O exame feito por médicos estrangeiros para ter equivalência ao curso de Medicina em Portugal teve neste ano mais de 700 candidatos, a esmagadora maioria brasileiros. Uma procura histórica, admitem médicos e serviços académicos, por uma prova que ficou marcada por vários erros, que obrigaram mesmo a anular quatro das perguntas e a alterar a chave de correção de outras quatro. Resultado: muitos candidatos que tinham chumbado no exame de janeiro ficaram agora, depois da reapreciação dos resultados, aprovados. Mas também terá acontecido o contrário, garantem..Só nas duas faculdades de Medicina de Lisboa estavam inscritos 458 candidatos estrangeiros para a prova realizada em 10 de janeiro: 273 na escola da Universidade de Lisboa e outros 185 na Universidade Nova, tendo em conta as listagens publicadas online. A Universidade do Porto validou 171 candidaturas, o Minho quase 100 (93). Com os nove candidatos admitidos em Coimbra - número baixo que se justifica com a fraca tradição da universidade nestas equivalências, para as quais já não abria exame desde 2010 - e outros cinco na Covilhã, mesmo não contando com a Universidade do Algarve, para a qual não há dados, o número de médicos estrangeiros em condições de realizar a prova teórica deste ano chegava aos 730. Para se ter noção do aumento de candidatos, em junho de 2017, a última vez em que se tinha realizado a prova, 84 médicos estrangeiros fizeram o exame na Nova..Logo no dia da prova, uma das 120 perguntas foi anulada, mas o grosso dos problemas com as questões veio com as reclamações feitas após a publicação das pautas provisórias, em janeiro. A Universidade Nova de Lisboa, por exemplo, informa num mail enviado na semana passada que, "após análise das reclamações", foram anuladas mais três questões e alteradas as chaves de outras quatro. "Assim, e por determinação do Conselho de Escolas Médicas Portuguesas, os candidatos são aprovados com 56 ou mais respostas certas, a que correspondem 9,33 valores, ou mais", informam os serviços da universidade..Uma situação que levou a que muitos alunos que estavam dados como chumbados em janeiro vissem as suas notas passar agora para zona positiva. No Minho, por exemplo, as pautas de janeiro indicavam que apenas 22 candidatos tinham sido aprovados, um número que subiu para 32 com estas alterações..Este exame de resposta de escolha múltipla (com cinco hipóteses para cada pergunta) é elaborado em conjunto pelas escolas de Medicina e cada uma é responsável por um conjunto de perguntas. Mas é habitual existirem tantas perguntas com erros? "O que se passa é que as queixas são avaliadas por uma comissão encarregada de rever os exames e às vezes pode acontecer, num conjunto tão vasto de matérias, encontrar problemas nas perguntas", responde o diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, que neste momento também é responsável pelo Conselho de Escolas Médicas. Até porque, mesmo em caso de dúvida, garante Fausto Pinto, "procuramos sempre defender o aluno e dar-lhe o benefício da dúvida, o que justifica estas alterações"..O exame é composto por 120 perguntas de resposta múltipla e inclui questões sobre medicina interna (40 questões), cirurgia geral (20 questões), pediatria (20 questões), obstetrícia/ginecologia (10 questões), clínica geral (10 questões), saúde pública (10 questões) e saúde mental (10 questões). As perguntas que tiveram a chave de correção alterada (a 71, 72, 74 e 75) pertencerão a um mesmo grupo, apurou o DN..Pelo menos cinco mil euros para quem vem do Brasil.Mas se muitos alunos viram as suas notas melhoradas, outros terão sido confrontados com o chumbo quando já achavam que tinham passado para o exame prático, garantem candidatos que realizaram o exame. "Isto está a gerar incómodo e reclamações, porque há pessoas que estão agora a ser confrontadas com chumbos. São processos que ficam muito caros para médicos que tenham de vir a Portugal de propósito", diz um deles..Para ver as suas competências reconhecidas em Portugal, um médico que esteja no Brasil pode contar gastar pelo menos cinco mil