André Silva: "No ambiente, o governo é negacionista nos atos"

André Silva já pediu a demissão do presidente da Agência Portuguesa do Ambiente e vai continuar a lutar contra o aeroporto do Montijo, mas diz que essa decisão não é a única a pesar no sentido de voto do PAN no Orçamento do Estado. Na entrevista DN/TSF, nesta semana.
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André Silva, o que vai o PAN fazer em relação ao aeroporto do Montijo, depois de aprovada a declaração de impacto ambiental?

De facto, o aeroporto do Montijo é um caso difícil de resolver, na medida em que o governo não tem ouvido a comunidade científica. O que esta vem dizendo é que o projeto do aeroporto do Montijo está localizado num sítio que pode vir a ser afetado pela subida do nível das águas do mar. Foi um projeto que não teve em consideração os impactos do ruído nas populações e o aumento enorme do tráfego rodoviário e, acima de tudo, aquilo que verificamos é que a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), tal como noutros casos, tem sido a lavandaria da imagem dos governos, tem sido a debulhadora dos ecossistemas, dos valores naturais, e não está a cumprir o desígnio e a missão para os quais foi designada, que é salvaguardar, em última análise, os valores naturais. Basta olhar para os números: apenas 7% dos estudos de impacto ambiental são rejeitados, todas as outras avaliações são aprovadas ou condicionadas, com medidas compensatórias que não compensam rigorosamente coisa nenhuma. Inclusivamente, estamos a falar de um projeto que põe em causa valores naturais, no único aeroporto num estuário de um rio na Europa, que põe em causa várias espécies sedentárias e migratórias e que não cria empregos verdes. Que continua, no fundo, com o mesmo modelo de desenvolvimento económico sustentado no crescimento ilimitado e à custa de energias fósseis. Entendemos que a direção da APA não tem condições para continuar a desempenhar as suas funções e já manifestámos a nossa exigência de que ponham o seu lugar à disposição. É preciso também alterar a lei relativamente a esta entidade, na forma como a direção e o seu presidente são indicados e nomeados; é preciso alterar também a lei - já o dissemos e vamos fazê-lo brevemente - do regime jurídico da avaliação de impacto ambiental, nomeadamente nas considerações económicas que contém, o que, numa avaliação de impacto ambiental, do nosso ponto de vista, não faz sentido. Há, portanto, várias alterações à legislação que têm de ser feitas.

Mas concretamente em relação ao aeroporto, o que é que o PAN vai fazer? Quais são as próximas ações?
O PAN tem marcado a sua ação política fortemente, tem trazido este tema para cima da mesa e tem, no fundo, exposto as incoerências e os alertas da comunidade científica dizendo que este aeroporto não deve ser construído. Quando um governo que tem a força e a legitimidade que este tem, suportadas supostamente com a avaliação técnica da APA, o PAN, com a força que tem neste momento tem dificuldade em impedir a sua construção. Entendemos que este aeroporto não deveria ser construído. Acima de tudo, porque não houve a seriedade e a honestidade de todos os envolvidos em fazer uma avaliação global, isto é, uma avaliação ambiental estratégica. O que é que isto quer dizer? Perceber, em comparação, quais seriam os vários locais do país onde poderia ser construído um novo aeroporto, complementar ou não ao da Portela. Isso não foi feito.

Mais uma vez?
Nunca foi feita uma avaliação ambiental estratégica, no sentido de comparar Montijo com Alcochete ou, um pouco mais longe, com Beja. Nunca foi feita uma avaliação em que se expusesse as vantagens e as desvantagens de três ou quatro soluções diferentes. Parece-me que a existir um aeroporto de raiz ou complementar ao da Portela, ele não pode estar em cima de um estuário, neste caso do Tejo, e de uma zona protegida e pôr em causa valores naturais que são de todos nós e que poderão ser perdidos para todo o sempre.

