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Sociedade
28 agosto 2022 às 22h00

Oliver Milman. "A perda de insetos parece ser a catástrofe mais ampla e silenciosa que atualmente afeta o nosso planeta"

Súbito, o burburinho incessante dos insetos extingue-se dos campos. As aves que deles se alimentam desaparecem, fenecem as frutas e vegetais que dependem da polinização. Uma cadeia de acontecimentos propaga-se a uma escala planetária. Os insetos estão a desaparecer da Terra, sublinha o jornalista Oliver Milman na sua obra de estreia A Crise dos Insetos. Conversámos com o autor para perceber os contornos desta emergência oculta.

Jorge Andrade

Se pegássemos em todas as térmitas do mundo e as moldássemos numa bola gigante, este torrão em alvoroço, numa medida conhecida por biomassa, pesaria mais do que todas as aves do planeta". A analogia de grandeza que o jornalista norte-americano, especializado em questões ambientais, Oliver Milman, leva para o seu primeiro livro, A Crise dos Insetos - A Queda dos Pequenos Impérios que Fazem o Mundo Girar (Bertrand Editora), dá-nos uma escala do incrível sucesso destas pequenas criaturas. Com base apenas em números e biomassa, os insetos são os animais mais bem-sucedidos na Terra. Contudo, o número de insetos está em grave declínio, com a redução a ultrapassar os 90% nalgumas regiões. De acordo com Oliver Milman, 5 a 10% das espécies de insetos conheceram a extinção no curto período que medeia entre a industrialização e o momento presente.

Uma escala de extinção que não é de somenos, quando sabemos que três quartos das espécies animais conhecidas no nosso planeta encontram representação nestas criaturas, às quais reservamos muito pouco do nosso tempo. Há um milhão de espécies de insetos nomeadas, embora se estime que possam atingir 5,5 milhões. Por exemplo, o número de espécies de moscas é quatro vezes mais vasta do que o de todos os diferentes tipos de peixes nos oceanos do mundo. Podemos não gostar destes seres alados, mas graças ao seu trabalho gratuito, desfazemo-nos de animais mortos, folhas putrefactas e excrementos. Acresce Oliver Milman: "Também são grandes polinizadores".

Com a destruição de habitats, pulverização de químicos tóxicos e o aquecimento crescente do planeta, criámos um cenário infernal para muitos insetos, recorda-nos o jornalista. Numa parte da Alemanha, a massa de insetos diminuiu três quartos. "Em qualquer outra área da vida, esta tendência daria azo a uma cadeia de intervenções de urgência. Com os insetos, ficamos à espera do estudo seguinte", refere Milman.

Aos insetos cabe-lhes multiplicar os nossos alimentos, por exemplo através da polinização, são alimento de outros seres vivos, tratam dos nossos desperdícios putrefactos, eliminam pragas, alimentam o solo. Contudo, não estão entre a "megafauna carismática", como tigres, rinocerontes, elefantes e ursos-polares. "Como nunca existiram sem eles, os seres humanos nunca consideraram propriamente a sua ausência ou mesmo a sua diminuição", recorda-nos Milman nas páginas do seu livro, acrescentando as palavras da entomologista Erca McAlister: "Temos 50 mil pessoas a estudarem um tipo de macaco e uma pessoa a estudar 50 mil tipos de moscas".

Para o correspondente nos Estados Unidos do jornal britânico The Guardian, a evidência crescente da diminuição de insetos força-nos a considerarmos as consequências desastrosas do seu declínio, um cenário que o jornalista traduz no seu livro através das palavras do biólogo E.O.Wilson: "O colapso da exploração agrícola arável e dos ecossistemas levaria à nossa extinção apenas em parcos meses. Antes de nós, a maioria dos peixes, mamíferos, aves e anfíbios cairia no oblívio, seguida pelas plantas floríferas. Após uma explosão inicial suscitada pela morte e putrefação, também os fungos morreriam".

