Porto, Lisboa e Coimbra admitem novo ano letivo sem praxes
Fatos vestidos, capas pretas ao ombro ou camisolas que indiciam a chegada de um novato ao ensino superior, frente a frente. Por esta altura, os grupos praxísticos já se preparavam para arrancar um novo ano letivo com este cenário em mente, onde alunos mais velhos e mais novos se juntavam para determinadas atividades - algumas reconhecidas como lúdicas, de integração, outras de caráter mais autoritário, levando a queixas formalizadas nas autoridades competentes. Certo é que a tradição há muito está instalada nas várias instituições do país. Mas, este ano, a mesma ameaça ser colocada em suspenso.
No início de julho, o grupo que gere a praxe académica da Universidade do Minho anunciava o regresso das atividades, para poucos dias depois recuar na decisão, envolto numa polémica que mereceu a crítica das autoridades locais e nacionais. Em plena pandemia de covid-19, com as restrições aplicadas por todo o país - em Lisboa com mais força, sendo atualmente o grande foco do vírus - deve ou não ponderar-se a retoma das atividades praxísticas? Porto, Lisboa e Coimbra consideram não haver condições para que tal ocorra dentro do registo habitual.
"Pode ser ainda precoce estarmos a falar disto, mas se tudo se mantiver mais ou menos como os dias de hoje, garantidamente não será possível ter estas atividades" na academia, garante o presidente da Associação Académica de Lisboa. Bernardo Rodrigues conta que, na semana passada, esteve presente numa reunião do Conselho Municipal de Educação de Lisboa "onde a autarquia mostrou preocupação" sobre o assunto. "E as instituições também não vão permitir", está confiante.
Segundo o representante de cerca de 85 mil estudantes de Lisboa, "havendo um caso de infeção no ensino superior, facilmente se propaga para os milhares", pelo que será necessário "muito mais cautela" nesta instituições.
Já a Federação Académica do Porto (FAP) atenua o discurso, demonstrando que tem confiança na responsabilidade dos alunos. "A FAP não tem nada a ver com qualquer atividade praxística. O que eu espero é que os estudantes da academia do Porto, como têm sido até aqui, sejam responsáveis e solidários com os colegas, conscientes de que fazem parte de uma comunidade muito grande e que não devem fazer nada que ponha em causa essa mesma comunidade", diz o presidente.
Marcos Alves Teixeira acrescenta que as diretrizes das autoridades de saúde são suficientemente claras para se definir limites sobre este tipo de atividades, "quando o Governo diz que não são permitidos ajuntamentos de mais de 20 pessoas".
Uma visão partilhada, aliás, pelo presidente da Associação Académica de Coimbra, Daniel Azenha, que em entrevista ao DN disse que "qualquer atividade só deve acontecer se houver segurança". "Se tivermos de abdicar de uma atividade em prol da segurança, assim deverá ser", reitera.
A sua maior preocupação, diz, "é que os estudantes sejam bem integrados". O que, a seu ver, são estudantes com "acesso à cultura, ao desporto, que conheçam os colegas, que possam aprender e divertir-se dentro da vida académica". Mas mesmo as atividades de integração independentes da praxe são uma dúvida para o próximo ano letivo. Segundo acrescenta o presidente da FAP, "as próprias instituições estão a tentar perceber como vão receber os seus novos alunos", porque, "à partida, não será possível juntar cinco mil pessoas como acontecia sempre na semana anterior ao início das aulas".
As várias associações e federações representantes dos estudantes no país foram convidadas, há duas semanas, para comparecer numa reunião com o secretário de Estado do Ensino Superior, João Sobrinho Teixeira. Entre as diferentes temáticas retratas na conferência, os representantes estudantis levaram a maior das preocupações para o próximo ano letivo: a retoma das atividades letivas presenciais.
A Associação Académica de Lisboa (AAL) é perentória sobre este assunto: aulas presenciais apenas devem acontecer com as unidades curriculares práticas, à semelhança do que ocorreu no final do ano letivo que agora terminou; já as teóricas devem permanecer em regime online.
Num comunicado enviado ao DN, a AAL demonstra preocupação "pela segurança ou falta dela, nas aulas presenciais, dado que a Região de Lisboa e Vale do Tejo apresenta infecções diárias muito significativas de SarS CoV2". "A AAL defende, desta forma, um leque de medidas para salvaguardar a proteção de todos os estudantes do ensino superior, de destacar o início de aulas em regime e-learning para as cadeiras e cursos mais teóricos, permitindo assim uma maior segurança para todos", pode ler-se no documento.
Mas a posição não é reiterada pelos representantes dos estudantes em Coimbra e no Porto, pelo menos. Questionado sobre a posição que ocupa em relação ao regresso às aulas presenciais, Daniel Azenha, presidente da Associação Académica de Coimbra, diz que este deve ser o cenário preferencial, quer para as unidades curriculares práticas quer para as teóricas. O representante lembra que "há colegas das áreas das humanidades que acabam por ter todas as aulas teóricas" e que estes últimos meses revelaram que "há muito mais colegas do que pensávamos sem acesso à internet ou a um computador", que saíram prejudicados com o ensino à distância.
Daniel Azenha acrescenta que "o objetivo é que os estudantes possam estar sempre em contacto com os professores e com os colegas, desde que haja condições de segurança" que não coloquem "ninguém em risco".
Por isso mesmo, o presidente da Federação Académica do Porto diz que a retoma das aulas presenciais deve acontecer "sempre que possível", considerando a capacidade das infraestruturas das instituições de ensino. "Se um auditório não permitir que estejam 50 pessoas lá dentro com dois metros de distância, se calhar não será possível", aponta Marcos Alves Teixeira. Para contornar a questão, algumas universidades poderão adotar um "sistema de rotatividade entre turmas", de forma a não alocar demasiados alunos no mesmo lugar e ao mesmo tempo.
Lembra ainda que é preciso "ser sempre assegurado o princípio de que quem está fragilizado, em risco ou doente devido à covid-19 não deve sair prejudicado". O representante dos estudantes de Coimbra e de Lisboa concordam com a ideia e frisam a necessidade de dotar as instituições de condições técnicas para o fazer, além de um reforço da ação social do estado para que mais alunos possam ter acesso a computadores e internet.
Para já, o ensino superior aguarda orientações mais específicas sobre o arranque do próximo ano letivo.