A cooperação internacional é uma competição

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No tempo em que havia guerra fria e duas potências, o resto do mundo ou estava de um lado, ou estava do outro. Ou dizia que não era alinhado, o que normalmente queria dizer que dependia. Em contrapartida, "os nossos" de cada lado recebiam dinheiro, protecção e a garantia de que os seus governos raramente seriam molestados. As excepções, e eram excepções, aconteciam quando o que estava em causa era demasiado escandaloso, quando as opiniões públicas (ocidentais, obviamente) se mobilizavam, quando os movimentos internos pró-democracia, direitos humanos ou liberdade (tradicionalmente pró-ocidentais) eram esmagados. Isto significava - e é este o ponto - que até ao fim da guerra fria a ajuda ao desenvolvimento (depois passou a chamar-se cooperação) era um misto de obrigação moral, interesse próprio (promover economias desenvolvidas, capitalistas e liberais que, por definição, eram novos mercados e tendiam a aproximar-se do Ocidente) e prémio de lealdade.

O fim da União Soviética alterou radicalmente as circunstâncias. Subitamente, já só havia um lado do mundo que podia ajudar o desenvolvimento. O resultado foi um rápido crescimento das democracias (ou coisa que o valha) pelo mundo fora, tanto entre os aliados do Ocidente (porque as opiniões públicas ocidentais não toleravam o apoio a regimes abjectos) como entre os aliados dos soviéticos, porque sem apoio financeiro externo o comunismo soçobrava.

Há uns anos, a China começou a aparecer no palco da "ajuda internacional". Em troca de pontes, estradas e vias férreas, não pede nada. Melhor dizendo, dá as pontes, as estradas, as vias férreas, com frequência constrói-as com os seus homens, aproveita-as para fazer as matérias-primas chegarem às grandes vias e aos portos e daí à China, e em troca não pede transformações políticas internas. Pelo contrário.

A Rússia, que perdeu dinheiro, mantém umas Forças Armadas e faz-se notar.

Enquanto isso, do lado do Ocidente cresceu um discurso que acusa a ajuda ocidental (que se tem de chamar cooperação entre iguais) de interferir na política interna dos beneficiários (parceiros). Neocolonialismo, chamam-lhe. Exactamente os mesmos que questionam a mortalidade das relações com a Arábia Saudita, com Israel (como se fossem sequer equivalentes), e diabolizam conceitos como ajuda à democratização (que, sim, claro, não é inocente), exigem que o diálogo com países terceiros seja baseado na igualdade, no respeito pelo outro, na não interferência nas questões políticas internas.

Tudo isto somado e simplificado faz que o Ocidente, mas em especial a Europa, esteja perante um dilema de difícil solução: ou alinha com o tempo e as estratégias dos outros actores internacionais, e abdica de ser um poder normativo (como se diz no meio quando se quer dizer que se é uma influência democratizadora sem parecer que se obriga quem quer que seja a ser democrático); ou mantém a preferência por uma política externa baseada em interesses, mas com uma réstia de princípios e valores que quer promover, e perde influência.

O dilema pode ser elaborado de forma bem mais sofisticada e complexa, mas no limite é isto.

Especialista em assuntos europeus

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