O que o levou a desenvolver um trabalho tão aprofundado sobre o declínio no número de insetos?
Julgo que se alguém me dissesse há cinco anos que o meu primeiro livro seria sobre insetos, teria dado uma boa gargalhada. Como escritor de temas relacionados com o ambiente, sempre me atraíram os grandes e carismáticos aspetos do mundo natural, como os ursos polares, a floresta amazónica, a Grande Barreira de Corais e assim por diante. A ideia de que os insetos são criticamente importantes para a nossa sobrevivência, ou que estavam em perigo, parecia-me um tanto estranha. E, no entanto, a perda de insetos parece ser a catástrofe mais ampla e silenciosa que atualmente afeta o nosso planeta. Depois de conversar com muitos cientistas ligados a esta área, percebi que a crise dos insetos é um assunto que tem de chegar a muito mais pessoas e a motivar a ação.

Aparentemente, vivemos num mundo onde não concebemos a extinção do ser humano. Contudo, no início do seu livro, descreve-nos um futuro pouco promissor: o fim dos insetos representa o fim da humanidade. Quão dependentes estamos destas pequenas criaturas?
Sim, um mundo sem insetos seria um lugar triste. Também seria um lugar em que não duraríamos muito tempo, segundo algumas estimativas, apenas alguns meses. Os insetos polinizam cerca de um terço dos alimentos que ingerimos, atuam na decomposição e transportam nutrientes através das florestas, pastagens e outros ecossistemas. Estas pequenas criaturas são uma valiosa fonte de medicamentos e alimento para inúmeras espécies de pássaros, anfíbios e outros animais, incluindo, em muitas partes do mundo, os próprios humanos.

Os insetos são um alicerce fundamental da vida na Terra, sem eles estaríamos totalmente perdidos, famintos e a enfrentar um colapso ecológico completo. Um dos meus exemplos preferidos desse destino pouco promissor é o que aconteceu no início da colonização europeia da Austrália. Os colonos levaram gado para aquele território. Nenhum dos besouros nativos estava acostumado a decompor os excrementos do gado, mas sim os dos marsupiais. Em consequência, grandes áreas do país cobriram-se de fezes e a terra ficou envenenada, o que originou uma crise séria. Em consequência, tiveram de importar escaravelhos da Europa para resolver o problema.

Fala-se há décadas na possível extinção de insetos, por exemplo com o brutal decréscimo no número de abelhas. Por que motivo o tema se tornou agora urgente?
Os cientistas só recentemente começaram a analisar os números que revelam esse declínio porque, anteriormente, parecia inútil fazê-lo, mesmo que informalmente se falasse de uma queda nos números. Nos últimos cinco anos, houve uma torrente de estudos que revela declínios em muitas partes do mundo. Ainda não sabemos tudo, mas a visão que temos agora é bastante chocante.

Há dados que nos indiquem quando começou este declínio?
Sim, e muitos destes dados estão detalhados no meu livro. Na Alemanha, três quartos dos insetos voadores desapareceram das reservas naturais desde a queda do Muro de Berlim [1989]. Em Porto Rico, a floresta tropical esvaziou-se de insetos. Em França, desapareceram muitas espécies de pássaros que dependem de insetos para se alimentarem. Metade das borboletas britânicas desapareceram nos últimos 50 anos. Nos Estados Unidos, uma em cada quatro espécies de abelhas está em extinção. A lista continua e continua.

É lícito afirmar que os insetos são um dos alicerces da civilização humana?
Sim, eles ajudaram-nos a criar sistemas alimentares e impulsionaram áreas da ciência, arte e medicina. Somos criticamente dependentes dos insetos, embora não os apreciemos. Dizemos que as pessoas estão a "melgar-nos" [em inglês bugging us, com bug a significar inseto] ou associamos insetos a doenças. Tudo isso é bastante inútil quando temos de nos confrontar com algo grave, o declínio destes seres.

Que fatores mais contribuem para o declínio no número de insetos?
Existem vários e sobreponíveis. Os três grandes fatores são a perda de habitat, o uso de pesticidas e as mudanças climáticas. Transformamos ecossistemas complexos e variados em terras agrícolas e cidades monoculturais e encharcamo-los com produtos químicos venenosos. Agora, estamos a empurrar a temperatura do planeta para níveis além daqueles que os insetos toleram.

