"Lobos solitários" e protestos ilegais e violentos são "ameaça significativa" para a visita do Papa

Entre o possível e o provável, a avaliação de ameaça feita pelas secretas em relação à Jornada Mundial da Juventude e à presença do Papa em Portugal, dita às forças e serviços de segurança quais os cenários para que têm de estar preparadas. Terrorismo, extremismos ideológicos, disrupção de infraestruturas, protestos violentos e "lobos solitários" com perturbações mentais estão identificadas e as polícias têm toda a operação planeada e montada.
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Ações isoladas de pessoas com perturbações mentais, "lobos solitários", motivadas ou não ideologicamente; e grupos de manifestantes envolvidos em protestos ilegais e violentos, foram consideradas pelo Serviço de Informações de Segurança (SIS), como as ameaças com grau de classificação mais elevado - "Significativo", grau 3 numa tabela de cinco - que podem ocorrer durante a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) e a visita a Portugal do Papa Francisco.

Embora não existisse até ao momento da conclusão do relatório das secretas nenhuma informação concreta que apontasse para a probabilidade de se materializar qualquer um dos cenários, garantiram ao DN fontes envolvidas no planeamento de segurança, ambas as hipóteses destacaram-se na avaliação que foi entregue a todas as forças de segurança.

Apostando no mediatismo da JMJ, entende o SIS, alguns grupos podem querer aproveitar para radicalizar as suas ações reivindicativas nas zonas onde o Papa se encontre, não só nacionais, como também internacionais para chamar a atenção para as suas causas.

Trata-se de uma análise que não está fechada, pois à medida que se aproxima a data da chegada de Francisco e do arranque das atividades da JMJ, outras informações de segurança podem influenciar as prioridades da classificação.

Dos cinco graus de ameaça, internacionalmente reconhecidos, previstos na tabela dos serviços de informações (5- Reduzido; 4 - Moderado; 3 - Significativo; 2 - Elevado; 1 - Imediato) os eventos JMJ e visita do Papa mereceram, globalmente, o grau 3, o que é apenas uma subida de um grau em relação ao "Moderado" que normalmente está em vigor no nosso país.

Para o SIS, entidade que, de acordo com o Plano de Coordenação, Controlo e Comando Operacional das Forças e Serviços de Segurança, faz a avaliação do grau de ameaça contra a "segurança interna, pessoas, instalações e eventos", a visita do Papa Francisco a Portugal exige uma operação de segurança complexa, tempo em conta o prolongado espaço temporal em que decorre e as diversas deslocações a locais diferentes do líder da igreja Católica.

Segundo o Plano Global de Segurança do Sistema de Segurança Interna, na sua versão pública, para a JMJ, o SIS "procedeu à avaliação do grau de ameaça genérica que impende sobre o evento e sobre a visita do Papa Francisco, em vetores como o Terrorismo, os Extremismos Político-Ideológicos, a Espionagem, a Criminalidade Organizada, as Ciberameaças, ameaças inopinadas, entre outras".

Foram ainda considerados "outros fatores resultantes da natureza do evento e que poderão contribuir, em maior ou menor grau, para favorecer e/ou incrementar a ação de diversos agentes de ameaça, designadamente o atual contexto geopolítico da Europa; o elevado número de participantes; a circunstância de se estar perante eventos que decorrerão ao ar livre; a dispersão de milhares de jovens por diversos pontos do país na semana anterior ao evento; o caráter ecuménico inerente à JMJ 2023".

Adicionalmente, foram ainda elencados "fatores de perturbação com origem na eventual saturação de serviços essenciais nos locais e datas mais próximas dos eventos principais, designadamente telecomunicações, vias rodoviárias, ferroviárias e redes de transportes públicos".

Entre o possível e o provável, de acordo com o documento visto pelas diversas forças e serviços de segurança, o SIS, dita às forças e serviços de segurança quais os cenários para que têm de estar preparadas.

Neste relatório o terrorismo, os extremismos ideológicos, a disrupção de infraestruturas, os protestos violentos e "lobos solitários" com perturbações mentais foram identificados e as polícias têm toda a operação montada para os enfrentar.

Apesar de ser a famosa guarda do Vaticano - a Gendarmerie - quem tem sempre a última palavra sobre a segurança do Papa (segundo o Expresso serão cerca de 30 operacionais que vão estar sempre junto a Francisco, como especial preocupação nos contactos com o público), formal e legalmente, determina o Plano Global de Segurança determina que a "segurança pessoal a sua santidade o Papa e a altas entidades nacionais e estrangeiras" compete à "PSP e a missão é executada, no plano tático, por esta força em articulação direta com as forças de segurança territorialmente competentes, o INEM, os elementos destacados da Gendarmarie do Vaticano e quaisquer outras entidades intervenientes".

