Nuno Crato: "No regresso à escola, deveriam ser feitos testes nacionais"

Antigo ministro, professor de Matemática e Estatística no ISEG e presidente da Iniciativa Educação afirma que "os professores sentem revolta" por terem regressado sem vacina e que "há culpas de todos", Aponta ainda "desilusão" com a falta de computadores.
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Segunda-feira, dia 5, reabre o ensino presencial nos 2.º e 3.º ciclos. O que se perdeu com as aulas online e que impacto teve nos alunos?
Perdeu-se o convívio, criou-se algum medo, perdeu-se a naturalidade entre as pessoas, que é fundamental, do aperto de mão à pancada nas costas. O convívio, que na infância e adolescência tem significado extraordinário, perdeu-se. Foi substituído pelo online, mas não funciona tão bem. Perdeu-se cognitivamente, perdeu-se conhecimento, durante este ano de pandemia os jovens não aprenderam da mesma maneira. Portanto, o ensino saiu prejudicado e cognitivamente estes jovens foram prejudicados. Perdeu-se muita coisa e agora temos de recuperar. Pensando no futuro, devemos tentar ao máximo recuperar a aprendizagem desses jovens e, uma vez no ensino presencial de novo, recuperar o social, tão importante.

O que é que o sistema de educação deveria fazer de abril a junho para repor algum desse conhecimento
A maioria dos países está a colocar a si própria este problema: o que é que se vai fazer. Primeiro, passámos tempo a organizar-nos online e tivemos sucesso em certo sentido, porque os professores rapidamente se adaptaram, os alunos também, as famílias, com imenso custo para todos. Agora temos de pensar na fase seguinte. Como recuperar o mais possível no ensino presencial. E vamos esperar que se mantenha, porque não sabemos se vamos conseguir até junho ou julho. Agora o que é preciso fazer? Em primeiro lugar, é preciso avaliar a situação. É decisivo avaliar o estado dos alunos.

Os alunos deveriam chegar à escola e fazer um teste de diagnóstico?
Devia fazer-se tudo. Os testes de diagnóstico que os próprios professores fazem normalmente, testes generalizados na escola - e, na minha opinião até se devia fazer testes nacionais. Porque nós não queremos só saber como é que este aluno está e como é que esta turma está, queremos saber como é que esta turma está em comparação com as restantes, ou seja, se precisamos de trabalhar mais, se estamos mais ou menos na média. É necessário avaliação, uma coisa que é decisiva para o ensino e que os professores fazem todos os dias nas aulas. Porque os professores estão sempre a fazer perguntas, a verificar quem é que está a compreender, quem está com atenção, etc. Mas mesmo assim, muitas vezes os próprios professores são surpreendidos na sua turma quando fazem testes. Neste momento, com o ensino à distância e esta relação menos direta é preciso que os professores façam ao máximo este tipo de diagnóstico. Há três tipos de testes: os de diagnóstico, os formativos e os sumativos. Hoje é preciso fazer um diagnóstico da situação. Os formativos são os testes que se fazem não tanto para saber em que ponto o aluno está, mas para ajudar o aluno a saber em que ponto está. Isto é um tema de muita importância da psicologia educativa moderna. O teste é uma verificação do que o aluno sabe, mas é também uma maneira de reativar no cérebro todos os circuitos, todas as relações que aquela pergunta tem com o que ele sabe, de forma a recordar e estabelecer novas conexões entre conceitos.

E estão a fazer estes à distância?
Estão, mas não é o mesmo que na presença do professor. Julgo mesmo que é necessário fazer testes, pelo menos provas de aferição nacionais, para percebermos em que ponto estamos e quais são medidas a tomar para que as coisas melhorem.

Portanto, deveriam ser aplicados a todos os alunos e todos os anos?
Eu julgo que sim. Deveria ser imediatamente, logo que se retorne. Um momento em que haja um teste estilo prova de aferição. Não que conte para a nota, mas para conhecermos o estado do ensino. É dramático não o conhecermos.

