Bloco. Entrega da habitação vai ter de liquidar empréstimo bancário

Bloquistas avançaram com uma proposta de Lei de Bases da Habitação que determina a extinção obrigatória do empréstimo quando um imóvel seja entregue ao banco. Atualmente, o devedor pode ficar sem a casa mantendo parte da dívida.
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O Bloco de Esquerda propõe que a entrega de uma casa ao banco passe a liquidar automaticamente o empréstimo bancário contraído para a aquisição do imóvel. A medida está inscrita na proposta de Lei de Bases da Habitação que os bloquistas entregaram na Assembleia da República, e que se vem juntar aos projetos de lei do PS e do PCP. Os três textos vão a debate - e a votos - já na primeira semana de janeiro.

À luz da lei atual a chamada dação em cumprimento pode não saldar a totalidade da dívida junto da instituição bancária. Isto porque os bancos exigem uma reavaliação para determinar o valor de mercado atualizado do imóvel. Caso esta reavaliação conclua por um montante inferior ao do empréstimo que foi pedido, então o devedor fica sem a casa e terá de pagar ainda o remanescente. Uma situação que se coloca sobretudo em tempos de crise, num cenário de desvalorização dos preços do imobiliário - foi o que sucedeu em Portugal nos anos da troika.

A medida é polémica e não é a única. A proposta do Bloco de Esquerda prevê também a requisição a proprietários provados de "habitações que se encontrem injustificadamente devolutas, abandonadas, em degradação ou em ruínas" - neste cenário o Estado pode avançar com "penalizações", "regimes fiscais diferenciados" ou "requisição para ser efetivado o seu uso habitacional". Uma formulação muito próxima da que consta do projeto de Lei de Bases do PS - da autoria, em grande medida, da deputada independente Helena Roseta -, que estabelece a requisição forçada de casas vazias para habitação. Outro ponto convergente entre os dois documentos é o que estabelece a "impenhorabilidade da casa de morada de família para satisfação de créditos fiscais ou contributivos". Atualmente, a legislação já impede a venda de uma casa penhorada (desde que se trate de primeira habitação), mas não impede a situação de penhora.

O texto do BE aponta também o que qualifica como "mecanismos contrários à função social da habitação". "A especulação imobiliária, o açambarcamento massivo de habitações para as retirar do mercado e os atos tendentes a transformar a habitação num simples veículo financeiro põem em risco a função social da habitação", defendem os bloquistas, estabelecendo que também estas situações ficam sujeitas a "regimes fiscais diferenciados, a penalizações e à requisição para ser efetivado o seu uso habitacional".

A Lei de Bases do BE diz também que "a compra de habitação e edificado não constitui meio de aquisição dos direitos de residência, nacionalidade ou de permanência em Portugal" - o que, a ser aprovado, acabaria com os vistos gold obtidosatravés da aquisição de bens imóveis (o BE tem, aliás, um projeto de lei autónomo que propõe a eliminação deste regime).

Criar um serviço nacional de habitação

Na proposta de Lei de Bases, o BE lembra que a habitação é um direito consagrado na Constituição e defende a criação de um serviço nacional de habitação - uma espécie de congénere do Serviço Nacional de Saúde. "O Estado promove e garante o acesso à habitação a todos os cidadãos através do serviço nacional de habitação, dotando o parque habitacional público dos recursos necessários ao cumprimento das suas funções e objetivos", estabelece o documento, chamando a esta tarefa quer o Estado central quer os municípios.

Pedro Soares, deputado do BE e presidente da comissão parlamentar de Ambiente, Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e Habitação, sublinha que em Portugal "temos 2% de oferta pública de habitação", um valor "ao arrepio do que se passa no resto da Europa", onde as percentagens de oferta pública habitacional são muito superiores.

"Ninguém admitiria que tivéssemos uma oferta pública de 2% na Saúde ou na Educação", acrescenta o parlamentar bloquista, defendendo que a habitação é um direito fundamental que está completamente dependente do mercado, face à "incapacidade total do Estado de intervir diretamente". "Os vários governos praticamente deixaram de investir em habitação pública, não há investimento desde o PER [Programa Especial de Realojamento], que é dos anos 90", diz Pedro Soares. O resultado é uma "enorme crise no acesso à habitação", e se este era um cenário que "já existia para setores da sociedade com mais dificuldades económicas, estendeu-se a boa parte da classe média".

Já quanto ao futuro desta proposta de Lei de Bases, o dirigente bloquista manifesta a expectativa de que os três diplomas que vão a discussão no início de janeiro possam baixar sem votação ao debate na especialidade, para que as várias bancadas possam procurar um entendimento - ainda "nesta legislatura", faz questão de sublinhar.

Na proposta de Lei de Bases, o BE estabelece ainda o "direito à proteção e acompanhamento no despejo". E define o quadro legal para o arrendamento, com várias figuras diferenciadas: a renda apoiada (em que o valor da renda é definido em função da taxa de esforço do arrendatário); a renda condicionada (o valor da renda é fixado "tendo em atenção fatores objetivos não determinados pelo mercado"); a renda resolúvel ("forma de aquisição da propriedade mediante o pagamento de uma renda durante o prazo contratado"); renda regulamentada (outras rendas regulamentadas pelo Estado, regiões autónomas ou municípios que "garantam à generalidade da população valores de arrendamento a uma taxa de esforço máxima inferior a 30%"); e, finalmente, a renda livre, negociada no mercado.

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