Esta posição do PAN relativamente ao aeroporto não vai condicionar de forma nenhuma a posição do partido no Orçamento do Estado (OE)?
O sentido de voto do PAN no Orçamento, seja na generalidade seja na especialidade, tal como em anos anteriores, não pode nem deve depender - seria redutor - de uma única posição do governo relativamente a uma determinada matéria. Seja est a revogação dos vistos gold, seja mexer no Fundo Ambiental, seja defender tribunais especializados contra a corrupção ou a aprovação de determinadas medidas. Se é verdade que há medidas que nos afastam completamente deste governo e do PS, como esta em concreto, temos de analisar também toda a postura ao longo dos últimos quatro anos, uma postura de influência e construtiva que o PAN teve, nomeadamente, e queria lembrar isto, em 2019 e, em especial, trazendo para a campanha eleitoral a nossa principal bandeira, que foi a de antecipar o encerramento das centrais a carvão. O governo dizia que não poderia, tecnicamente, e nunca deu razão ao PAN no debate durante as eleições legislativas, dizendo que o PAN estaria a ser muito precipitado e que era impossível fazer esse encerramento antes de 2030. Nós, com estudos, dissemos que não, que é possível encerrar em 2021 o Pego e em 2023 Sines. Depois das eleições, o governo veio convergir com os estudos e a nossa posição para essa antecipação, dizendo que o PAN conseguiu, através da sua ação com um deputado, que o governo antecipasse o encerramento destas centrais. Estas duas unidades contribuem com 40% para as emissões de gases com efeito estufa em Portugal. Isto para dizer - e ir ao encontro da vossa questão - que se é verdade que o PAN, sozinho com a força que tem, não consegue resolver todos os problemas que consideramos principais ou graves do país, temos conseguido resolver, ou pelo menos encaminhar o governo em determinados sentidos que consideramos extremamente importantes.

Acha ainda possível reverter esta decisão do governo sobre o aeroporto do Montijo, tal como foi possível reverter as centrais?

Considero que ainda é possível, na medida em que quer o PAN, quer as associações ambientalistas, quer a comunidade científica, continuamos a fazer pressão com base em informação da ciência, com base na evidência científica, com base naquilo que é um sistema ou um modelo de desenvolvimento económico e de crescimento que não é desejável para o país, que é o crescimento infinito do turismo sem que seja feita uma avaliação da capacidade de carga turística do país. Portanto, vamos continuar até ao fim a chamar a atenção ao governo, a fazer a pressão política, utilizando os instrumentos que estão ao nosso dispor, para impedir de todo o modo a construção deste aeroporto.

O PAN não é contra o excedente orçamental porque isso significa o equilíbrio financeiro, mas também acha que havendo excedente é porque falta investimento em algum lado. Em que é que ficamos, afinal, o excedente é bom ou é mau?
Em teoria, o excedente é bom. Em teoria, aquilo que o governo está a fazer, a imagem que o governo está a passar para a Europa de conseguir equilibrar as suas contas, reduzir o peso da dívida pública, isso, evidentemente, é positivo. Não é positivo apenas enquanto imagem que damos junto do bloco económico em que estamos inseridos, mas também ao nível da responsabilidade das finanças públicas portuguesas. Em relação a isso não há dúvidas nenhumas. Aquilo que nós questionamos é: esse excedente orçamental é feito à custa de quê? Da falta de investimento no Serviço Nacional de Saúde (SNS)? Como é que vão ser resolvidos os problemas que verificamos nos hospitais, quer ao nível dos equipamentos que são necessários, do reforço que é preciso fazer de vários recursos humanos?

Mas o governo deu resposta a isso no Orçamento. Mais 800 milhões não respondem a esses problemas?
Pensamos que não. Não temos a certeza se isso, de facto, é o suficiente.

Então se o PAN fosse governo nas atuais circunstâncias, não optaria por ter um excedente orçamental?
Se o PAN fosse governo, admitiria, com um pequeno défice, eventualmente conseguir atingir os mesmos resultados, ou melhor, atingir resultados que permitiriam um investimento em serviços públicos de qualidade superior àqueles que temos, conseguindo ainda assim, também com um pequeno défice controlado, reduzir a dívida pública. A nossa dúvida prende-se com isto mesmo. Por exemplo, e falando em investimento em serviços públicos que são essenciais, o combate à corrupção. A corrupção em Portugal significa uma perda de receita com um impacto na ordem dos 17 a 18 mil milhões de euros anuais. O que é que o governo tem feito de realmente eficaz ou de realmente notório no reforço das condições de trabalho do Ministério Público e da Policia Judiciária? Portanto, falamos do SNS, falamos também do reforço destes meios, porque reforçar estes meios é dar mais capacidade de combate à corrupção e melhorar também os nossos índices económicos.