Há ligações entre o mundo dos insetos e dos humanos que não são óbvias. Pode dar-nos dois ou três exemplos?
Sim. Sem um pequeno mosquito que poliniza a planta do cacau, não haveria chocolate e uma indústria global de milhares de milhões de dólares. Sem moscas, os arredores das nossas cidades e os nossos quintais estariam cobertos de corpos de aves mortas e apodrecidas. Sem abelhas, provavelmente não teríamos um dos vegetais que tanto apreciamos, o tomate.

Aparentemente, não estamos a olhar para os insetos com o interesse que estes nos merecem, como afirma. Por exemplo, os grandes mamíferos são mais mediáticos. Os próprios entomólogos esforçam-se por atrair a atenção sobre os insetos, dando-lhes nomes sexy como Lady Gaga e Pink Floyd. Que encanto há, por exemplo, numa mosca ou num mosquito?
Pode ser difícil pensar nestas criaturas de forma positiva porque, culturalmente, somos ensinados a não gostar delas. Mas são lindas, à sua maneira, e cumprem uma função de polinização ou de alimento para outros seres vivos. Todos eles fazem parte da teia da vida da qual todos nós dependemos. Os insetos também têm um tipo de sociedade que podemos apreciar, como o complexo funcionamento de uma colónia de formigas ou a inteligência das abelhas, que se reconhecem e até foram treinadas para encontrar minas terrestres.

Na obra que publicou refere-se a uma espiral de morte recíproca entre insetos e aves. É uma imagem assustadora...
Sim, estamos a assistir ao declínio das aves que se alimentam de insetos em países como França e Alemanha, e até mesmo no coração da Amazónia, mesmo que o número de aves omnívoras, como os corvos, permaneça estável. Esta é uma evidência muito marcada do declínio de insetos. É uma grande preocupação, porque mesmo que não goste de insetos, é bem provável que goste de aves.

No seu livro traz-nos, quando refere a extinção dos insetos, as palavras "apocalipse ignorado". Não é uma questão que preocupe governos e decisores?
Considero que cada vez mais os governos percebem a gravidade da questão. Por exemplo, a decisão que a União Europeia tomou para proibir certos pesticidas que matam as abelhas, ou o referendo realizado na Baviera, Alemanha, para converter terras agrícolas em terras orgânicas e acabar com os produtos químicos. Mas, ainda estamos a dar os primeiros passos nesta questão. Não direcionámos as nossas cabeças para a escala da crise e a consequente escala da resposta necessária.

As alterações climáticas trarão a oportunidade de multiplicação e proliferação de algumas espécies de insetos? É um risco ou novas oportunidades?
Sim, e não serão os insetos que queremos por perto. Estima-se que mil milhões de pessoas em todo o mundo estarão sujeitas a mosquitos transmissores de doenças devido às mudanças climáticas. Baratas e percevejos viverão bem num mundo mais quente. São as abelhas e borboletas que vamos perder.

O gradual declínio de insetos vai deixar-nos mais doentes?
Sim, no que toca à desnutrição, porque veremos a produção de frutas e vegetais frescos diminuir à medida que a polinização não atende à procura, e também porque os insetos são grandes fontes de medicamentos. Enfrentamos não apenas uma crise de insetos, mas também humana.

Finalmente, havendo uma medida no imediato para salvaguardar o futuro dos insetos qual seria?
Precisamos de agir sobre as mudanças climáticas, reformar a forma como cultivamos e diminuir a nossa dependência de pesticidas. Mas, a primeira coisa que todos podemos fazer é deixar que a selva invada um pouco as nossas vidas. Vemos relvados iguais, quer estejamos em Lisboa, Nova Iorque ou Sidney. Podemos plantar espécies vegetais nativas, aliviar a utilização de pesticidas domésticos. Pelo menos, isso dará uma nova oportunidade aos insetos.

dnot@dn.pt