A reabertura das aulas para os mais novos será seguida de mais duas fases, a 5 e 19 de abril. Os professores não estão todos vacinados. Como avalia o regresso sem vacinação?
Sinto, pelas pessoas com quem falo e por mim próprio, que há alguma revolta. Porque nós, professores, estávamos a pensar que a situação podia estar resolvida mais cedo se tudo aquilo que se relaciona com as vacinas tivesse corrido melhor. Estamos a olhar para o lado e a ver Inglaterra com uma taxa de vacinação já muito grande, os EUA, Israel, que é um caso à parte, e nós estamos muito atrasados. Estávamos à espera que este problema pudesse estar resolvido nos primeiros meses deste ano, e não está. E está a demorar muito. Há aqui alguma revolta.

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Pode explicar melhor?
Isto coloca-nos numa situação um pouco pior do que a que já tivemos. Em tempos, regressámos à escola com a ideia de que era um risco, mas um risco necessário. A partir do momento em que os alunos estão na escola, os riscos multiplicam-se, porque os pais vão buscá-los, os pais contactam uns com os outros, muitos vão em transportes públicos, etc. Olhámos para isso como um risco, mas a bem dos jovens. Agora perguntamos porque é que ainda temos este risco, porque é que o processo não está mais avançado. É um bocadinho desmoralizador.

A revolta é para com o governo, que não conseguiu cumprir o plano?
Agora entrámos numa discussão política... É uma revolta com a situação. Houve falhas de todos os lados. E falhas enormes. Nada ajudou. Parece que a Comissão Europeia não funcionou da melhor maneira. Enfim, muita coisa não funcionou.

O professor tem sido um evangelizador da Matemática...
E do Português.

E serão os alunos de Matemática quem mais poderá ficar para trás nesta pandemia? O que é que o Ministério da Educação pode fazer para que isso não seja a realidade?
A Matemática tem certas características, como tem o Português, a História, etc., mas tem uma dificuldade adicional: é cumulativa. Se os jovens não sabem somar, vão ter dificuldades imensas em subtrair. Se não sabem somar e subtrair, vão ter dificuldades em multiplicar. Se não sabem multiplicar, vão ter muitas dificuldades de subtrair. Se têm dificuldades com as contas básicas, quando passam à Álgebra, vão ter muitas dificuldades. O que se adquire é passo a passo, é quase camada após camada. Todo o nosso programa tem de ser muito cumulativo e organizado. Se falha alguma coisa, falha tudo de seguida. A Matemática é uma matéria onde não se pode pensar "ah, esta coisa não gosto e vou deixar para depois". Porque isso volta a aparecer um pouco mais à frente e a criar dificuldades. A Matemática tem dificuldades adicionais em relação a qualquer outra disciplina. Agora, como é evidente, Matemática e Português são disciplinas fundamentais, importantíssimas de dominar. Voltando à pandemia, temos um estudo na página online da Iniciativa Educação sobre isso e que mostra como estas coisas funcionam. Por exemplo, nas férias de verão há partes da Matemática, do Português ou de línguas estrangeiras que se esquecem mais depressa do que outras disciplinas. Aspetos conceituais esquecem-se menos e os procedimentais e de mobilização mais. É preciso voltar atrás agora e rever todos esses aspetos.

Portanto, tendo em conta que a pandemia foi uma paragem forçada, perdeu-se esse lastro durante este ano...
Perdeu-se. Era muito importante saber exatamente o que se perdeu - e é difícil, varia muito, porque há casos que, pelo facto de os alunos terem um acompanhamento em casa mais bem organizado, mais estruturado, e a própria escola ter meios, em que as coisas funcionam melhor. Não é só uma questão de dedicação dos professores. É todo um conjunto de fatores. Não pensemos que a culpa é dos professores. São pais, situações familiares, económicas, tradições da escola...

Nesse conjunto de condições esperava-se que os alunos do ensino público tivessem tido os computadores prometidos pelo Governo e que não chegaram a tempo?
Toda a gente estava à espera. Mas isso não aconteceu.

E foi muito penalizador para quem não tem condições para comprar?
Mais uma vez sim, é penalizador.

Como colmatar essa falha?
Há falhas em vários locais. Claro, para os alunos é bastante perturbador, porque deveriam ter um acesso mais fácil às aulas e estão a fazê-lo por telemóvel ou aparelhos nos quais é muito difícil seguir as matérias. É muito diferente ter um telemóvel ou um tablet de 200 euros à frente e ter um ecrã de computador com um bom microfone, com uma relação em que a pessoa está com uma postura mais relaxada. É muito diferente. Os alunos sentem isso. Mas, mais uma vez, não está avaliado. Nós sabemos que os computadores faltam e há uma desilusão. Se ninguém tivesse dito "vai haver computadores", paciência. Mas não. Parece que estava tudo programado. Então porque é que não existiram? Isto tudo é um bocadinho deprimente.