Ou seja, aquilo que disse sobre o Orçamento - que era insuficiente e daí ter justificado a sua abstenção - significa que se essas respostas forem dadas admite votar a favor?

Neste momento, o partido tem tudo em aberto e que todos os sentidos de voto estão em aberto porque não temos nenhuma resposta, nem nenhum sinal, sobre aquilo que pode ser o acolhimento das nossas propostas. Ou melhor, sinais até temos, na medida em que o governo, quer publicamente para a comunicação social quer nas nossas reuniões, diz que há bastante diálogo e que há bastante convergência, mas depois o que verificamos na proposta do Orçamento é que o grau de acolhimento foi bastante reduzido. Portanto, há diálogo, há uma narrativa de vontade de convergência e de acolher medidas, mas elas não estão traduzidas, neste momento, no papel, não há, no fundo, um acordo.

E há linhas vermelhas? Quais são as medidas que, no fundo, vão traçar a vossa decisão? É o IVA para a tauromaquia? É a redução do IVA para a alimentação dos animais de estimação? É a criação de algum tipo de SNS para animais? É o aeroporto do Montijo? É o combate à corrupção?
Não temos nenhuma linha vermelha porque, como disse, não há uma proposta ou não há uma medida que possa ser definidora de um determinado sentido de voto. O conjunto do contexto e da atualidade da atuação do governo, por um lado, e o conjunto de medidas que são ou não acolhidas que ditarão o nosso sentido de voto. Falou no IVA da tauromaquia, e nós já sinalizámos ao governo, quer em reuniões quer publicamente, que não vamos admitir nenhum retrocesso, como houve no passado.

Mas diz que não vai admitir um recuo, isso significa que não aprova o Orçamento se houver esse recuo?

Fica difícil aprovar um Orçamento do Estado para 2020 se e quando o Governo, no pouco que inscreveu na proposta para o OE das propostas que foram acordadas com o PAN, fizer um retrocesso. Isso parece-nos evidente. Digo isto porque falou numa questão que foi das poucas propostas que o PAN conseguiu ver inscritas no OE, mas o grau de acolhimento do conjunto das medidas que foram propostas não foi satisfatório para nós e por isso nos abstivemos. Elas não dão resposta àquilo que, para nós, são muitas das principais preocupações da resolução dos problemas do país. Temos várias medidas que indicámos ao governo como sendo prioritárias. É importante começar a transitar na tributação dos rendimentos para uma tributação ao nível da fiscalidade verde. É fundamental dar mais capacidade de rendimento às pessoas e, no fundo, o Estado ter uma obtenção maior de receita através das atividades ou das indústrias mais poluentes. Nessa medida temos várias propostas, por exemplo o teto da isenção do pagamento de IVA para os prestadores de serviços, que está em 10 000 euros anuais há muitos anos - estamos a solicitar ao governo que suba esse teto para 12 000 ou 12 500 euros para, no fundo, fazer uma atualização. Estamos a solicitar também ao governo que comece a dar passos no sentido de concretizar a narrativa de descarbonização da economia e concretizar uma real fiscalidade verde. Nomeadamente, na tributação de, por exemplo, acabar com os subsídios perversos como as isenções do ISP na queima de combustíveis fósseis para a produção de energia; e começarmos a caminhar também para uma tributação para o fim da isenção do ISP no transporte aéreo e na navegação marítima.

Não está, de certa forma, neste Orçamento, a lutar também contra a imagem de ser uma muleta do governo de António Costa e do PS?

Acho que nunca fomos muleta, ou seja, o PAN nunca suportou nenhum governo do PS. O PAN, com a força que teve em quatro anos ou com a representação que tem agora, não tem condições para suportar uma maioria parlamentar. Houve outros partidos que, na anterior legislatura, foram a muleta e o suporte do governo. Aquilo que o PAN fez, do nosso ponto de vista, de positivo, de construtivo, foi com um deputado conseguir, junto de um governo que estava minimamente disponível para ouvir, acolher as nossas propostas e com isso fazermos avançar a nossa agenda.

