São conhecidos os casos de médicos que deixam Portugal para ir exercer no estrangeiro. Mas entre administradores hospitalares isto não é comum. Carlos Martins, ex-presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar e Universitário de Lisboa Norte e ex-secretário de Estado da Saúde e do Turismo, se não é o único, é dos únicos. Prepara-se para presidir à comissão executiva do Idealmed Muscat Hospital, em Omã, "um projeto com concessão, construção e gestão portuguesa", que deverá estar concluído no primeiro semestre de 2020..O Idealmed Muscat Hospital será o 12.º hospital privado a abrir em Moscat, capital do sultanato de Omã, para onde Carlos Martins se mudará em setembro deste ano. O projeto, que custará mais de 70 milhões de euros, tem mais de dez mil metros quadrados, seis pisos e cem camas para internamento num "hospital que parece um hotel de cinco estrelas", como se pode ler na apresentação do projeto.."Eu costumo dizer que não gosto de repetir desafios. E, para mim, este [projeto] é diferente de todos aqueles que tive até hoje. Desde logo, porque nunca construí e abri um hospital. Depois também nunca geri um hospital privado na minha carreira. And last but not the least (por último, mas não menos importante), abrir um hospital privado quando no fundo soberano não há nenhuma tradição na área hospitalar. Este é o primeiro hospital em que os acionistas de referência [o grupo Idealmed, a Suhail Bahwan Group e a Oman Brunei Investment Company] se envolvem", diz Carlos Martins..Os desafios não se ficam por aqui. "Diariamente vou pensar, falar e escrever em inglês. Vou estar a gerir uma obra hospitalar - e depois um hospital - com cultura árabe. Espero aprender árabe, mas obviamente espero que tenhamos muito linguajar português no edifício." Porque o objetivo é que Portugal esteja presente na unidade hospitalar para além do ADN do projeto.."Teremos seguramente profissionais portugueses. Aliás, a equipa de fiscalização, a de designers de interiores, o arquiteto e as especialidades são portuguesas. Seguramente teremos diretores de serviço que serão portugueses, como teremos omanis, ingleses... É pela qualidade e pela diversidade das equipas internacionais que vamos procurar distinguir este hospital privado no contexto dos hospitais privados da região."."A saúde pública em Omã funciona muito bem, mas há espaço para projetos privados", refere o administrador, que se foi mantendo atento à obra do grupo de saúde privado português Idealmed, com sede em Coimbra, desde a sua apresentação, em 2017. Desde cedo lhe suscitou "orgulho e curiosidade natural". "Porque estive muito ligado à internacionalização da saúde", refere..Seis anos à frente do maior centro hospitalar do país.Neste mês, deixou a presidência da administração do Centro Hospitalar e Universitário de Lisboa Norte, o maior do país, onde estão integrados os hospitais de Santa Maria e Pulido Valente. Foram quase seis anos à frente destas instituições. Lamenta não ter "conseguido a estabilidade económica e financeira". "Não por razões de falta de capacidade dos recursos humanos ou da estrutura, mas por ausência de autonomia. Essa é a grande diferença entre o setor público e o setor privado.".No entanto, afirma que tem "a consciência tranquila por ter feito o melhor que sabia e que podia". Nomeadamente, por considerar que geriu os dois hospitais tendo em vista critérios que vão para além das preocupações dos gestores de unidades hospitalares públicas. Exemplo disso, segundo Carlos Martins, foi o incentivo dado às associações de apoio aos doentes, que duplicaram durante os últimos seis anos.."O hospital tem de ter prejuízo porque é um hospital público, mas ter uma gestão de proximidade com os dirigentes, procurar sensibilizá-los para os desvios, procurar explicar o porquê das mudanças e ter inovação permanente é essencial. Dizemos que a responsabilidade social está no ADN do Serviço Nacional de Saúde [SNS] e é verdade, mas isso não quer dizer que não se estimule a criação de associações de doentes. O dia para mim não é nine to five [das 09.00 às 17.00]. Há tantas coisas que no setor privado fazem parte do quotidiano de um gestor e no setor público nem por isso.".À frente do Centro Hospitalar Lisboa Norte está agora Daniel Ferro, ex-presidente do conselho de administração do Hospital Garcia de Orta, em Almada, com quem Carlos Martins trabalhou várias vezes. "Encaro com naturalidade a minha saída, desejo-lhe a ele e à equipa felicidades e que consigam fazer mais e melhor do que aquilo que eu fiz. É uma instituição com uma responsabilidade enorme no Sistema Nacional de Saúde, porque ali se formam médicos mais do que para o SNS, para o setor social, para o privado, para os países de língua portuguesa e não só.".Do SNS para o privado."Gerir [hospitais públicos e privados] tem diferenças, mas também tem pontos comuns. O Santa Maria é um hospital público, do SNS, mas no meu dia-a-dia procurei ter sempre regras, procedimentos, que têm muito que ver com aquilo que foi a minha prática no setor privado, dentro do que é possível. Claro que temos de cumprir a lei.".Por isso, considera que voltar ao privado não é assim tão diferente, já que foi aplicando as estratégias que conhecia do tempo em que trabalhou fora do SNS. "O que fizemos foi encontrar parcerias entre aquilo que era o nosso ativo património e aquilo que era a disponibilidade do setor empresarial. Através do mecenato, conseguimos fazer coisas fantásticas. E sobretudo criámos uma cultura de responsabilidade na estrutura dirigente e uma cultura de exigência, com a monitorização de resultados."