Sempre que necessário, é escrito, "pode ser solicitado apoio ao Centro de Coordenação e Controlo Estratégico, para agilizar esta coordenação". No plano estratégico, "para o acompanhamento da operação e, se necessário, apoio à tomada de decisão, o Centro de Coordenação e Controlo Estratégico integra um responsável da Gendarmarie do Vaticano".

No campo do possível de acontecer, estão, entre outras ameaças, desde um "simples" arremesso de objetos contra o Papa, participantes que tentam derrubar as barreiras de segurança, ações de protesto, a mais graves, como tentativas de ataques com armas brancas, engenhos explosivos ou atropelamentos.

Frise-se que estas indicações não significa que possam suceder, são apenas projeções para que o planeamento operacional de segurança se prepare para o máximo de hipóteses.

Não obstante a popularidade do Papa Francisco ainda estar em alta, existem vários setores da sociedade, radicais e extremistas, que podem querer aproveitar o mediatismo da JMJ para projetar os seus ideais.

Quer, simplesmente, indivíduos com perturbações mentais (como já aconteceu em ataques com outros Papas), quer até de movimentos com origem em fações mais conservadoras da própria Igreja, tendo em conta a posição que Francisco tem protagonizado em relação a temas como o abuso sexual de menores por elementos do clero.

Ninguém esquece, especialmente as forças e serviços de segurança, da tentativa de atentado contra o Papa João Paulo II, em maio de 1982, no Santuário de Fátima. Como também o Expresso, recordou, citando o livro do padre José Geraldes Freire, o autor do ataque, um padre espanhol Juan Fernandez Krohn "empunhava um sabre afiado, de 37 centímetros de comprimento e pretendia trespassar o coração" do Papa", e tinha aderido em 1974, ao movimento tradicionalista e anticonciliar do arcebispo Marcel Lefebvre (que foi suspenso do exercício das ordens sacras por Paulo VI).

Como cenários que o SIS antevê de mais prováveis de acontecer estão, entre outros, que algum indivíduo possa passar as barreiras de segurança para chegar ao Papa, com intenções que podem ser apenas de um contacto, mas também mal-intencionado. No seu relatório, o SIS recorda um conjunto de atentados contra anteriores líderes da Igreja executados por pessoas com perturbações psicológicas.

As secretas também veem como provável que haja um aumento de mensagem hostis contra o papa na internet e em paredes; que haja tentativas de acesso forçado a áreas reservadas para uma aproximação ao Papa; que alguém tente passar as barreiras de proteção nas suas deslocações e que, eventuais congestionamentos no trânsito possam facilitar as tentativas de aproximação a Francisco por parte de pessoas perturbadas.

Não podia faltar a ameaça terrorista na avaliação das secretas. Segundo relataram ao DN as fontes já referidas, o terrorismo é também considerada uma ameaça "significativa", sem, no entanto, haver indícios do planeamento de um ataque.

O terrorismo de matriz islâmico surge à cabeça das preocupações, tendo em conta que a Igreja Católica faz parte do alvo das mais perigosas organizações como o Estado Islâmico e a Al Qaeda. Sendo a JMJ um evento de grande dimensão, onde um atentado poderia fazer um elevado número de vítimas - o objetivo principal destas organizações - a ameaça terrorista é sempre tida em elevada consideração nas avaliações de risco das deslocações do Papa.

O SIS terá alertado ainda para o facto de, apesar da generalidade da comunidade islâmica estar bem integrada no nosso país, o aumento recente de imigrantes de nacionalidades consideradas de risco em termos de terrorismo, constitui motivo de cuidados redobrados por parte das forças e serviços de segurança.

O DN sabe que, até agora, as autoridades não terão detetado ligações de imigrantes a organizações terroristas, mas alguns deles, cada vez mais, têm sido sujeitos a fatores de risco que podem impulsionar essa ameaça, como a difícil integração, falta de emprego, exploração laboral, ausência da família, entre outros.

Os extremismos político ideológicos foram classificados como "ameaça moderada" e, embora sem indícios de que haja algum plano por parte de movimentos desta natureza, o SIS não deixou de os colocar na sua análise. Os de extrema-esquerda, geralmente anti-Igreja; e os de extrema-direita, incluindo os ultraconservadores da Igreja Católica, contra o "progressista" Papa Francisco.

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