A questão da muleta põe-se mais nesta legislatura do que na anterior porque só tinham um deputado e havia um acordo escrito à esquerda. Nesta legislatura não há um acordo escrito à esquerda e o PAN, em quatro anos, pode ser determinante para aprovar Orçamentos do Estado ou para manter a estabilidade política. Para já só há uma votação na generalidade, e a verdade é que o PAN absteve-se. A abstenção não é o novo voto a favor?
O PAN votou neste ano na generalidade da mesma forma como votou nos últimos quatro anos. Essa pergunta deve ser feita aos partidos que não se abstiveram na generalidade e que agora se abstiveram. Aliás, temos ouvido, e foi bastante propalado na campanha eleitoral, que o PAN se abstinha nos momentos cruciais da governação e, nomeadamente, no OE, mas não ouço agora ninguém acusar aqueles partidos que agora se abstiveram. Parece que quando o PAN se abstém tem uma carga pejorativa e que quando os outros partidos se abstêm é uma questão de estratégia político-partidária. O PAN mantém exatamente a mesma postura construtiva. Entendemos que não devemos estar, como outros partidos estiveram durante décadas, numa postura pouco construtiva e de votar sempre contra propostas de Orçamento, iniciativas legislativas que tivessem uma maioria favorável. Entendemos que havendo um Parlamento que tem dois partidos ao centro que vão pensando e gerindo o país de uma mesma forma - e que representam entre 85% e 90% dos deputados -, temos de uma forma mais inteligente e, sobretudo, construtiva e com diálogo fazer oposição e uma outra maneira e conseguir fazer avançar a nossa agenda sem sermos muleta de ninguém. Não somos nem nunca fomos nem pretendemos ser muleta de qualquer partido.

Portanto, o PAN vai continuar a abster-se, vai continuar a ser o partido da abstenção?
Não, o PAN não continua a ser o partido da abstenção. O PAN, nos últimos quatro anos, em 4000 votações que ocorreram em plenário, absteve-se cerca de 13% das vezes, contra 20% a 23% de partidos como o PS, o PSD e o CDS.

Vinha preparado para essa pergunta...
Claro. Porque, de facto, há uma ideia predefinida que não é correta e é importante continuar a explicar que o PAN, nos últimos quatro anos, se absteve apenas 13% das vezes.

Em relação às medidas que o PAN tem apresentado e em que tem insistido para o OE - eu sei que não gosta da expressão, mas ela entrou no vocabulário de toda a gente -, o SNS para animais - eu sei que não é esse o conceito, mas acho que é mais fácil para toda a gente nos entender -, ainda estamos longe dessa ideia, desse conceito, que o PAN colocou em cima da mesa?
Sim, estamos. Nós entendemos que no tempo em que vivemos, na sociedade portuguesa em que vivemos, já entrados na terceira década do século XXI, em que mais de metade dos agregados familiares têm animais de companhia, em que há várias pessoas que têm animais de companhia que, muitas vezes, são a sua única relação, que têm inclusivamente poucos recursos económicos, em que ainda há problemas de controlo populacional deste tipo de animais - cães e gatos que são abandonados - é importante dar sinais fiscais, neste caso em concreto, para reduzir o peso dos tratamentos, não só da alimentação como dos tratamentos médico-veterinários. Isto nada tem que ver com a questão daquilo que foi tentado passar como SNS para cães e para gatos. Agora, é importante, do nosso ponto de vista, que o Estado adeque uma resposta àquilo que é o sentimento e uma visão da sociedade relativamente a estes animais, no contexto em que vivemos. Não nos faz sentido que, quer a alimentação quer os atos médico-veterinários estejam a ser tributados a 23%.

Há alguma abertura do governo para mudar algum desses aspetos neste Orçamento?
Abertura e sinais nas reuniões existem, agora, se isso será ou não concretizado, não sei. Esta é mais uma daquelas questões que nós temos em cima da mesa, que o governo tem dito que, de facto, concorda e que tem muita vontade de fazer essa redução e que ela é por demais justa, mas ainda não tivemos um sinal concretizador relativamente a esta questão.

Já agora, de 23% passaria para quanto?
Nós propomos para 13%.

Ambos, tratamentos e alimentação?
Não. Os tratamentos para 6% e a alimentação para 13%. A proposta que nós temos é reduzir os tratamentos médico-veterinários para um IVA de 6%, como estão todos os restantes animais, como defende a Organização Mundial da Saúde, como defende o senhor bastonário da Ordem dos Médicos Veterinários. Até porque, no conceito da Organização Mundial da Saúde só há uma. No caso da alimentação, pensamos que seria um sinal já bastante positivo e intermédio fazer-se essa redução para a taxa intermédia.

