Internacional
25 setembro 2022 às 21h32

Estados Unidos ameaçam Rússia com "consequências catastróficas"

Ministro russo dos Negócios Estrangeiros admite uso de armas nucleares para defender as regiões onde decorrem os referendos. Conselheiro de segurança da Casa Branca garante que o Kremlin já foi informado da resposta dos aliados em caso de ataque nuclear.

Se dúvidas houvesse, Sergei Lavrov, ministro russo dos Negócios Estrangeiros, tratou de as esclarecer. A pergunta que lhe foi dirigida foi muito direta: teria a Rússia motivos para usar armas nucleares para defender as regiões que fossem anexadas? Lavrov foi claro. Lugansk, Donetsk, Kherson e Zaporíjia, as quatro regiões onde decorrem os "referendos" estarão sob "proteção total" da Rússia se forem anexadas. E a explicação é simples: "Todas as leis, doutrinas, conceitos e estratégias da Federação Russa são para aplicar em todo o território" .

Lavrov reforçou a ideia ao sublinhar que o território russo - incluindo o território "mais consagrado" na constituição da Rússia no futuro - "está sob a proteção total do Estado".

A retórica de guerra sobe de tom e isso ficou ainda mais patente das palavras de Jack Sullivan, conselheiro de segurança da Casa Branca, em declarações à CBS, que reforçou o que já tinha sido dito por Joe Biden, presidente norte-americano, acentuando a ideia de "consequências catastróficas" para Moscovo se Putin ordenar o uso de armas nucleares táticas.

"Comunicámos de forma direta, privada e a níveis muito elevados do Kremlin que qualquer uso de armas nucleares terá consequências para a Rússia, que os Estados Unidos e seus aliados responderão de forma decisiva. E fomos claros e específicos sobre o que isso significa, o que isso implicará", afirmou.

Sullivan sublinhou o alerta de que o "possível uso de armas nucleares pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial é uma questão de extrema seriedade".

Liz Truss, primeira-ministra britânica, defendeu ontem que o que "é preciso fazer é continuar a impor sanções à Rússia" e não dar ouvidos ao "barulho do sabre e das falsas ameaças".

Volodymyr Zelensky, o presidente ucraniano, diria momentos depois, em entrevista à CBS, não ter certezas sobre se Putin estaria a fazer bluff. "Talvez ontem tenha sido. Agora pode ser mesmo uma realidade. Ele quer assustar".

O conselheiro de segurança da Casa Branca, que assegurou que as ameaças nucleares do presidente russo não vão travar o apoio militar e político à Ucrânia, considera Putin um "inimigo perigoso e capaz de grande brutalidade" que até pode usar a central nuclear de Zaporíjia como "arma nuclear", aludindo às "constantes insinuações" russas de que "pode haver algum tipo de acidente".

Há um colapso militar das tropas russa no terreno? Sullivan é cauteloso. "É muito cedo para previsões. O que estamos a observar são sinais de luta entre os russos, os soldados não querem lutar. Mas quem pode culpá-los por não quererem participar na guerra de Putin na Ucrânia?".

As informações recentes sobre a "fuga" de milhares de russos, que recusam ser recrutados, e que estão a passar a fronteira para a Geórgia, Finlândia, Mongólia e Cazaquistão, dão conta de dezenas de quilómetros de filas. Numa zona de fronteira na Mongólia, Altanbulag, mais de 3 mil russos já conseguiram escapar à mobilização parcial, mas há ainda "longas filas de carros". Em Makhachkala, capital do Daguestão, para além dos protestos - no total mais de 2 mil pessoas foram detidas em toda a Rússia - há estradas bloqueadas dado que a zona faz fronteira com a Geórgia e Azerbaijão.

A "convocatória" de Putin já levou Valentina Matviyenko, presidente da câmara alta, o Conselho da Federação, a criticar "os excessos absolutamente inaceitáveis" de recrutamento que estão a provocar "uma forte reação da sociedade". Num aviso enviado aos governadores regionais exigiu que "a implementação da mobilização seja realizada em total e absoluta conformidade com os critérios descritos. Sem um único erro".

Vyacheslav Volodin, porta-voz da Duma, a câmara baixa do parlamento russo, disse estar a receber "denúncias" e que "é preciso corrigir os erros. As autoridades a todos os níveis devem entender quais são as suas responsabilidades".

A mobilização parcial decretada por Putin já levou a que idosos e doentes fossem convocados e obrigados a apresentar-se para receber treino militar. Na região de Volgograd, por exemplo, um ex-militar, de 63 anos, foi enviado para um campo de treino do exército apesar de ter problemas de saúdes, incluindo cerebrais.

No terreno de combate, com a chegada do Outono e das primeiras chuvas, surge agora uma dificuldade adicional. As estradas lamacentas estão a travar o avanço dos tanques e do armamento pesado limitando a contra-ofensiva ucraniana. O que afeta um lado, afeta o outro porque com a chegada do Inverno os "campos de batalha vão congelar". Segundo o Institute for the Study of War, há uma corrida contra o relógio, em ambos os lados, porque brevemente as condições de combate vão piorar muito.

E ontem, dia em que o governo alemão propôs que, como parte do próximo pacote de sanções europeias contra Moscovo, os cidadãos europeus fiquem impedidos de ocupar cargos em empresas estatais russas, o caso de Stefan Schaller, diretor da Energie Waldeck-Frankenberg (EWF), que foi a convite de Putin "observar" os referendos, levou o embaixador ucraniano na Alemanha a pedir ao administrador da empresa que "expulse Stefan Schaller".

O convidado de Putin, que já tinha sido "observador" em Komi (em 2021), disse ter ficado "impressionado com a transparência do processo" e que "as pessoas não estão a ser forçadas a votar pela força das armas. Está tudo muito bem organizado e a população está entusiasmada com a votação".

Dada a dimensão dos protestos nas redes sociais e os desagrados da comunidade política local, a empresa emitiu um comunicado condenando a atitude de Stefan Schaller, que poderá já hoje ser afastado do cargo.

"Os referendos forçados pela Rússia na Ucrânia são hipócritas e contrários ao direito internacional e um pretexto para a apropriação das áreas ocupadas. Condenamos veementemente esta anexação ilegal", escreveu o presidente do Conselho de Supervisão do EWF, Jürgen van der Horst.