrou o direito à violência para combater o humor inconveniente? Ou no meio de tudo isto Hollywood cimentou um muro de tabus com o discurso da comédia? Não será bem assim, a vítima, Chris Rock, mostrou-se à altura: ainda fez uma piada perante a agressão e não quis apresentar a queixa à polícia de Los Angeles. A novela vai continuar e espera sequelas, sobretudo depois de Will Smith ter pedido desculpas à Academia e, em pleno discurso, ter rogado para voltar a ser convidado. Como o amigo Denzel Washington avisava, é nas horas da glória que estamos mais perto de nos queimar. Claro que agora a máquina por trás de Smith (é preciso não esquecer que vai ter a Warner por trás, King Richard tem a sua chancela...) vai tentar minorar estragos - é provável que sigam comunicados e figuras em sua defesa. A questão, nestes tempos de exclusões e cancelamentos automáticos, é perceber se a Netflix mantém a palavra e o contrata a peso de ouro para Bright 2 e se a Sony avança ou não para a quarta parte de Bad Boys. Mais do que um ator, Will Smith é uma marca, um produtor que dá luz verde a grandes produções. O seu nome mexe com muito dinheiro, ao contrário do caso de Kevin Spacey, que devido à exposição dos seus assédios foi apagado de Hollywood muito facilmente.
O Óscar dado a Will Smith tem algo de prémio de carreira, mesmo não tendo nada contra (aliás, bastante a favor) a sua interpretação em King Richard. Antes, tinha duas nomeações: em 2002 terá ficado perto da distinção em Ali, de Michael Mann, e em 2007 tinha também uma das suas melhores interpretações em Em Busca da Felicidade, do italiano Gabriele Muccino. Nessa altura, era mesmo o ator mais poderoso do sistema de Hollywood. Depois disso, tem tido altos e baixos, mesmo sem nunca perder o peso. O curioso no seu percurso é levantar-se sempre após fracassos artísticos como Aladdin, de Guy Ritchie, ou Depois da Terra, de Shyamalan. Para trás está igualmente a imagem do eterno adolescente da sitcom O Príncipe de Bel Air na qual funcionava a sua persona de rapper: Fresh Prince era a sua assinatura. Ao longo dos anos, na América, Will Smith músico também sempre pegou, mesmo assumindo que a sétima arte era a sua prioridade, chegando mesmo aos Grammys. Mas, voltando à novela, se a Academia não lhe retirar o Óscar, Smith conseguirá sempre sobreviver. A sua masculinidade tóxica "em defesa" da família, infelizmente, granjeará os seus apoiantes e a sua rixa com Chris Rock já vem de anos. Triste, mais triste ainda, no meio disto é a forma como muita imprensa americana surge a banalizar a agressão numa altura em que a Academia quer ser mais inclusiva. Violência justificada com "amor" não fica bem a ninguém por muito que tenha servido para dar audiências, esquecer a promessa de Sean Penn de derreter os seus Óscares e colocar a Academia na ordem do dia.
Para além do momento Will Smith, a ressaca dos Óscares com a vitória de CODA - No Ritmo do Coração consagra dois aspetos: a celebração do recurso ao remake (importante sempre alertar que o filme é uma versão de A Família Bélier, de 2014) e o triunfo da Apple TV + na curadoria do cinema. Ou seja, vamos ter agora luz verde para mais preguiça em Hollywood: de certeza absoluta que muitos estúdios começaram ontem a ver filmes suecos, italianos, dinamarqueses, franceses e espanhóis para o "copy & paste". É desta que Amigos, Amigos Telemóveis à Parte tem a sua versão americana, embora há uns anos o tão infame Will Smith chegou a estar ligado a uma possível adaptação da comédia criada por Dany Boon, Bem-vindo ao Norte. Por estas e por outras, Almodóvar não aplaudiu quando Smith foi ao palco chorar e receber o Óscar...
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