Num país com tantas carências, acha que é uma prioridade essa dedicação aos animais de estimação?
Eu diria que podemos fazer o caminho em simultâneo. Acho que conseguimos resolver vários problemas em simultâneo. Não devemos construir universidades só quando e apenas acabarmos com o último analfabeto; ou seja, devemos acabar e lutar para acabar com o analfabetismo. Devemos instruir e criar condições para que todas as pessoas tenham acesso à educação e completarem o 12.º ano, e dar condições para que haja um ensino superior para que todas as pessoas tenham esse acesso. Há várias carências e deficiências no nosso país a ser supridas, agora, o que me parece é que aqui o problema é uma questão priorização e de canalização dos recursos públicos para aquilo que entendemos. Quando falamos nestas medidas, estamos no fundo a garantir maior rendimento às pessoas.

Quanto é que essas medidas custariam no Orçamento? Tem as contas feitas?
Temos várias medidas que têm algum impacto orçamental, é verdade, mas temos muitas medidas também - temos sinalizado isso ao governo - do lado da obtenção da receita. É preciso que haja coragem para haver esse equilíbrio. Quando estamos a falar das propostas de um determinado partido, neste caso do PAN, não podemos olhar, defendo eu, para aquela medida em concreto que tem um determinado impacto orçamental. Há ou não há equilíbrio?

Não vai dizer qual é o impacto orçamental?
Desta medida em concreto? O da alimentação seria entre 30 e 40 milhões de euros de perda de receita, quando o PAN está a apresentar medidas de fiscalidade verde que encaixariam entre 500 e 600 milhões de euros, com o fim da isenção em vários setores, de forma gradual, do ISP. Portanto, acho que deve ser justo e correto olharmos para o global das propostas. Estas medidas são, acima de tudo, medidas com impacto social, não são tanto medidas de proteção animal, mas são, no fundo, medidas com um âmbito de proteção social forte de pessoas que têm menos rendimentos e que, por essa via, conseguem ter uma vida mais satisfatória.

Ainda há muito negacionista das alterações climáticas na política em Portugal? Cruza-se com muitos no Parlamento?

Sim, mas eu diria que aquele negacionista assumido, tipo Donald Trump, não. Porque eles vão disfarçando... Porque eles vão disfarçando. Alguns vão disfarçando, segundo me parece.

Quer dar um exemplo?
Aquilo que sinto é que, muitas vezes, as conversas informais que vou ouvindo depois não têm tradução naquelas que são as posições públicas políticas. É sobre essas que falo.

Isso não é um exemplo, não quer dizer quem é?
O que posso dizer é que aquelas que são as prioridades e as narrativas dos partidos relativamente a preocupações de combate às alterações climáticas, e dada a emergência climática que vivemos, e a dez anos do ponto sem retorno, depois não são coerentes com as práticas e as políticas que defendem. Portanto, essa é a outra forma de negacionismo, ou seja, é dizerem que estão do lado da ciência, que percebem a emergência ambiental que vivermos, mas depois continuam a ter práticas que não se coadunam com essa narrativa. A construção de aeroportos, nas condições em que estamos a fazê-lo, é uma delas.

Está a dizer que o governo, de alguma forma, é negacionista nos atos?
Estou a dizer que o governo, de alguma forma, é negacionista nos atos, como disse já nesta entrevista que o governo não ouve a comunidade científica, não concretiza como diz aquilo que é a informação da comunidade científica. O governo recusa-se, e continua a recusar-se, a fazer estudos da capacidade de carga turística do nosso país, quando devíamos partir para um desenvolvimento económico, no que diz respeito ao turismo, por exemplo, fomentando estadas de longa duração. Toda a política turística do nosso país está muito virada e muito direcionada para o turismo low-cost, de curta estada, quando deveríamos, por exemplo, estar a diversificar a nossa oferta de turismo de maior qualidade, maiores estadas e, com isso, conseguiríamos reduzir o tráfego aéreo e não teríamos um impacto ambiental como este. Não faz sentido que estejamos a querer descarbonizar a economia - estamos a dez anos do ponto de não retorno - e estarmos a aumentar significativamente os voos, o tráfego aéreo, e continuar a isentá-lo, inclusivamente, do pagamento de impostos sobre o querosene, sobre os combustíveis fósseis.

