Terminou o jejum. O Liverpool, mesmo sem jogar, sagrou-se esta quinta-feira campeão inglês pela 19.ª vez, depois de o Manchester City não ter conseguido vencer o Chelsea em Londres, quando ainda faltam sete jornadas para o fim da Premier League - a equipa de Frank Lampard venceu por 2-1 o conjunto de Pep Guardiola em Stamford Bridge.
Foram 30 anos em que o histórico clube de Anfield ficou afastado do trono do futebol inglês, embora nesse período tenha vencido por duas vezes a Liga dos Campeões. Foi o mais longo período que o Liverpool esteve sem ser campeão na sua história. E tudo começou a 28 de abril de 1990, quando os reds receberam e venceram o Queens Park Rangers, por 2-1, garantindo o título a duas jornadas do fim da prova.
Na altura não se sabia, mas era o ponto final de um domínio absoluto do clube no futebol inglês, que em 18 épocas tinha conquistado onze títulos, entre os quais dois bi e um tricampeonato.
O último campeonato dos reds em 1990 teve a assinatura de Kenny Dalglish, um ícone do clube que aos 39 anos desempenhava o cargo de treinador-jogador de uma equipa que contava com outros históricos como o guarda-redes Bruce Grobbelaar, os defesas Steve Nicol e Alan Hansen, os médios Ray Houghton, Ronnie Whelan e Jan Molby, para já não falar dos avançados John Barnes, Ian Rush, Peter Beardsley e John Aldridge.
É caso para dizer que os tempos de angústia terminaram em Anfield. O Liverpool sagra-se pela primeira vez campeão desde que a Premier League foi criada em 1992/93, isto depois de na época passada ter ficado a um ponto do Manchester City, o mesmo rival que agora relegou para o segundo lugar com uma temporada fantástica, na qual ainda pode bater o recorde de 100 pontos que está na posse, precisamente, dos citizens de Pep Guardiola desde 2017-18. Para isso tem de conquistar pelo menos 15 dos 21 pontos que ainda estão em disputa.
O Liverpool festeja numa época em que, para já, venceu 28 dos 31 jogos disputados até ao momento, tendo concedido apenas dois empates, com Manchester United e Everton, e perdido um jogo, com o Watford.
De resto foram 70 golos marcados, dos quais 40 tiveram a assinatura do temível trio atacante composto pelo egípcio Mohamed Salah (17 golos), o senegalês Sadio Mané (15) e o brasileiro Roberto Firmino (7). Isto numa equipa que foi sendo construída desde 2015 pelo treinador alemão Jürgen Klopp e que nas duas épocas anteriores recebeu duas peças essenciais para o equilíbrio da equipa: o guarda-redes brasileiro Alisson Becker e o defesa holandês Virgil van Dijk, eleito pela FIFA como segundo melhor jogador do mundo de 2019.
A base do sucesso do Liverpool assenta numa equipa com grande capacidade de recuperar rapidamente a bola e acelerar de imediato para a baliza contrária, apoiada nos três jogadores do ataque que conferem muita velocidade e capacidade de finalização. Neste processo tático, há outros jogadores que assumem grande importância como os laterais Alexander-Arnold e Andy Robertson devido à capacidade de ajudar nas transições, mas também os médios Jordan Henderson (capitão), Gini Wijnaldum, Naby Keita e até Fabinho, todos essenciais na grande intensidade que é colocada em campo.
Muito do mérito deste título do Liverpool é do treinador alemão Jürgen Klopp. O germânico chegou a Anfield em outubro de 2015 (rendeu Brendan Rodgers) depois de uma experiência bem-sucedida no Borussia Dortmund (antes treinou o Mainz), clube onde conquistou dois campeonatos (2010/11 e 2011/12), uma Taça da Alemanha (2011/12) e duas Supertaças alemãs (2013 e 2014).
Os donos do Liverpool queriam ver a equipa a atuar de forma diferente, com um jogo mais agressivo, um futebol moderno. Klopp trouxe isso tudo, aplicando o modelo gegenpressing, dos tempos do Dortmund - após perder a bola no campo do adversário, pressionar imediatamente o portador da bola para criar ocasiões de golo em vez de recuar e compor a defesa. Por isso o seu estilo de jogo ficou conhecido por rock and roll e heavy metal, um futebol agressivo, vertical e totalmente virado para o ataque, um 4X3X3 onde Firmino, Salah e Mané formam um tridente atacante temível.
Um dia perguntaram-lhe as diferenças do seu estilo de jogo no Liverpool relativamente ao Arsenal que na altura era treinado por Arsène Wenger. E a resposta foi clara. "Ele gosta mais de ter posse de bola, fazer passes. É mais ao estilo de uma orquestra. Mas é uma música silenciosa. Eu gosto mais de rock and roll, de heavy metal", referiu, rejeitando também na altura comparações com José Mourinho: "Special One? Não, eu sou um Normal One."
Jürgen Klopp foi um médico falhado (não teve média suficiente para seguir medicina) e um jogador de futebol mediano (atuava como central), como um dia se intitulou: "Como jogador tinha a habilidade de um futebolista de V divisão, com o cérebro de atleta de I Divisão. O resultado foi um futebolista de II Divisão." Representou durante 11 anos o Mainz e depois esteve oito anos como treinador do clube alemão, levando a equipa ao principal escalão do futebol germânico e chegando inclusivamente a posições que permitiram ao Mainz jogar na Taça UEFA em 2005-06.
Em 2007-08, o clube baixou novamente ao segundo escalão, mas, apesar de propostas melhores, manteve-se no cargo, demitindo-se no final da temporada depois de não ter conseguido subir de divisão. Depois, a história é conhecida. Seguiu-se o Borussia Dortmund e o Liverpool a partir de 2015. Antes do Dortmund, chegou a estar nos planos do Hamburgo, mas acabou por ser descartado alegadamente devido à sua imagem pouco cuidada, sempre com a barba por fazer e por na altura andar sempre com um gorro de basebol.
O tão ambicionado título de campeão inglês, que o Liverpool perseguia há 30 anos, chegou finalmente nesta quinta-feira, com a equipa a festejar no sofá. Uma missão cumprida por Klopp após quase cinco anos no cargo, depois de um oitavo lugar na sua primeira temporada, dois quartos lugares nas épocas 2016-17 e 2017-18 e de um segundo posto na última temporada.
Este é o quarto título do técnico germânico pelos reds (o primeiro a nível de campeonato inglês), depois da Liga dos Campeões 2018-19, da Supertaça Europeia (2019) e do Mundial de Clubes (2019), prova na qual derrotou na final o Flamengo de Jorge Jesus.
Entre os campeões também há um português, Vítor Matos, que integra a equipa técnica de Jurgen Klopp.