Não sei se tem refletido sobre os efeitos sociais desta desilusão naquilo que será o futuro da própria proteção dos professores, da relação com os alunos. Se a Iniciativa Educação tem isso no roadmap, mas o impacto que esta pandemia pode ter no sistema educativo em Portugal é algo que o preocupa?
Vai deixar certamente marcas nos alunos. E nos professores. Quando os alunos não progridem também os professores têm uma frustração. Vamos todos trabalhar para que isto não aconteça ou aconteça o menos possível. É preciso tomar consciência do que se passou, avaliar e atuar. A primeira coisa é avaliar, saber o que se passa em todos os sentidos. E depois atuar. E ter ambição. Este é um problema fundamental, não podemos voltar à escola e pensar: "Bem, isto foram tempos maus, não faz mal, mas ao menos temos os alunos connosco, ao menos temos aqui uma vida social quase normal, vamos passar à frente." Temos de ter ambição. A escola está ali para que os alunos tenham uma formação real. Não só do ponto de vista do conhecimento, mas também das capacidades que desenvolvem e até das atitudes e relações sociais. Essencialmente, para aprender, melhorar, dar uma formação real aos alunos. Vamos voltar à escola e acelerar o conhecimento destes alunos. Como? Temos de ter programas bem estruturados, metas bem claras que existem e temos de pegar nelas e avançar; avançar nos bons manuais escolares e recuperar tempo.

E tem faltado essa ambição?
Não sei se tem faltado... Da parte dos professores não tem faltado.

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A educação já foi vista como uma paixão dos governos socialistas. Deixou de o ser?
Para mim é muito difícil ver as coisas nesses termos. Isto não é propriamente um romance de amor.

Como ex-ministro além dos testes nacionais, haveria outras medidas que gostava de ver para se conseguir essa ambição, esse progresso?
Uma coisa muito importante é continuar a avaliação e melhorar os manuais escolares, outra é prosseguir com os programas bem estruturados que temos, com as metas bem estruturadas que temos. De que é que precisamos de fazer para melhorar o ensino? Tendo bons professores, professores dedicados, tendo as salas de aula, estando estas questões resolvidas, o que é que é preciso? De um bom currículo e avaliação. São as duas coisas essenciais. O que se passa neste momento é que ninguém sabe qual é o currículo. O que é um problema. Mas temos currículo e temos manuais escolares que poderiam ser melhores e, portanto, o que eu diria aos professores é utilizemos o melhor que existe no currículo com ambição.

Tem-se falado muito do PRR e desta aposta na digitalização. Como é que esta preparação pode ser feita para que os talentos que saíram da escola e das universidades possam ter este este chip e qualificações ?
Todos aprendemos muito nestes tempos. Saímos desta crise mais bem preparados para utilizar ferramentas digitais, que são importantíssimas e, portanto, desse ponto de vista da preparação generalizada para utilizar ferramentas digitais estamos melhor. Agora, é preciso técnicos. Não é só pessoas que estavam a carregar no botão e que saibam a fazer um Excel. É preciso técnicos que saibam fazer programação, em Python, em C++, saibam transformar a nossa economia. Ora, para termos técnicos precisamos de pessoas que saibam matemática. A computação é essencialmente matemática. E a programação, mais elementar, é essencialmente lógica e matemática. Portanto, precisamos de maior treino das pessoas, que a nova geração saia mais treinada em matemática e nas ciências em geral. Sem desprimor nenhum para as humanidades, para o Português. O Português é também absolutamente decisivo, porque o que nós vemos nesta nova economia é um valor enorme da capacidade de comunicação. Não é só saber falar, é falar bem, é saber exprimir bem o que pensa, utilizar o vocabulário adequado, ser capaz de escrever um parágrafo que faça sentido. Isto tudo são capacidades básicas em que temos muito a fazer. Um estudo muito interessante revelou o chamado efeito ficção. Verificou-se, olhando para os dados do Pisa e uma série de dados, que os jovens que leem mais romances, ficção e textos longos, têm mais capacidade de comunicação do que os que leem apenas textos breves. O romance pode ser lido na net, ou uma ficção ou texto longo. Mas o que se verificou foi que os textos longos, que obrigam a um raciocínio, a perder algum tempo em diálogo com o autor, são muito importantes para desenvolver a capacidade de comunicação dos jovens. Pode parecer um paradoxo, mas eu diria que se querem formar uma nova geração digital para o século XXI deem-lhes romances para ler.