euros, entre inscrições para exame nas faculdades (que em Lisboa rondam os 500 euros), três viagens a Portugal e, se tudo correr bem, o pagamento para entrar na Ordem dos Médicos. Um valor que pode passar para quase o dobro, se o candidato pagar honorários a um representante legal em Portugal..Fausto Pinto garante que a anulação de perguntas não prejudica candidatos, só pode melhorar resultados. "Porque ao retirar as questões decidimos que o limite de passagem continua a ser de 50% das perguntas que permanecem e já não das 120." Um argumento rebatido por candidatos, que respondem que houve médicos prejudicados com as mudanças nas chaves de correção de quatro perguntas, razões que levam a que muitos peçam para que também essas perguntas sejam anuladas. O que a acontecer elevaria para oito o número de perguntas eliminadas..Ordem aperta avaliação.A esmagadora maioria dos inscritos para o exame de equivalência ao mestrado em Medicina vem do Brasil. "Continua a haver um grande interesse de médicos brasileiros por Portugal, que não diminuiu com a chegada de Bolsonaro ao poder", conta um advogado que representa alguns destes candidatos. "A crise económica e a insegurança continuam a pesar muito nessa decisão. Posso dizer que Lisboa neste momento é carioca", graceja..Depois de passarem num exame de Português, estes médicos realizam uma prova teórica antes de chegarem ao exame prático. "Essa é logo a grande triagem no número de candidatos", continua a mesma fonte que, apesar de elogiar a compreensão dos serviços académicos das faculdades, lamenta o atraso na marcação do exame prático, que nos anos anteriores costumava ser mais próximo do teórico..No mail enviado aos candidatos na semana passada, a Universidade Nova de Lisboa (UNL) informa que "em relação à marcação da prova prática, a esta data, podemos garantir que não decorrerá no mês de abril". A Nova vai tentar marcar todos esses exames para o mês de maio, "sendo certo que contamos que [os candidatos] tenham informações com pelo menos um mês de antecedência"..Ainda assim, a chefe de divisão dos serviços académicos da Faculdade de Ciências Médicas da UNL descarta qualquer atraso na marcação da prova. "A prova prática nunca teve uma data fixa, fica sempre à consideração de cada faculdade", sublinha Mónica Belchior ao DN. "É uma logística complexa e é óbvio que é diferente marcar uma prova para 40 candidatos ou para 90. Implica articulação com o hospital, que no caso da Nova são vários hospitais [o Centro Hospitalar e Universitário de Lisboa Central], porque é necessário recrutar doentes para participar na prova.".Argumentos reforçados por Fausto Pinto, que diz ter, só na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, cerca de 140 candidatos que ficaram aprovados para o exame prático. "Temos 12 júris constituídos, mas é claro que mesmo assim coloca desafios em termos logísticos.".Depois de realizada a prova prática, os médicos estrangeiros terão seis meses para apresentar a tese e depois podem pedir a inscrição na Ordem dos Médicos. Mas não há garantias de que o processo tenha o final desejado pelos candidatos. Aliás, defende Alexandre Valentim Lourenço, presidente da secção sul da Ordem, a análise a estes pedidos vai ser cada vez mais rigorosa. "Muitos dos pedidos são de médicos que não querem de facto vir para Portugal, mas sim ir para o resto da Europa, e não parece lícito inscreverem-se em Portugal apenas para poderem exercer na União Europeia. Isto porque deixou de ser necessário ter uma autorização de residência. É preciso fazer uma avaliação cuidada a esses candidatos, até porque há diferenças entre um recém-licenciado e um médico que já tem vinte anos de profissão e quer que seja reconhecida a especialidade cá.".Como o DN noticiou no ano passado, o número de médicos brasileiros a querer trabalhar em Portugal disparou nos últimos tempos. Se em 2017 houve 57 novas inscrições na Ordem dos Médicos de profissionais vindos do Brasil - sensivelmente o mesmo número do ano anterior -, só a região sul da Ordem alcançou esses números em meio ano de 2018.