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Desporto
25 agosto 2021 às 22h23

A terceira vida do guarda-redes que segurou o Benfica à Champions

Aos 27 anos, Odysseas Vlachodimos vestiu a pele de herói em Eindhoven. Quem o conhece destaca a força psicológica que, por duas vezes, lhe permitiu vencer a desconfiança.

Odysseas Vlachodimos é o homem do momento no Benfica. O guarda-redes de 27 anos foi, afinal, absolutamente decisivo nos dois jogos com o PSV Eindhoven, que valeram o apuramento do clube da Luz para a fase de grupos da Liga dos Campeões, permitindo para já um encaixe financeiro de 37,24 milhões de euros. O internacional grego, nascido na cidade alemã de Estugarda, brilhou no Estádio Philips e mostrou aquilo que é a sua imagem de marca: a força psicológica.

Na realidade, desde que chegou em 2018, Vlachodimos nunca foi um jogador que tivesse caído no goto dos adeptos benfiquistas, que estavam habituados a grandes guarda-redes como Jan Oblak, Júlio César e Ederson Moraes. A herança era pesada para o grego que até causou boa impressão na primeira época, mas depois viu a desconfiança apoderar-se dos treinadores, primeiro de Bruno Lage e depois de Jorge Jesus. Apesar disso, o número 99 encarnado foi resistindo e terá agora mostrado que, afinal, tem mãos para a baliza do Benfica.

Os primeiros indicadores da força mental de Vlachodimos foram dados ao DN por quem o conhecia bem. O médio Zeca, que tinha partilhado o balneário do Panathinaikos com o guarda-redes que já estava apalavrado para se mudar para a Luz, deu o mote: "É forte psicologicamente e não se deixa afetar com algum erro ou golo sofrido." E a verdade é que só alguém com essas características poderia ter ultrapassado as primeiras dúvidas que se levantaram quando Bruno Lage pediu à SAD do Benfica a contratação de um guarda-redes para a época 2019-20.

O treinador que tinha levado os encarnados ao 37.º título de campeão nacional pretendia o polaco Lukas Fabianski, mas foi o italiano Mattia Perín que chegou a Lisboa para assinar contrato, o que acabou por não acontecer porque chumbou nos exames médicos. O Benfica acabou então por manter a aposta em Vlachodimos, que continuou o seu caminho, aparentemente imperturbável.

As nuvens voltaram a pairar sobre a cabeça do guarda-redes a meio da temporada passada, já com Jorge Jesus no comando técnico. No início de fevereiro, numa altura em que a equipa do Benfica passava por um mau momento, o treinador decidiu dar a baliza ao brasileiro Helton Leite, após uma vitória caseira com o Famalicão, que terminava com uma série de quatro jogos sem vencer.

Era o início da maior travessia no deserto de Ody, como é tratado pelos colegas de equipa, na Luz. Dois meses depois, em declarações ao jornal Sport24, quando estava ao serviço a seleção grega, demonstrou o seu descontentamento e abriu a porta da saída: "Consolidei-me, conquistei títulos, vivi grande êxitos, joguei a Liga dos Campeões e a Liga Europa. O Benfica deu-me muito, ajudou a desenvolver-me, mas penso que estão reunidas as condições para dar o passo seguinte", disse, garantindo que o clube da Luz estava "preparado para discutir ofertas".

Jorge Jesus não gostou da posição pública do seu guarda-redes e deixou-lhe um recado: "Há jogadores que pensam mais no coletivo e outros mais no individual. O castigo que lhe poderia dar era tirá-lo da equipa, se ele estivesse a jogar." Tudo indicava que seria o fim da linha para Vlachodimos, mas tudo mudou no último jogo da época quando Helton Leite foi expulso na final da Taça de Portugal perdida para o Sp. Braga. O castigo do brasileiro transitou para a primeira jornada da I Liga deste ano, o que levou Jesus a apostar em Vlachodimos neste início de época, num mês de agosto decisivo para entrar na Champions. E a verdade é que o internacional grego voltou das férias de cabeça limpa e fez valer a sua força mental para se exibir a grande nível.

E nem o facto de Jesus, após o jogo com o PSV na Luz, ter desvalorizado a sua exibição o afetou. "Não acho que tenha feito uma grande exibição. Defendeu normal, bolas defensáveis, não teve nenhuma bola difícil. Tem estado bem, seguro e fez um bom jogo defensivo como toda a equipa", disse então o técnico. Vlachodimos continuou o seu caminho - apenas dois golos sofridos em sete jogos oficiais - e em Eindhoven voltou a brilhar. No final não conseguiu esconder um raro sorriso de felicidade. "Só fiz o meu trabalho", atirou quando questionado sobre se se sentia o herói, deixando ainda uma garantia: "Não estou a pensar em sair."

Vlachodimos vive agora uma espécie de terceira vida de águia ao peito. Depois da desconfiança dos tempos de Bruno Lage e da relação conturbada com Jorge Jesus, o guarda-redes arranca a quarta época na Luz em grande estilo ao ponto de o treinador benfiquista ter abandonado a ideia de reforçar a baliza.

carlos.nogueira@dn.pt