Isso requer pedagogia também da parte do Ministério da Educação, para que os jovens voltem a ler...
Sim, é uma pedagogia que tem de ser feita, que os professores fazem. Há conjunto de textos recomendados e é preciso seguir esses textos, tentar que os jovens leiam. E não é rebaixar as coisas. Houve um caso ridículo com o regulamento do Big Brother a substituir um autor português qualquer, dizendo que esta é que é a literacia necessária. Bem, quem sabe ler o Eça de Queiroz sabe ler o regulamento do Big Brother, quem sabe ler o regulamento do Big Brother não sabe ler o Eça. Aqui é que está o problema.

O ensino técnico-profissional perdeu-se muito em Portugal. Aquilo que referiu, de serem precisos técnicos para esta nova era, tinha implícito que o técnico-profissional deveria ser uma aposta?
Sim, sim. Não são necessárias grandes revoluções. Porque a legislação existe, no que se refere ao secundário, e é possível criar cursos profissionais que respondam às necessidades da economia. Agora o que é que é preciso fazer e muitas escolas estão a fazer e a Iniciativa Educação a ajudar através do programa Ser Pro, é estabelecer contactos com a indústria. Isso é fundamental para desenvolver o ensino profissional. O ensino profissional deve ser desenvolvido, não partindo dos recursos que a escola tem, mas fazendo o percurso inverso, parte das necessidades da economia, que são as necessidades dos nossos jovens, para terem emprego e serem produtivos para a sociedade e a sociedade também lucrar com a sua participação ativa. É preciso que haja adequação dos cursos àquilo que é necessário nas empresas, numa Câmara Municipal, no mundo. E para isso é muito importante que haja uma relação com as empresas. Não é uma questão utópica. As próprias empresas quando veem um programa bem feito e quando as escolas lhes pedem colaboração veem que aquilo é sério e dizem contribuem. E o que se pede é que contribuam voluntariamente, está a fazê-lo porque sabe que é importante. Não porque vai receber dinheiro. Portanto, que as empresas possam contribuir voluntariamente, como tantas estão a contribuir neste momento, e ajudar a desenhar os cursos, a dizer "esta linguagem de programação já não se usa nesta área, agora usa-se esta". Às vezes a fornecer as próprias de bancadas de trabalho, formação em contexto de trabalho - isso é decisivo para que estes cursos funcionem.

A Iniciativa Educação e o Ser Pro são uma ilha do mundo ideal, mas no resto do país isso não acontece, esta proximidade entre mundo empresarial académico. Este projeto devia ser política nacional? Uma prioridade da educação?
Não, não. Podemos falar disso. Nós não temos ambição nenhuma em relação à política nacional. Tentamos contribuir, sem nos substituirmos ao Estado, às escolas, às autarquias. Tentamos contribuir com projetos-piloto. Vamos verificar se o projeto funciona, se não e depois as pessoas utilizam essa informação e fazem como quiserem. Eu julgo que as escolas estão já muito mais interessadas neste tipo relação com as empresas e as próprias empresas estão mais interessadas na relação com as escolas. E para técnicas das mais diversas, seja programação de relva, ou da agricultura, sejam técnicos de carnes, quando o projeto está bem definido, empresas e escolas aderem. Se posso fazer algum apelo é que as escolas contactem as empresas, que as empresas contactem as escolas. Nós temos ajudado com as nossas limitações. E o trabalho do Ser Pro está a ser interessante.