Dentro do Parlamento já disse que havia negacionistas, embora não quisesse dizer nomes, e fora do Parlamento quem são os lóbis mais opositores às suas ideias? Falou no do turismo...
Sim, o turismo claramente. Quando falo do turismo falo de várias atividades, incluindo a ANA, a Vinci. Há muitos anos que o chairman da Vinci diz que o aeroporto do Montijo vai ser construído, ou seja, nas narrativas dessas entidades há uma certeza inequívoca de que o aeroporto vai ser construído. Os contratos são assinados antes de uma avaliação de impacto ambiental e, portanto, claro que há lóbis nesse sentido. Também o lóbi da indústria pecuária, que é fortíssimo, que se recusou a subscrever e conseguiu alterar o roteiro para a descarbonização. Portanto, sim, há várias indústrias que de uma forma inteligente, não com um discurso à Trump, mas dizendo sempre que sim, que temos de acompanhar aquilo que são as evidências científicas, mas que vão protelando estas decisões e continuando a fazer investimentos económicos que lesam o ambiente e que, em última análise, no caso concreto de que estamos a falar, contribuem para o aumento da emissão de gases com efeito estufa. É absolutamente contraditório, no momento em que vivemos, estarmos a fazer o desenvolvimento no nosso país que passa pelo aumento - isto é claro, é inequívoco - significativo das emissões de gases com efeito estufa no tráfego aéreo, e no rodoviário que serve de apoio a este aeroporto.

Acredita que o governo vai conseguir atingir a meta da neutralidade carbónica em 2050 ou tem dúvidas sobre isso?
Temos dúvidas sobre isso, na medida em que o roteiro não passa de uma proclamação e, por isso mesmo, demos entrada em novembro - queremos fazer esse debate o mais alargado possível - de uma lei do clima. Lei que concretiza uma resposta ao combate à emergência climática e que responsabiliza todos, nomeadamente a Assembleia da República e governo, e que chama a comunidade científica, também com um papel vinculativo, no fundo para fazer, de uma forma simples, pareceres e estados anuais do andamento da concretização das metas; e em que a Assembleia da República é chamada, se necessário for, a fazer ajustes de determinadas metas para garantir que em 2030, 2035, 2040, 2045 e 2050 tenhamos essa neutralidade.

Está a dizer que não acredita que o plano do governo vá concretizar-se?
Eu acredito que o plano do governo não se possa concretizar, na medida em que vemos constantemente projetos como o aeroporto do Montijo, como as dragagens do Sado, como o aumento do olival intensivo, das estufas na Costa Vicentina. Todas essas atividades económicas, em zonas que já deviam estar classificadas como zonas de proteção por diretiva europeia, todos esses projetos contribuem para o esgotamento dos ecossistemas e, em última análise, para o aumento da emissão de gases com efeito estufa e para o não cumprimento do roteiro para a neutralidade. Não podemos ficar - daí a importância desta lei do clima - presos, apenas e só, a um roteiro da descarbonização que é, por um lado, não vinculativo e proclamatório. É fundamental percebermos como é que o sistema climático evolui a cada ano, e especialmente quinquenalmente, para podermos fazer ajustes a estas metas. A forma como se concretiza a descarbonização pode ter de ser muito mais ambiciosa do que aquela que o governo a fazer-nos crer.

Há pouco mais de um ano, o senhor prometeu numa entrevista tirar consequências se soubesse que algum elemento do PAN estava associado ao IRA [Intervenção e Resgate Animal] ou a movimentos suspeitos de praticar crimes. Que consequências é que tirou?
Não temos nenhum elemento ligado a nenhuma entidade como as que referiu e, portanto, as consequências...

CristinaRodriguesassumiupublicamentequeapoiava e queajudavaestemovimento, o IRA, e continua ligada ao PAN.
Não. O que ocorreu na altura, e nós tivemos oportunidade de explicar, foi que enquanto pessoa que prestava assessoria jurídica probono a várias pessoas e associações, também o fez a esta pontualmente - uma única vez - e deixou de o fazer. Ou seja, não há uma ligação, não houve uma ligação, aquilo que houve foi uma ajuda pontual jurídica a uma associação que prossegue determinados fins de proteção animal e que, segundo sabemos até agora, não tem nenhuma acusação, por um lado, e que, por outro, faz as suas atuações acompanhada por órgãos de polícia criminal.

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