Talibãs dão ordem para reabrir os bancos, mas têm contas complicadas pela frente

Governo tem dependido da ajuda externa, que já foi suspensa, tal como os pagamentos do FMI ou o acesso às reservas que estão no estrangeiro. Tráfico de droga, extorsão, raptos e exploração mineira financiaram os talibãs.
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Quando os talibãs estavam a aproximar-se de Cabul, milhares de afegãos correram aos bancos e às caixas multibanco para poderem retirar o máximo de dinheiro que podiam. As instituições financeiras fecharam na tarde de dia 15, quando os talibãs chegaram à capital e assumiram de novo o poder, e os multibancos ficaram entretanto sem dinheiro. Ontem, os bancos puderam reabrir e voltaram as filas, com o desespero de os preços dos alimentos não pararem de subir (10% a 20% em dias, segundo a Al Jazeera) e uma crise humanitária no horizonte. Mas se os afegãos não têm acesso ao dinheiro, os talibãs também não têm uma tarefa fácil para gerir o Afeganistão.

Com o afegâni em queda face ao dólar há várias semanas (piorou desde que estes voltaram ao poder), a inflação está a subir e há preocupação com os salários. O Ministério das Finanças anunciou entretanto que os pagamentos dos funcionários vão decorrer como normal, mas também já avisaram os afegãos que não podem retirar dólares do país e que quem for apanhado com esta moeda será detido e o dinheiro apreendido.

O Afeganistão já era um dos países mais pobres do mundo em 2020, com 47% da população abaixo do nível da pobreza. A corrupção e a violência travaram o progresso nas últimas décadas - o PIB per capita está há quase dez anos à volta dos 600 dólares - apesar de melhorias em indicadores sociais como saúde, educação ou esperança média de vida. Agora, a situação irá certamente piorar.

Em matéria económica, o país depende da ajuda externa, que segundo o Banco Mundial representava cerca de 42,9% do PIB em 2020 (era 100% em 2009). E as previsões já eram de queda, porque os doadores estavam a comprometer-se menos e a fazer exigências ao nível do combate à corrupção ou a um acordo de paz. Agora, o Banco Mundial anunciou a suspensão do financiamento dos projetos de reconstrução e desenvolvimento - gastou mais de 5,3 mil milhões de dólares desde 2002.

Já na semana passada, o Fundo Monetário Internacional tinha suspendido os seus pagamentos, numa altura em que era esperado que as autoridades afegãs tivessem acesso a mais 440 milhões de dólares em direitos de saque especial (instrumento monetário do fundo). Por seu lado, Washington avisou que os talibãs não iriam poder aceder às reservas que o Banco Central do Afeganistão detém nos EUA.

No total as reservas ascendem a cerca de 10 mil milhões de dólares, incluindo 7 mil milhões só na Reserva Federal norte-americana (dos quais 1,3 mil milhões em ouro). Segundo uma auditoria de 2020, os cofres do Banco Central afegão continham cerca de 160 mil dólares em barras de ouro e moedas de prata, estando disponíveis ainda cerca de 362 milhões de dólares em moeda estrangeira.

Na segunda-feira, os talibãs nomearam um novo diretor para o Banco Central afegão. O escolhido foi Haji Mohammad Idris, que terá experiência com os assuntos financeiros do grupo e fará parte da rede Haqqani, uma fação dentro dos talibãs que é apontada como a responsável por muitos dos mais sangrentos ataques. O ex-vice-presidente Amrullah Salleh, que face à fuga de Ashraf Ghani diz ser o presidente interino e é um dos líderes da resistência no vale de Panshir, acusou-o numa entrevista à CNN na Índia de lavar dinheiro e "facilitar as transações entre os simpatizantes da Al-Qaeda e os talibãs".

Um relatório do Conselho de Segurança das Nações Unidas publicado em junho indicava que os talibãs recorriam a atividades criminosas para se financiarem, desde tráfico de droga, extorsão, raptos, exploração de minerais ou recolha de impostos nas áreas que controlavam, assim como a apoio externo de doadores. A estimativa é que o seu rendimento atual fosse entre 300 milhões e 1,6 mil milhões.

A maior fatia do bolo vem da droga - o Afeganistão produz 80% a 90% da heroína do mundo, sendo atualmente o cultivo da papoila de ópio quatro vezes superior ao que era em 2002, apesar dos esforços de erradicação. Os talibãs já disseram que vão proibir a heroína (em 2000 tinham proibido o cultivo da papoila com algum sucesso, baixando de 82 mil hectares para 8 mil), mas os analistas dizem que será agora difícil abdicar do lucro.

Outra fonte de rendimento dos talibãs tem sido o setor mineiro, com o país a esconder no seu subsolo riquezas estimadas em três biliões de dólares - em cobre, ferro, ouro, mas também lítio e terras-raras. Uma riqueza que países como a China podiam estar interessados em explorar, mas que exige estabilidade e segurança no país.

susana.f.salvador@dn.pt

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