O que é que a Iniciativa Educação pode fazer mais para colmatar falhas nesta conjuntura?
Há uma série de sugestões que existem no nosso site. Aliás o artigo mais lido foi feito por um colaborador nosso, dos Países Baixos, que é um homem muito famoso, e chama-se exatamente "10 sugestões para o ensino remoto". Mas eu diria que o essencial, além das sugestões técnicas para os professores, como por exemplo, utilizar a chamada dualidade - associar imagens a palavras, a texto; não repetir informação mas, por exemplo, falar de um elefante e aparecer a imagem do elefante ajuda a consolidar o texto; isto é fundamental em termos educativos, os bons professores sabem isso -, ajudar a fazer vídeos curtos, momentos curtos, algumas interrupções, nem que seja uma pausa para café, uma pausa em que os próprios alunos vão trabalhando noutro tema, enfim são coisas que os professores sabem, da aula presencial, mas que na aula remota são ainda mais importantes. Não tem sentido estar 1h30 a falar, mas tem sentido estar 15 / 20 minutos, depois os alunos vão fazer algum trabalho, depois haver um pequeno intervalo, depois voltarmos e o professor falar outra vez. Os tempos têm de ser mais interativos, mais rodados, de forma que a atenção esteja sempre dispersa. E o contacto permanente com os jovens, de fazer perguntas, de perguntar, de saber como é que está. Hoje, alunos da mesma turma não se conhecem.

Não?
O que se tem notado nas turmas, é que os alunos muitas vezes não se conhecem. Nas universidades, os deste semestre não se conhecem. E eles próprios têm às vezes dificuldade em tomar a iniciativa de contactar uns com os outros. Uma coisa que muitos professores fazem é constituir pequenos grupos e dizer: o Joaquim e a Manuela e o António e o não sei quantos fazem este exercício e trazem para a semana. E eles gostam, porque não tinham com quem estudar. Quer dizer nós podemos, nestas pequenas coisas, ser muito úteis aos jovens.

No regresso ao presencial, os alunos também não voltam como saíram. Vão voltar diferentes, provavelmente mais fechados, conhecendo-se menos uns aos outros. Era importante haver medidas de adaptação a este regresso?
É necessário fazer...

Como é que isso se pode fazer? Já que estamos aqui a falar de dicas para os professores...
Uma primeira coisa que se pode fazer é exatamente isto que eu estava a referir, ou seja, criar grupos com os alunos, fazê-los contactar-se entre eles próprios para estudarem a matéria, para se enquadrarem e melhorarem a eles próprios. Isso é algo que cria uma relação entre eles, que lhes será útil para este período, não só do ponto de vista emotivo, mas do ponto de vista cognitivo. Eu estou sempre a dizer isto, mas a escola fez-se para aprender. Ou seja, nós queremos motivar os alunos, queremos pô-los a socializar. Façamo-lo na aprendizagem. Não faz sentido nenhum estar a fazer jogos, brincadeiras na universidade, no secundário e mesmo no terceiro ciclo. O que faz sentido é que ajudemos a esse trabalho coletivo, a essa socialização, através do estudo, através do que deve ser feito para melhorar o conhecimento dos jovens.

Nunca perder o foco do ensino.
Sem nunca perder o foco. Ajudá-los, mobilizá-los para socializar aprendendo. Eu diria que esta é uma questão muito importante agora no regresso. Tenho sempre um pouco de receio de dar sugestões para os professores porque há professores que estarão a ler e dizem, "mas eu já sei isto, eu já sei tudo isto". E outros dirão "isso é um disparate, porque os meus alunos já fazem isso". Os professores têm autonomia para fazer as coisas. O que nós podemos é insistir num aspeto ou noutro. E é isso que estamos a tentar fazer.

Que cadeira é que está a dar nas suas aulas?
Estou a dar uma cadeira de Finantial Econometrics. Séries temporais para pessoas que vão trabalhar com mercados financeiros. Eu não falo tanto da parte financeira, mas falo da parte de probabilística e dos modelos estatísticos que são utilizados.

Uma vez que voltamos aos números, volto a colocar-lhe um tema da Matemática - até porque está no projeto da Sociedade Portuguesa de Matemática como professor voluntário, para ajudar quem fica para trás. Que importância tem esse envolvimento na Sociedade Portuguesa de Matemática? E outro tema: cada vez parece haver mais mulheres na Matemática. Era uma área onde as mulheres não estavam a surgir deste modo, pelo menos com este destaque: como é que se podem atrair as raparigas para estas áreas? Áreas de sucesso, áreas do futuro?
Essa é a pergunta mais difícil de todas. Eu julgo que há muitos estereótipos do estilo: engenharia é para homens e letras é para mulheres. Há muitos estereótipos que têm vindo a ser abandonados. Hoje em engenharia vemos muitas jovens e em letras e vemos muitos jovens... É preciso lutar um pouco contra esses estereótipos. Dar exemplos de mulheres cientistas e de homens professores do primeiro ciclo e que estudam letras. Felizmente, o mundo está a mudar muito depressa nesse sentido. Como fazê-lo em concreto? Eu julgo que a questão é sempre a mesma além de abandonar os estereótipos e tentar dar exemplos. Uma pessoa não pode gostar e não pode quer uma carreira quando não está preparada. Se uma rapariga estiver bem preparada matematicamente e estiver bem preparada do ponto de vista das ciências ela naturalmente não terá obstáculo nenhum em escolher uma carreira na área técnica ou científica. Se não estiver, claro que vai ter mais reticências. O problema, no fundo é sempre o mesmo. É dar o máximo de formação aos nossos jovens em todas as áreas: literatura, ciência, matemática, português, educação física, tudo isso. E depois eles próprios estando preparados podem escolher o seu percurso.

É nesse sentido também que está a colaborar com a Sociedade Portuguesa de Matemática? Tentando ajudar nessa preparação?
Sim, a Sociedade Portuguesa de Matemática está a fazer um trabalho fantástico porque recolheu muita gente que se tem dedicado muito a dar aulas como voluntários - eu estou a dar um contributo muito modesto, mas há pessoas que estão a dar quase diariamente aulas a alunos e isso é uma coisa notável. E os alunos gostam muito disso, e os professores também, e sentem-se apoiados, sentem que a Sociedade está preocupada com eles. Isso é muito importante para os jovens.

Muito bem. Para fecharmos, uma meta para a Iniciativa Educação. O que é que quer fazer ainda neste ano com este projeto e com seu envolvimento?
Nós queremos que todos os trabalhos em que estamos metidos funcionem bem, mas uma meta muito importante para nós, entre outras, é que haja muito bons resultados no trabalho que estamos a ter na formação dos jovens na leitura. Que haja muito bons resultados. Estamos muito empenhados nisso. E diria o mesmo em relação ao Ser Pro, portanto, em relação ao ensino técnico-profissional. Mas o ensino técnico-profissional algo que decorre durante três anos e em que a interação com as empresas é, neste momento, mais limitada do que será nos próximos dois anos. Portanto, claro que desejo o mesmo para o ensino profissionalizante que estamos a apoiar. Mas agora a leitura é uma coisa que tem meses para ser feita e nestes meses é muito importante que os jovens, que estão a ser apoiados, que todos eles adquiriram a fluência na leitura necessária para se tornarem leitores. Leitores como os outros, para poderem ler um texto sem dificuldades.

Quando fala em meses, estamos a falar de um projeto que tem um calendário?
O projeto depende de cada jovem. O projeto da leitura, o chamado "A a Z, Ler melhor, Saber mais", é um projeto que se destina aos jovens do primeiro e segundo ano de escolaridade que têm grandes dificuldades de leitura. Por isso é que eu estou a falar em meses. Temos meses até ao final do ano. Muitos deles estão a ser acompanhados remotamente. Nós também contribuímos com meios digitais para os jovens não tinham esses meios digitais. Estão a ser acompanhados e a nossa ambição é que dentro de meses os que estão neste projeto consigam, na sua grande maioria, ser leitores fluentes. E isso é uma questão para agora, para os próximos meses, e talvez se prolongue mais para o ano. Eu diria que isto é decisivo. Muitas vezes as pessoas não têm ideia das dificuldades de leitura que existem na nossa sociedade, nestes jovens de primeiro e segundo ano de escolaridade. Nem têm ideia do que isso pode atrasar todo o seu percurso formativo. Eu vou-lhe dar um número que é assustador. 20% dos jovens europeus de 15 anos têm extremas dificuldades de leitura. Quando estou a falar de extremas dificuldades de leitura estou a dizer que têm dificuldade em ler uma primeira página de um jornal. 20%! Isto é a estimativa do Pisa. O mesmo que se passa em quase todo mundo ocidental, também se passa nos Estados Unidos. Mas isso não é razão para estarmos contentes, de forma alguma. Isto é uma vergonha. Nós somos uma das regiões mais desenvolvidas do mundo. É uma vergonha que o problema de leitura não esteja ainda resolvido. Porque não basta saber ler o mínimo. É preciso saber ler com a fluência necessária para compreender um texto. E isso é um problema que não está resolvido na nossa sociedade. Daí a grande importância que nós damos a este programa de leitura.

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